No terceiro livro de sua série detetivesca, Dennis Lehane se mostra extremamente afiado.
A bela e deprimida Desiree Stone desapareceu. Seu pai, o milionário Trevor Stone contrata a dupla de detetives Patrick Kenzie e Angela Genaro para descobrir o seu paradeiro, mas o caso não é tão simples quanto parece. Antes da dupla, o detetive Jay Becker, com quem Patrick tem laços de amizade, foi contratado para o caso, mas, assim como Desiree, ele também desapareceu.
Como característico da série, “Sagrado” é narrado por Patrick Kenzie e mostra claramente a evolução de Lehane neste seu terceiro livro. Não só o personagem encontrou sua voz e o carisma que lhe faltaram nos dois primeiros livros (ao menos a meu ver), mas sua ironia é o ponto alto dos diálogos da trama. Incrível como nas cenas mais tensas o autor consegue fazer o leitor rir do atrevimento do personagem sem que isso soe deslocado diante das situações.
A trama de “Sagrado” brinca com o leitor como os melhores livros policiais sabem fazer. Tudo parece mal contado. A sensação é de que todos estão mentindo o tempo todo e que mesmo a verdade não é totalmente verdadeira. São milhares de reviravoltas e tudo muda a todo instante. Em “Sagrado” em nenhum momento é possível afirmar quem são os mocinhos e quem são os bandidos porque qualquer um pode se revelar qualquer coisa a qualquer momento.
“Eu sabia muito bem aonde podiam nos levar todas essas investigações, todas essas descobertas, todas essas revelações: à fria consciência de que não estávamos bem, nem um nem outro. Nossos corações e nossas mentes estavam guardados porque eram frágeis, mas também porque sempre supuravam algo sinistro e depravado demais para os olhos dos outros.” (LEHANE, 2004, p.39)
Algo que me agrada muito em Patrick e Angela é que eles são detetives totalmente das ruas. Já viram coisas horríveis e estão preparados para verem outras tantas. Eles conhecem as escalas de cinza. Sabem melhor do que rotular as pessoas como boazinhas ou malvadas, mas isso não os impede de ter seu senso moral sempre ativado. Sim, existe o certo e o errado, mas também existe o que algumas pessoas merecem como retribuição às suas ações.
Um acerto da série é o relacionamento entre a dupla de protagonistas. Tendo se conhecido desde a infância e tido um breve relacionamento amoroso há muitos anos, Patrick e Angela são aquele casal que, mesmo não sendo um casal, sabemos que serão em algum momento e Lehane dosa com maestria a evolução deste relacionamento de maneira que soa natural para o leitor, sem esquecer que estamos dentro de um livro policial e que a investigação deve ser sempre o carro chefe da trama.
Li os livros da série Kenzie-Genaro fora de ordem: comecei com os dois primeiros, pulei para o quarto, para o sexto (último da série) e então voltei para o terceiro (este “Sagrado”). Alguns são mais sanguinários (como “Apelo às Trevas”), outros mais dramáticos e pesados (como “Gone, baby, gone”), mas “Sagrado” é simplesmente um exemplar do que um livro policial deve ser: uma trama envolvente, cheia de mentiras e meias-verdades, personagens de almas podres, ritmo acelerado e diálogos afiados. Um Dennis Lehane em excelente forma que me deixou o tempo todo com aquele gostinho de “só mais um capítulo”. Uma das minhas melhores experiências dentro da série.
Autor: Dennis Lehane
N° de páginas: 354
Editora: Companhia das Letras
Exemplar cedido pela editora