“O olhar que se abateu sobre ela era puro Maigret! Que calma! Que indiferença! Como se não escutasse nada além do zumbido de uma mosca! Como se tivesse à sua frente um simples a banal objeto.” (SIMENON, 2014, p.24)
Poucos autores se tornam tão relevantes e suas obras tão garantidas de agradar seu público que as editoras podem se dar ao luxo de não acompanhar as edições com sinopses. Poucos personagens são tão memoráveis que se tornam o segundo nome de seu autor e merecem na capa um destaque tão grande quanto o título da aventura que protagonizam. Tão poucos que só me ocorre um que se encaixa em ambas situações: Georges Simenon e seu comissário Maigret.
Maigret está à caça de Pietr, o letão: um homem de mil identidades e hábil na arte do disfarce. Pistas indicam que o criminoso internacional está prestes a chegar a Paris, mas ao tentar surpreende-lo no trem, quem se surpreende é Maigret ao encontrar um corpo que corresponde às características do criminoso. Mas como ter certeza que se trata dele em especial quando alguém continua a agir exatamente como o letão? Entre hotéis de luxo, bares e hospedarias de segunda categoria, o comissário entende que não será fácil capturar esse homem e irá persegui-lo para descobrir não só quem ele é e impedir que continue com suas chantagens, mas também porque faz o que faz.
“Pietr, o letão” é o primeiro de 75 romances protagonizados pelo comissário Jules Maigret e é o livro perfeito para introduzir um personagem como ele. Isso porque “Pietr, o letão” é Maigret acima de tudo.
Diferente da maioria dos policiais, a trama não gira em torno de um crime. Ela consiste em uma perseguição da primeira à última página e se revela um duelo mental – como toda boa perseguição é - de forma que o livro poderia muito bem se chamar Maigret x Pietr, o letão porque é isso que temos: uma mente contra a outra. Ao mesmo tempo em que nos perguntamos quem é esse Pietr e o que ele está tramando, conhecemos o policial em seu encalço. Com cautela, Simenon nos apresenta seu personagem mais memorável, nos mostrando em pequenas atitudes que tipo de homem Maigret é. Não é um livro sobre crimes e sim sobre pessoas, característica essencial da obra de Simenon.
O autor tem um jeito tão próprio de fazer mistério que por vezes eu esqueço que estou lendo um livro do gênero e apenas me deixo levar. E foi exatamente isso que aconteceu com “Pietr, o letão”, uma das aventuras de Maigret mais enigmáticas que já li, já que com frequência eu me perguntava “Quem é esse cara?”, “O que ele está fazendo?” e “Como essa gente toda se encaixa nisso?”
Outros personagens enigmáticos transitam pelas páginas, como o casal de bilionários Mortimer - com quem o letão se encontra em suas primeiras horas em Paris -, a irritada e vulgar Anna Górskina, e a Sra. Swaan - que parece trazer à tona um outro lado da personalidade do chantagista. No mundo de Simenon, ninguém é apenas bom ou apenas mau e atitudes são sempre movidas por motivações e, portanto, podem ser compreendidas.
Mesmo espalhando perguntas e com um protagonista que não pára um segundo sequer, o livro apresenta a falta de urgência característica das tramas de Simenon. Embora leia seus livros de um dia para o outro, nunca senti aquele desespero de encontrar as respostas que vem nas últimas páginas. A leitura se dá rápida porque não se sente passar. É como uma viagem na qual nos distraímos com as paisagens bonitas e quando vemos, já chegamos ao nosso destino. Maigret, por sua vez, é um ótimo companheiro.
Nunca li um livro de Simenon que não me agradasse e ao ser questionada sobre uma indicação de título para alguém começar a conhecer a obra do autor, nunca sei o que responder. Meu primeiro contato foi com “A Noite da Encruzilhada” - que esse mês ganhou uma bela reedição pela Editora Companhia das Letras – e me parece um começo tão bom quanto qualquer outro. Mas “Pietr, o letão” possibilita ao leitor ser apresentado ao comissário Maigret como seu autor quis que fosse apresentado, deixando clara, já nessa primeira aventura, a qualidade que será sinônimo de autor e personagem em mais de uma centena delas (entre romances e contos) que se seguiriam.
Autor: Georges Simenon
Nº de páginas: 164
Editora: Companhia das Letras
12 comentários:
Olá, Mariana! Nunca li nenhum livro desse autor, pra falar a verdade, ainda não o conhecia. Gostei muito da resenha e pelo o que você descreveu, o livro tem essa pegada meio mistério, suspense, o que me agrada muito, sempre acho bastante interessante livros desse gênero. Como ainda não conheço o autor, nem tenho muito o que opinar, mas espero ter à oportunidade de ler suas obras e conhece-lo melhor.
