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domingo, 16 de fevereiro de 2020

RESENHA: Seres Mágicos e Histórias Sombrias

Seres Mágicos e Histórias Sombria / Neil Gaiman e Al Sarrantonio / Darkside Books
O que aconteceu depois?” É com essa pergunta de criança, que todas as boas histórias carregam em si para atiçar seus leitores a virar mais uma página, que Neil Gaiman nos lembra do que realmente importa em uma história. Deixando de lado rótulos de gênero e as limitações que eles podem trazer a todos os envolvidos na leitura (seja o autor ou o leitor), Gaiman se une a Al Sarrantonio (autor e editor de antologias) para compilar uma coletânea na qual o tema central é, simplesmente, uma boa história.

“Seres Mágicos e Histórias Sombrias” é uma coletânea bastante diversificada. Não à toa conta com nomes conhecidos do terror, da fantasia e também do policial. Entre eles os que mais me chamaram a atenção foram Joyce Carol Oates, Peter Straub, Chuck Palahniuk (todos autores que sempre tive curiosidade de ler, mas que até então não havia feito), Jeffery Deaver e Lawrence Block (autores com quem já tive boas experiências anteriores).

Por se tratarem de temáticas diferentes, desenvolvidas por autores diferentes, é difícil encontrar um fio condutor nesta coletânea. Em “Seres Mágicos e Histórias Sombrias” temos de tudo. Um homem que, de uma hora para outra, passa a sentir um desejo incontrolável de beber sangue (no, surpreendentemente, envolvente “Sangue”, de Roddy Doyle, conto que abre a antologia); um matador de aluguel (em “Descrença”, de Michael Marshal Smith); um homem que volta da guerra para reencontrar seu filho e sua esposa com menos saudades dele do que ele esperava (em “As estrelas estão caindo”, de Joe R. Landsdale), uma mulher que perde sua vida real ao virar musa de um namorado escritor (em “Uma vida em ficção”, de Kat Howard) e até uma perigosa escadaria que pode levar ao inferno (em “O diabo na escada”, de Joe Hill, cuja diagramação é totalmente inusitada, dando um ritmo bastante diferente à leitura).

“E um esforço desesperado para ficar vivo dava direito a alguém viver?” (Pegar e Soltar, Lawrence Block, p.185)

Para mim, os contos mais envolventes foram “Perdedor” (de Chuck Palahniuk), que em menos de dez páginas de uma narrativa intensa e ligeiramente incômoda me deixou curiosa para conferir outras obras do autor; e “Pegar e Soltar” (de Lawrence Block), um conto essencialmente de suspense sobre um homem adepto da técnica de “pegar e soltar”, embora não pratique isso apenas com peixes, mas também com mulheres, freando seus impulsos de matá-las. A maneira direta, limpa e controlada de Block conduzir a história me deixou com saudades dos tempos em que eu lia as aventuras do Detetive Matthew Scudder, principal personagem do autor.


Em “Seres Mágicos e Histórias Sombrias” Gaiman e Sarrantonio propõem que a percepção de fantástico nada mais é do que lançar uma nova luz em direção àquilo que já conhecemos, nos fazendo ver o conhecido com outros olhos. Falsos gurus, gêmeos de relacionamentos complicados, famílias enlutadas. Tudo vale desde que em algum momento o leitor sinta a vontade de dizer aquelas quatro palavras que são as que realmente dão o tom de mágica a uma história: “O que aconteceu depois?”

Título: Seres Mágicos e Histórias Sombrias
Organizadores: Neil Gaiman e Al Sarrantonio
N° de páginas: 445
Editora: Darkside Books
Exemplar cedido pela editora

terça-feira, 6 de junho de 2017

RESENHA: Deuses Americanos

— [...]. Pouco tempo depois, nosso povo nos abandonou, passou a nos tratar apenas como criaturas do Velho Mundo, como algo que não os havia acompanhado até sua nova vida. Nossos verdadeiros fiéis morreram ou pararam de acreditar, e nós, perdidos, assustados e desemparados, fomos obrigados a sobreviver com qualquer resquício de adoração e fé que encontrássemos. E a sobreviver da melhor forma possível.” (GAIMAN, 2016, p. 140). 

