“O que aconteceu depois?” É com essa pergunta de criança, que todas as boas histórias carregam em si para atiçar seus leitores a virar mais uma página, que Neil Gaiman nos lembra do que realmente importa em uma história. Deixando de lado rótulos de gênero e as limitações que eles podem trazer a todos os envolvidos na leitura (seja o autor ou o leitor), Gaiman se une a Al Sarrantonio (autor e editor de antologias) para compilar uma coletânea na qual o tema central é, simplesmente, uma boa história.
“Seres Mágicos e Histórias Sombrias” é uma coletânea bastante diversificada. Não à toa conta com nomes conhecidos do terror, da fantasia e também do policial. Entre eles os que mais me chamaram a atenção foram Joyce Carol Oates, Peter Straub, Chuck Palahniuk (todos autores que sempre tive curiosidade de ler, mas que até então não havia feito), Jeffery Deaver e Lawrence Block (autores com quem já tive boas experiências anteriores).
Por se tratarem de temáticas diferentes, desenvolvidas por autores diferentes, é difícil encontrar um fio condutor nesta coletânea. Em “Seres Mágicos e Histórias Sombrias” temos de tudo. Um homem que, de uma hora para outra, passa a sentir um desejo incontrolável de beber sangue (no, surpreendentemente, envolvente “Sangue”, de Roddy Doyle, conto que abre a antologia); um matador de aluguel (em “Descrença”, de Michael Marshal Smith); um homem que volta da guerra para reencontrar seu filho e sua esposa com menos saudades dele do que ele esperava (em “As estrelas estão caindo”, de Joe R. Landsdale), uma mulher que perde sua vida real ao virar musa de um namorado escritor (em “Uma vida em ficção”, de Kat Howard) e até uma perigosa escadaria que pode levar ao inferno (em “O diabo na escada”, de Joe Hill, cuja diagramação é totalmente inusitada, dando um ritmo bastante diferente à leitura).
“E um esforço desesperado para ficar vivo dava direito a alguém viver?” (Pegar e Soltar, Lawrence Block, p.185)
Para mim, os contos mais envolventes foram “Perdedor” (de Chuck Palahniuk), que em menos de dez páginas de uma narrativa intensa e ligeiramente incômoda me deixou curiosa para conferir outras obras do autor; e “Pegar e Soltar” (de Lawrence Block), um conto essencialmente de suspense sobre um homem adepto da técnica de “pegar e soltar”, embora não pratique isso apenas com peixes, mas também com mulheres, freando seus impulsos de matá-las. A maneira direta, limpa e controlada de Block conduzir a história me deixou com saudades dos tempos em que eu lia as aventuras do Detetive Matthew Scudder, principal personagem do autor.
Em “Seres Mágicos e Histórias Sombrias” Gaiman e Sarrantonio propõem que a percepção de fantástico nada mais é do que lançar uma nova luz em direção àquilo que já conhecemos, nos fazendo ver o conhecido com outros olhos. Falsos gurus, gêmeos de relacionamentos complicados, famílias enlutadas. Tudo vale desde que em algum momento o leitor sinta a vontade de dizer aquelas quatro palavras que são as que realmente dão o tom de mágica a uma história: “O que aconteceu depois?”
Título: Seres Mágicos e Histórias Sombrias
N° de páginas: 445
Editora: Darkside Books
Exemplar cedido pela editora