terça-feira, 27 de junho de 2017

RESENHA: Nós

“Mas a Tábua das Horas” converteu cada um de nós em verdadeiros heróis de seis rodas de aço, heróis do grande poema. Todas as manhãs, com exatamente seis rodas, precisamente na mesma hora, precisamente no mesmo minuto, nós, os milhões, levantamos como um só. Exatamente na mesma hora, unimilhões começamos a trabalhar e, na mesma hora, unimilhões, terminamos o trabalho. E fundidos num único corpo com milhões de mãos, exatamente na mesma hora determinada pela Tábua, no mesmo segundo, levamos a colher à boca e, no mesmo segundo, saímos para passear, vamos ao auditório, ao ginásio de exercícios de Taylor, adormecemos...” (ZAMIÁTIN, 2017, p.30)

D-503 é o engenheiro responsável pela construção da Integral, nave que levará a cultura do Estado Único para outros povos, para que possam viver tão ordenadamente e felizes como eles mesmos vivem sob o comando do Benfeitor. Todos os dias D-503 cumpre suas tarefas e obedece as regras que fazem com que a sociedade funcione, mas isso muda no dia em que ele conhece I-330 - uma mulher misteriosa que desafia as regras - se apaixona por ela e acaba contaminado com uma doença terrível: a imaginação.

Como a maioria das distopias clássicas, “Nós” é um tanto gelado, afinal, se passa em uma sociedade na qual o Estado eliminou completamente qualquer vestígio de individualidade. As pessoas são tratadas como máquinas a serviço do bem comum (tanto que não são chamadas por nomes e sim por números. Nem mesmo são chamadas de pessoas e sim de “unifs”, derivado de uniformes, pois todos se vestem da mesma maneira). Todos acreditam viver felizes, sem a menor noção do que é esse sentimento ou qualquer outro. A verdade é que não existem sentimentos ou vontades próprias, consequentemente, não há sonhos nem desejos. As relações são distantes e sem afeto. A liberdade há muito foi eliminada, pois um ser humano livre comete erros e dos erros vêm as frustrações. Viver em liberdade é viver como os animais. Nessa sociedade, o Estado é a máquina que controla tudo (até mesmo autoriza quando e com quem os unifs podem fazer sexo) e enquanto tudo estiver de acordo com as regras, enquanto o único propósito de cada unif for servir ao Estado, tudo ficará bem.

É através do diário de D-503 que conhecemos essa vida. Não conhecendo outra realidade, ele vive feliz a seu modo, pois foi criado para acreditar que aquela é a vida que existe e por isso ela lhe basta. Essa é uma ótima estratégia do autor, pois nos permite ver uma realidade absurda através dos olhos de alguém que a considera a coisa mais natural do mundo. A reviravolta se dá quando D-503 se vê despertado para coisas que até então não existiam para ele (o amor, o ciúme, o desejo) e já não consegue ser quem sempre foi ao mesmo tempo em que seus novos sentimentos são o oposto de tudo aquilo em que sempre acreditou. A angústia do personagem é o fio condutor da trama.

Apesar disso, considero I-330 a personagem mais interessante da obra, afinal, em nenhum momento conseguimos ter certeza das suas intenções com D-503 ou mesmo entender o que, dentro desta sociedade tão rígida, a fez a revolucionária rebelde que é.

“Nós” é o tipo de livro em que a reflexão que proporciona é mais importante do que os acontecimentos da trama (a narrativa, inclusive, é bastante lenta e por vezes parece dar voltas e voltas, já que o enfoque está sempre nos conflitos internos do protagonista). Mas no meu caso, senti como se já tivesse sido levada a essas mesmas reflexões antes. Uma das minhas distopias favoritas (“Admirável Mundo Novo”) também se passa em uma sociedade em que o conceito de individualidade é nulo e na qual todos vivem pré-programados para servir à sociedade. Talvez isso tenha interferido na minha experiência com “Nós” e feito com que eu não ficasse tão fascinada por este clássicoa, embora reconheço que ele tenha potencial para fascinar muitos leitores.

Para o lançamento de um livro tão importante e praticamente desconhecido do público brasileiro, a editora Aleph preparou uma edição belíssima, com direito a capa dura e material extra (uma resenha de “Nós” escrita por George Orwell e uma carta de Ievguêni Zamiátin a Stálin pedindo permissão para abandonar a União Soviética onde seus livros eram censurados).

Título: Nós
Autor: Ievguêni Zamiátin
N° de páginas: 344
Editora: Aleph

Compre: Amazon
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14 comentários:

Vanessa Vieira disse...

Gostei da resenha Mari. Me pareceu ser uma distopia interessante, apesar de não fazer muito o meu estilo. Beijo!

www.newsnessa.com

Unknown disse...