***

Neil Gaiman é um dos autores mais renomados da atualidade e suas obras colecionam prêmios, além de encantar público e crítica. Neste ano, um de seus livros mais aclamados, Deuses Americanos, deu origem ao seriado American Gods e o trailer me deixou com a convicção de precisava ler a obra o quanto antes. 

Shadow está prestes a ser libertado da prisão e tudo o que deseja é reencontrar sua esposa, Laura. Porém, ela se envolve em um acidente de carro e por causa do funeral, Shadow é solto com antecedência. A caminho de casa, ele conhece Wednesday, um homem misterioso que lhe oferece um emprego. Assim, os dois partem em uma viagem pelos Estados Unidos, na qual Shadow descobrirá que deuses são reais e que uma batalha pelo poder de não ser esquecido está para começar. 

A premissa do livro é fantástica, original e extremamente criativa. Gaiman nos mostra novas facetas de deuses conhecidos da mitologia e também nos faz perceber quais são os deuses do século XXI: a televisão, o dinheiro e a tecnologia. O embate entre eles poderia ter sido épico, mas infelizmente não foi. Isso por que nem só de uma boa premissa é feito um livro e, a meu ver, Gaiman falhou na execução. 

O primeiro ponto que me causou muito estranhamento foi a apatia do protagonista. Sim, eu entendo que Shadow passou por um evento traumático e que ele tem dificuldade em lidar com seus sentimentos. Mas seu envolvimento com Wednesday o leva por uma estrada repleta de ocorrências sobrenaturais e o personagem parece aceitar todos elas, por mais bizarras que sejam, sem o menor sinal de descrença ou dúvida. 

Mas o calcanhar de Aquiles de Deuses Americanos certamente é a falta de acontecimentos. Shadow e Wednesday partem em uma espécie de road trip para aliciar deuses para a batalha e mais da metade do livro se limita a isso: Shadow conhecendo e interagindo com deuses, porém, não há um efetivo desenvolvimento da trama. Assim, por páginas e mais páginas, Gaiman apenas patina na estória, prometendo uma batalha épica mas nunca chegando lá. E quando um livro tem mais de quinhentas páginas, a ausência de agilidade não apenas é sentida com intensidade, mas também torna a leitura monótona e frustrante. Sinceramente, creio que a estória de Deuses Americanos não precisava de mais de trezentas páginas para ser contada. 

Outro fator que me incomodou foi o fato de Gaiman dedicar alguns capítulos para apresentar deuses antigos e mostrar como eles levam suas vidas no novo mundo. Tratam-se de estórias interessantes e de personagens riquíssimos, os quais, todavia, não são explorados, visto que seus caminhos não cruzam com o do protagonista. Então, se eles não fariam parte da estória, exatamente qual a necessidade de introduzi-los? 

O desfecho é previsível de um lado, mas extremamente surpreendente de outro. É preciso admitir que a trama criada por Gaiman é absolutamente genial, sendo que nunca passou pela minha mente o caminho que o autor iria seguir. Entretanto, após uma leitura tão arrastada, não houve genialidade que pudesse salvar o livro. 

Deuses Americanos foi uma leitura frustrante. Isso por que Gaiman tinha absolutamente tudo em mãos: uma premissa incrível, bons personagens e uma trama inteligente. Porém, pecou ao focar a maior parte da estória naquilo que era menos interessante. Uma escolha sem justificativas e que, por mais que eu me esforce, não consigo entender. 

Título: Deuses Americanos
Autor: Neil Gaiman
N.º de páginas: 574
Editora: Intrínseca
Exemplar cedido pela editora

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domingo, 11 de dezembro de 2016

RESENHA: Alerta de Risco

“As pessoas são sonhos, estranheza e falta de jeito.” (GAIMAN, 2016, p.236)

Acredito que alguns autores transcendem gêneros literários. Não apenas porque escrevem os mais variados tipos de tramas, mas porque seus nomes se transformam em gêneros próprios. Sempre tive a impressão de que Neil Gaiman era um desses autores e o que me atraiu em “Alerta de Risco”, uma coletânea de seus contos escritos nas mais diversas épocas e pelos mais diversos argumentos, foi justamente entender um pouquinho do que significa o universo que leva o nome deste autor.

