quinta-feira, 29 de maio de 2014

RESENHA: Dias Perfeitos

"Quando criança, passava noites sem dormir, as mãos trêmulas diante dos olhos, tentando desvendar os próprios pensamentos. Sentia-se um monstro. Não gostava de ninguém, não nutria nenhum afeto para sentir saudades: simplesmente vivia. Pessoa apareciam e ele era obrigado a conviver com elas. Pior: era obrigado a gostar delas, mostrar afeto. Não importava sua indiferença desde que a encenação parecesse legítima, o que tornava tudo mais fácil.” (MONTES, 2014, p. 12).

***

Admito que senti um certo receio em ler Dias Perfeitos, pois creio ser uma tarefa hérculea fazer um thriller psicológico funcionar com, basicamente, dois personagens. Afinal, as interações entre o vilão, em uma posição de autoridade, e a vítima, geralmente submissa, não são suficientes para criar elementos fundamentais para o gênero, como ação, tensão, suspense e reviravoltas. Venci minha resistência em virtude das inúmeras resenhas que apontavam as qualidades da obra, além do autor contar com o aval do renomado Scott Turow. 

Téo é um estudante de medicina solitário, que divide sua vida entre as aulas e a necessidade de cuidar de sua mãe paraplégica. É então que ele conhece Clarice – uma jovem disposta a viver sua vida ao máximo –, por quem se torna obcecado. Ao perceber que Clarice não corresponde aos seus sentimentos, decide sequestrá-la a fim de mostrar-lhe como se completam. E assim surge a ideia de refazer o percurso dos personagens de Dias Perfeitos, o roteiro cinematográfico que Clarice está escrevendo. 

Infelizmente, preciso reconhecer que meu temor inicial se mostrou verdadeiro. As interações entre Téo e Clarice não se mostraram suficientes para carregar a obra, e os eventuais obstáculos utilizados para “apimentar” a estória eram mais do que previsíveis e suas soluções não surpreenderam, nem empolgaram. 

A narrativa tampouco contribuiu para o desenvolvimento da estória. A obra é narrada em terceira pessoa, todavia, vem contaminada pelas impressões, pensamento e emoções de Téo, o que não seria um problema por si só. Entretanto, sendo Téo o tipo de personagem completamente insosso, que não me despertou empatia nem repulsa, a narrativa mais intimista se torna monótona e irritante. 

E já que mencionei Téo, vamos ao protagonista. Não sei se a intenção do autor era criar um psicopata, mas digo sem medo de errar que Téo não apresenta tal psicopatologia. Para se ter uma ideia, dos vinte itens constantes na Psychopath Checklist (instrumento mais acurado para o diagnóstico desta psicopatologia), consegui identificar apenas seis. Téo pode ser transtornado/maníaco/perturbado/com uns parafusos a menos, mas não é psicopata. E sendo assim, algumas das cenas narradas me pareceram exageradas, criadas com o intento de impactar o leitor, mas contraditórias se considerada a personalidade de Téo. 

Não gosto de fazer comparações, mas neste caso creio que é necessário. Assim que comecei a leitura, me pareceu que Téo deveria ser uma espécie de Tom Ripley, o adorável golpista (e provável psicopata) criado por Patricia Highsmith. Infelizmente, o autor não conseguiu reproduzir a evolução do personagem, nem seus requintes de crueldade e muito menos seu carisma. 

Li uma entrevista do autor em que este afirmava sempre desejar surpreender o leitor. Entretanto, Dias Perfeitos me pareceu previsível de capa a capa, especialmente no tocante ao final. Minha impressão é de que ele se esforçou tanto para criar um thriller psicológico surpreendente, impactante e perturbador, que se perdeu ao dosar os elementos necessários para tal fim. 

Admito que Raphael Montes tem potencial, mas creio que ainda não alcançou seu ápice. Enquanto isso, aguardemos seu próximo livro. 

Título: Dias Perfeitos (exemplar cedido pela Editora) 
Autor: Raphael Montes 
N.º de páginas: 274 
Editora: Companhia das Letras

8 comentários:

Ana Paula Barreto disse...

Confesso que fiquei meio desapontada ao ler a resenha. Esperava que fosse um thriller convincente, com um personagem realmente psicopata e com a trama surpreendente, como "prometido".
Infelizmente, parece que na ânsia de tornar um projeto realidade, as coisas podem não sair conforme o planejado.
Ainda quero ler o livro, mas com toda certeza, vou com menos sede ao pote.
bjs

Nardonio disse...

Realmente, um thriller psicológico tem que ter tudo isso que você falou, mas, pelo jeito, faltou quase tudo nesse livro. É uma pena que o autor acabou se perdendo no desenrolar da trama. Agora é aguardar os próximos lançamentos do autor, e torcer pra que ele tenha aprendido com esse "deslize".

Seguidor: DomDom Almeida
@_Dom_Dom

Gabriela CZ disse...

Tinha visto a capa desse livro mas não sabia do que se tratava. A ideia podia até ser boa, mas se o autor não soube desenvolver não adianta. Assim já fico avisada. Ótima resenha.

Abraço!
http://constantesevariaveis.blogspot.com.br/

Adriana disse...

Poxa, é uma pena o livro não ter te empolgado, pior, não cumprir o que prometia, eu estava bem afim de le-lo, pois li resenhas bem positivas, mas lendo sua resenha e analisando todos os contras que voce citou, fiquei com o pé atras agora, enfim, antes de sair aí gastando meu suado dinheirinho, vou esperar, vai que eu também não goste né! Parabéns pela resenha!
Adriana

Unknown disse...

Nossa, seu poder de persuasão é bem grande viu? Confesso que estava muito afim de ler esse livro, mas depois de ter lido uma resenha com tantos [ou só] pontos negativos, repensei e acho melhor não. Thriller psicológico é um dos meus gêneros favoritos de looonge, e não quero me decepcionar logo na primeira obra que eu leio do autor. Então, vamos esperar o próximo livro que ele vai lançar, para ver se melhora né :/

Unknown disse...

Fiquei chateada.
Já li algumas resenhas que haviam me deixado bem curiosa para conhecer a história e agora que li tudo o que você escreveu.... :(
Nunca li um livro onde o protagonista era ou parecia um psicopata e não sei se estou psicologicamente pronta para esse tipo de leitura, mas eu realmente esperava bem mais de Dias Perfeitos.
Bjokas

Érika Rufo disse...

Que pena que o livro não cumpriu o que prometia. Tinha muitas expectativas em relação à esse livro, mas parece que o autor não soube desenvolver bem a história. Adoro thrillers psicológicos e se eles não forem bem desenvolvidos a leitura não emplaca.

Bjs

Tammy (Livreando) disse...

Já ouvi falar desse livro, e a maioria com opiniões parecida com as suas. Então, já sei que será descartado das possíveis futuras compras.
É complicado quando temos em um livro elementos que tem tudo para fazer a história dar certo e o autor acaba se perdendo.

Bjim!!!

Tammy - Livreando

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