Oi Mari, tudo bem?
Assisti recentemente um filme que tem o enredo bem parecido com esta estória, e como adoro distopias já fiquei super curiosa para ler este livro. Não me recordo o nome do filme, mas na estórias as pessoas não conhecem os sentimentos como raiva, felicidade, tristeza e principalmente não se apaixonam, porque isso é considerado uma doença.
Adorei a resenha e já adicionei o livro a lista de desejados.
Beijos

Luiza Helena Vieira disse...

Oi, Mari@
Essa capa está realmente maravilhosa!
Acho que nunca li uma distopia clássica. Ainda não apareceu aquela que me despertasse interesse, porém essa chegou perto hahahhaha
Beijos
Balaio de Babados
Sorteio Três Anos do blog A Colecionadora de Histórias

Márcia Saltão disse...

Oi.
Resenha excelente, parabéns. Não conhecia o livro, mas fiquei interessada, pois gosto desse gênero. A edição está linda.
Espero poder conferir em breve.
Beijos.

RUDYNALVA disse...

Mari!
Não conhecia mesmo o livro e fico imaginando porque alguns livros são fadados ao anonimato, mesmo com enredos tão promissores?!...
Como gosto de distopias bem escritas que mostram a rebeldia de uma das personagens contra o governo opressor que os domina e aqui no caso, ela ainda consegue contaminar o relator dos eventos de maneira inexplicável, fiquei fascinada para poder fazer a leitura.
“Como eu não tenho o dom de ler pensamentos, eu me preocupo somente em ser amigo e não saber quem é inimigo. Pois assim, eu consigo apertar a mão de quem me odeia e ajudar a quem não faria por mim o mesmo.” (Desconhecido)
Cheirinhos
Rudy
TOP COMENTARISTA DE JUNHO 3 livros, 3 ganhadores, participem.
http://rudynalva-alegriadevivereamaroquebom.blogspot.com.br/

Na Nossa Estante disse...

Oi Mari! Acho que meu clássico de distopia é 1984, talvez seja por isso que não consigo gostar tanto dos atuais! rs Eu ainda não li Nos, mas parece ser interessante, quero conferir depois.

Bjs, Mi

O que tem na nossa estante

Elidiane Ferreira disse...

Oi, Mari!
Ainda não conhecia esse livro, mas sou muito fã de Distopias, e gostaria de ler mais livros desse gênero. A protagonista parece ser bem interessante, apesar do livro ser bem lento, o que as vezes desanima um pouco o leitor.
Parabéns pela resenha!

Beijos
Eli - Leitura Entre Amigas
http://www.leituraentreamigas.com.br/

Marta Izabel disse...

Oi, Mari!!!
Gostei bastante da resenha mas infelizmente não lembro desse livro sendo lançado aqui no Brasil. Como gosto de distopias sem dúvida leria esse livro. Achei a capa linda e a premissa da história muito interessante.
Bjoss

Ariane Gisele Reis disse...

Oie Mari =)

Já adicionei o livro na minha pequena lista de desejado rs... Apesar de me pareceu uma narrativa mais fria, daquelas que demora um pouco mais para o leitor criar proximidade com o personagens, gostei da premissa da história.

Adoro distopias e essa parece trazer reflexões importantes e até mesmo atuais.

Ótima resenha!

Beijos;***
Ane Reis | Blog My Dear Library.

Isabela Carvalho disse...

Olá Mari ;)
Não conhecia o livro ainda, mas como adoro distopias acho que irei gostar do livro!
Que legal que ele também proporciona uma reflexão, mas que pena que você não gostou tanto assim do livro.
Gostei da sua dica e certamente lerei o livro, obrigada! E me interessei em ler também Admirável Mundo Novo, ainda mais se é sua distopia favorita!
Bjos

Felipe disse...

Oi Mari, tudo bem?
Ainda não conhecia esse livro, mas adorei a dica, fiquei super curioso para conferir!
Blog Entrelinhas

Ana I. J. Mercury disse...

Eu ando meio viciada em distopias, e essa parece ser bem fria, seca, bem diferente e ousada!
Fiquei bem curiosa, não sei se eu iria gostar, porque sou mais o estilo "Jogos vorazes", mas já anotei aqui e vou procurar pra comprar.
bjs

Gabriela CZ disse...

Já tinha visto o livro mas não lembro se cheguei a conferir a sinopse. Todavia, pelas suas palavras achei a premissa bem interessante, Mari. Pois mesmo que seja fria e que dê voltas nas experiências do personagem, me parece que as reflexões valem muito. Vou procurar ler. Ótima resenha.

Beijos!

Carolina Garcia disse...

Olá, Mari!!

Eu fiquei bem curiosa com esse livro por ser um clássico da distopia, né? Algumas pessoas ainda me disseram que consideram Nós como o primeiro livro do gênero.

Gostei muito da sua resenha e mais ainda dessa edição incrível da Aleph!! Hahahaha
Já está na lista há algum tempo, mas por conta de falta de condições, ficará mais ainda. Hahahaha

Bjs!!

http://livrosontemhojeesempre.blogspot.com.br

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