“Alerta de Risco” é um verdadeiro atestado de criatividade. Os formatos são os mais diversos (poemas, contos curtos, contos longos), as temáticas e os personagens também (caçadores, gênio da lâmpada, estátuas, crianças, piratas, são alguns exemplos). No prefácio, o próprio autor revela que encara os contos como uma oportunidade de experimentar e, até mesmo, cometer erros. O resultado é que temos terror, fábulas, ficção científica, contos de fadas, entre outros. Como consequência, é claro que alguns desses experimentos dão mais certo que outros.

Aliás, o prefácio em si merece destaque. Nele, Gaiman revela como surgiu a ideia de cada história e é muito interessante descobrir qual era a intenção do autor com elas ou qual foi aquela pequena faísca que o fez querer escreve-las. Ele também revela que muitos destes contos foram encomendados (um deles, “Hora Nenhuma” foi escrito para a antologia “Dr.Who: 12 doutores, 12 histórias” – diga-se de passagem que este foi um dos meus contos favoritos de “Alerta de Risco”). O que impressiona é que, ao mesmo tempo em que Gaiman é abordado para escrever uma história de ficção científica, o mesmo ocorre para histórias sobre cartas de amor, por exemplo. Ao ler “Alerta de Risco” é fácil entender porquê: Gaiman consegue escrever de tudo e faz isso sem parecer que está atirando para todos os lados e sim dando o seu toque particular a cada tema. Para mim, uma das principais características do autor é a estranheza.

No geral, os contos de “Alerta de Risco” não buscam respostas ou desfechos. Apenas despertar algo no leitor, seja um sentimento ou uma lembrança. Por se tratar de um livro de contos, é normal que nem todos possuam a mesma qualidade ou cativem da mesma forma. Eu, particularmente, destaco como favoritos “Laranja” (que adota o curioso formato de respostas de uma entrevista), “E vou chorar, como Alexandre” (em que o personagem é um “desinventor”), “Um calendário de contos” (doze contos dedicados a cada um dos meses do ano, cujas temáticas foram sugestões de leitores pelo twitter) e “Terminações femininas” (narrado por uma estátua).

Mas confesso que, mesmo apreciando a criatividade envolvida nas histórias, não consegui me envolver com elas tanto quanto imaginava. Talvez a mistura histórias curtas e temas muito diversos tenha sido a responsável por isso. Se a temática de todos os contos fosse a mesma, haveria um contexto. Se fossem histórias mais extensas, haveria tempo para se absorver cada uma aos poucos. Mas de maneira como “Alerta de Risco” se configura, me senti como se estivesse um pulando de uma coisa para outra o tempo inteiro.

Mas valeu a experiência, pois li para ter um gostinho do que é Neil Gaiman e certamente tive. Só que Gaiman não tem um gostinho único. Tem todos os sabores.

Título: Alerta de Risco (exemplar cedido pela editora)
Autor: Neil Gaiman
N° de páginas: 304
Editora: Intrínseca

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

RESENHA: O Oceano no Fim do Caminho

“Esse é o problema com as coisas vivas. Não duram muito. Gatinhos num dia, gatos velhos no outro. E depois ficam só as lembranças. E as lembranças se desvanecem e se confundem, viram borrões...” (GAIMAN, pag.58, 2013)

Minha primeira experiência com o aclamado Neil Gaiman, “O Oceano no Fim do Caminho” é um livro singular. A mistura de realidade com fantasia e do encantador com o assustador, onde não apenas os acontecimentos mas também os sentimentos são vívidos e as nuances se mesclam de tal forma que é impossível distinguir seus contornos e estabelecer seus limites.