Admito não saber muito sobre o autor e suas obras, mas se já tinha alguma vontade de conferir ela aumentou com seus comentários, Mari. Fiquei super curiosa. Ótima resenha.
Abraço!
http://constantesevariaveis.blogspot.com.br/
Oiee ^^
O gênero policial é um dos poucos que não me agradam, mas de vez em quando dou uma escapadinha e acabo lendo algum. Saber que a história não gira muito em torno do crime em si me deixou curiosa, é ruim quando o autor foca numa só coisa e acaba esquecendo as outras.
MilkMilks
http://shakedepalavras.blogspot.com.br
Oi Mari!
Não li muitos livros policiais na minha curta vida de leitora, mas os poucos que eu li me satisfizeram bastante. Li alguns da Agatha, Sir Arthur Conan Doyle e outros autores famosos. Confesso que já li algumas resenhas do Simenon que me interessaram bastante, e essa não foi diferente. Uma das coisas que eu mais amo em qualquer tipo de livro é quando ele flui rápida e naturalmente, como aconteceu com você nesse romance. Espero ter a oportunidade de lê-lo em breve!
Beijos!
http://roendolivros.blogspot.com.br/
Eu adoro esses embates entre detetives x criminosos. Parece até mentes brilhante se digladiando em um complexo jogo de xadrez. Acho importante ter o primeiro contado com uma personagem tão enigmática como o Maigret, através do primeiro caso que ele teve que resolver, pois, só assim nos aproximamos ao máximo do que o autor pensou ao construí-lo.
Seguidor: DomDom Almeida
@_Dom_Dom
Oi, Mari
Eu gosto muuuito de livros policiais! Nunca tinha ouvido falar nesse, mas vou procurar mais a respeito dessa série!
Essa questão de perseguição (mais do que o crime em si) me lembrou bastante o mangá Death Note (um dos meus favoritos).
Beijos,
Priscilla
http://infinitasvidas.wordpress.com
Eu nunca ouvi falar do autor mais já fiquei interessada em conhecer seus livros. Esse parece ser um policial bem diferente mesmo, e só por isso já quero conhece-lo.
E depois de ler a resenha fiquei com vontade de conhecer a escrita do autor também.
Acho que vou começar por esse ou por A Noite da Encruzilhada que você também falou :)
Beijos!
Eu adoro policiais, nunca me canso.
Não conhecia esse livro, mas já fiquei bem curiosa. A capa em todo esse ar de mistério, achei muito bonita. Ultimamente ando precisando de um livro assim, curto, em que eu não veja o tempo passar. Com certeza vou procurar saber mais.
Beijos
Yasmin
deitadosnagrama.blogspot.com.br
Oi Mari, eu nunca li nada do autor e, apesar de gostar de Policiais, acaba não sendo meu tipo de leitura favorita. Gosto dessas características que você colocou, de que o livro não trata apenas do crime, mas dos personagens, e que estes são feitos de tudo um pouco, não ficam engessados no "mocinho" x "vilão", puramente.
Vou tentar adicionar obras do autor às próximas leituras, quem sabe me encante também com sua escrita.
Beijos
Até agora eu já li A louca de Maigret, O mistério das jóias roubadas e Maigret e os crimes do cais e gostei bastante dos três. Gostei da forma que o autor escreve e gostei dos personagens. Agora fiquei com vontade de ler esse livro também, ele parece ser tão bom quanto os outro que li dele. E quando eu tiver a oportunidade vou ler também A Noite da Encruzilhada, que eu já tinha ouvido mais gente falar...
Bjss
Não posso me considerar um fã desses livros policiais, mas vez ou outra chega um que me agrada. Saber que a história gira nãi apenas do crime já me fez gostar! Adiocionado ao "Vou ler"!
Abraços!
Tenho alguns livros policiais na minha estante, mas de muitos deles eu canso em algum momento, ou porque enrolam na trama ou porque há detalhes de crimes estranhos que não fazem sentido... não me interessei nem um pouco pela capa de Pietr, mas depois de ler a resenha, vi que pode ser melhor do que julguei. Gosto de quando há essa história de jogos mentais (acho que é isso, né). Acho que vou dar uma chance, se tiver a oportunidade. Ainda mais porque é fininho, né! :)
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