Um homem de quarenta anos volta para a casa onde passou a infância para um velório. Cansado e querendo se distanciar de todos por um minuto, ele dirige sem rumo por estradas conhecidas até que se depara com um lugar no qual não pensava em muito tempo: a fazenda das Hempstock, onde morava sua amiga Lettie que chamava o lago no fim do caminho de um nome diferente. Era mar? Não, não era mar. Para Lettie Hempstock, o lago no fim do caminho era um oceano e é ao lembrar disso que ele lembra de tudo.

Narrado em primeira pessoa por um personagem cujo nome não sabemos, “O Oceano no Fim do Caminho” é o olhar de um adulto sobre a sua infância, tempo em que era um menino solitário, cujos melhores amigos eram livros, até que conheceu Lettie: uma menina diferente, de uma família diferente, que o acolhe e promete protegê-lo de tudo.

Gaiman cria acontecimentos fantásticos e personagens cativantes, mas é a sua habilidade de conseguir mostrar para o leitor o mundo de uma criança vista por ela mesma quando adulta que dá o tom de “O Oceano no Fim do Caminho”. Não é um livro narrado por uma criança inocente, nem por um adulto cético, e sim por um adulto disposto a relembrar sua infância exatamente como ela foi, com todos os sentimentos que ela lhe trouxe e as proporções que as coisas atingem na infância.

Em “O Oceano do Fim do Caminho” o que importa não são tanto os acontecimentos – foram eles reais, ou não? – mas sim o que eles despertaram. Não sabemos exatamente quem são – ou como são – as Hempstock, o que importa é que elas se tornaram o porto seguro daquele menino de sete anos – hoje um homem. Não sabemos o nome do homem, de quem é o velório que o leva a aquele lugar, nem mesmo como foi a sua vida, porque o importante é apenas a história que veremos ser despertada.

E esse é o verbo principal aqui: despertar. O que o protagonista viveu esteve adormecido nele durante todos esses anos, mas sempre esteve ali. Sempre fez parte e o ajudou a construir a pessoa que ele é – seja lá quem for. Não conhecemos o adulto, mas, ainda assim, conhecemos o menino profundamente, o que só ocorre porque Gaiman consegue fazer com que sintamos nós mesmos as dúvidas e os temores dos personagens.

E por falar em dúvidas, eu devo confessar que passei a leitura toda duvidando. Quem me conhece, sabe: eu sou mais razão que emoção. É por isso que quando leio algo que aborda o fantástico, eu preciso saber se aquilo é mesmo parte um mundo fantástico – e, portanto, é a realidade daquele mundo – ou se é uma realidade como a que conhecemos, porém distorcida por alguma razão – delírios ou, nesse caso, as fantasias de uma criança vendo o mundo real a seu modo. Ok, eu sei que isso é um tanto limitado de minha parte, mas não pude evitar sentir uma pulga (estranhamente pertinente, não?) atrás da orelha: “Isso está mesmo acontecendo com ele? A mente da criança processou dessa maneira por não conseguir entender algo? Tudo isso é uma complexa metáfora?” Esses questionamentos poderiam ter se tornado ressalvas, mas a narrativa de Gaiman é tão contagiante que eu só queria ler o que ele tinha para me contar, não importando o que aquilo significaria mais adiante. Ao terminar, minha conclusão foi que talvez não seja preciso entender. Só seja preciso aproveitar o momento e se deixar levar. Como disse Lettie Hempstock: “Não é nada especial, saber como as coisas funcionam. E você precisa realmente deixar tudo para trás se quiser brincar” (pag. 166)

São coisas como essas que fazem o leitor refletir, se não sobre a sua infância, sobre a visão que tem da vida. “O Oceano no Fim do Caminho” é um livro inusitado e único, para ser lido sentindo, mais do que pensando, mas estando disposto a refletir e correr o risco de descobrir ou, pelo menos, de se indagar o quanto da nossa infância está adormecido, apenas esperando que nos deparemos com algo no fim do caminho e então lembremos que...

Título: O Oceano no fim do Caminho (exemplar cedido pela Editora Intrínseca)
Autor: Neil Gaiman
Nº de páginas: 208
Editora: Intrínseca
 

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