segunda-feira, 14 de novembro de 2016

RESENHA: Gone, baby, gone

“(...) nada é mais ensurdecedor que o silêncio da criança desaparecida. É um silêncio de setenta a noventa centímetros de altura (...), gritando para você de todos os cantos, de todos os recantos, e do rosto impassível de uma boneca caída ao lado da cama. É um silêncio diferente do silêncio que fica depois dos enterros e dos velórios. O silêncio dos mortos exprime o sentimento de conclusão; é um silêncio ao qual você sabe que terá de se acostumar. Mas o silêncio de uma criança desaparecida não é algo a que você queira se acostumar; você se recusa a aceitá-lo, por isso ele berra na sua cara.
O silêncio dos mortos diz: Adeus.
O silêncio dos desaparecidos diz: Encontrem-me”. (LEHANE, 2005, p. 35)

O que faz um livro ser considerado bom por você? É mal conseguir interromper a leitura, o devorando em um piscar de olhos? Ou é ser assombrado por sua história mesmo depois da última página? Se a sua resposta for a segunda, então Dennis Lehane é o autor para você.

A pequena Amanda McCready, de apenas 4 anos, desapareceu sem deixar vestígios no que seria apenas mais uma das noites em que sua mãe a deixou sozinha em casa e saiu se divertir. A vizinhança e a polícia foram mobilizadas para encontrá-la, mas os tios da menina recorrem também aos detetives Patrick Kenzie e Angela Genaro.

Os dois primeiros livros da série Kenzie-Genaro me apresentaram ao mundo perverso de Dennis Lehane. Agora, reencontro os detetives neste quarto livro, já sendo uma fã declarada do autor.

Me agrada muito que Patrick e Angela não estejam na trama apenas para investigar o caso, como outros detetives. Eles têm uma história própria, que se desenrola há vários livros, e que afeta a maneira como encaram os casos. Prova disso é que ao serem abordados para investigar o sumiço de Amanda, eles se questionam sobre aceitar a tarefa já que nenhum deles, nas palavras de Patrick, “gostaria de ser a pessoa que encontraria uma menina de 4 anos enfiada em uma lata de lixo”, e consideram ainda que podem nem mesmo fazer a diferença, sendo apenas mais uma dupla em meio a tantas equipes policiais. Assim, Kenzie e Genaro não só estão longe de serem detetives infalíveis como também se conectam com o leitor por se mostrarem humanos, porque não importa o quão habituados estejam aos horrores que testemunham diariamente, esses continuam a afetá-los. Outra coisa que funciona muito bem é o romance da dupla, perfeitamente verossímil. É possível ver o amor, a paixão e a intimidade entre os dois, mesmo que a situação na qual se encontram peça tudo menos por momentos assim.

O que não funciona, infelizmente, é o olhar de Patrick como narrador. Lehane tem inúmeras qualidades, mas saber narrar em primeira pessoa não é uma delas já que parece apenas conjugar os verbos na primeira pessoa do singular ao invés de realmente dar um olhar único para a situação. Quando li “Um drink antes da guerra” (livro de estreia do autor) achei que esse distanciamento de Patrick fosse falta de carisma. Hoje acho que não, já que Patrick é sim um personagem interessante que contribui com a carga dramática da trama, mas em alguns momentos é perfeitamente esquecível que é ele quem nos conta a história. Talvez isso seja um problema que se estabeleceu naquele primeiro livro quando o autor ainda não tinha tanta experiência e acabou definindo esta voz distante como sendo a voz narrativa de Patrick Kenzie. De um jeito ou de outro, não interfere na envolvimento do leitor, mas é uma mácula que o livro não merecia.

E por falar nas qualidades de Lehane, é impressionante como o autor consegue sugar toda a alegria e deixar sua história sombria e melancólica em poucas páginas. Mais do que apenas real ou verossímil, tudo em suas tramas é cru e ficará entranhando na mente do leitor. Sou do tipo que esquece facilmente as histórias que leio, mas isso nunca se aplica aos livros deste autor.

Lehane sabe mexer com as emoções do leitor como ninguém e é o único autor de suspense que eu conheço capaz comover e emocionar, inserindo cenas intensas e dramáticas em meio a uma investigação policial, sem que elas pareçam deslocadas ou piegas. Além disso, Lehane sabe arrastar seu leitor para os buracos mais profundos e sombrios e é só quando a narrativa parece dizer “agora respira” que o leitor percebe onde foi parar e então é impossível não fechar o livro por uns instantes e dizer “uau!”. Lehane consegue tudo isso sem ser explicitamente violento ou abusar de cenas fortes, apenas por apresentar um mundo que tem toda essa maldade enraizada e usá-lo para criar histórias que despertam uma empatia profunda. Eu não me lembro se alguma vez terminei uma de suas histórias sem a sensação de que o mundo era absurdamente injusto.

Qualquer história envolvendo violência contra crianças será revoltante (e o caso de Amanda não é o único que o autor apresenta para assombrar o leitor). Em "Gone, baby, gone", ao invés de acompanharmos o sofrimento de uma mãe que não sabe o que aconteceu com sua filha, o que vemos é uma personagem desprezível que merecia mesmo uma lição por seu comportamento irresponsável, uma punição pela indiferença com que tratava a filha e pelas influências a que a submetia. Torcemos para que a história tenha um final feliz, mas sabemos que a mãe de Amanda não o merece.

O ritmo da narrativa se mantém constante do início ao fim, priorizando a intensidade dos eventos a um ritmo frenético. Por vezes, o desenrolar mais lento dos acontecimentos aumenta a angústia do leitor que sabe que o tempo está passando e que as chances de se encontrar a criança com vida (e sem grandes traumas) fica cada vez menor.

Eu só não tive uma experiência ainda melhor com “Gone, baby, gone” porque há alguns anos assisti sua adaptação cinemtográfica (o ótimo “Medo da Verdade”, dirigido por Ben Affleck, com Casey Affleck e Michelle Monaghan como a dupla de detetives) e nunca esqueci o seu desfecho. Assim, a investigação não conseguiu me fisgar durante a leitura já que eu sabia onde tudo aquilo iria terminar.

“Gone, baby, gone” pode não ter sido para mim o melhor livro de Dennis Lehane, mas tamanho é o impacto da história de Amanda que ela ganha continuação em “Estrada Escura”, o sexto livro da série Kenzie-Genaro, cujos eventos acontecem doze anos após os de “Gone, baby, gone” e com uma premissa ainda mais promissora. Um livro que mal posso esperar para ler.

Título: Gone, baby, gone (exemplar cedido pela editora)
Autor: Dennis Lehane
N° de páginas: 469
Editora: Companhia das Letras

16 comentários:

Luiza Helena Vieira disse...

Oi, Mari!
Que pena que o livro não funcionou muito para você.
Existem alguns livros que também acho que narrações em primeira pessoa não funcionam muito bem.
Beijos
Balaio de Babados
Participe da promoção de seis anos de Caverna Literária

Sil disse...

Olá, Mari.
Acho que nunca vi esse autor antes. Não sei dizer como considero um livro bom, tem tantas maneiras. Mas gosto muito quando termino um livro e a história continua me assombrando hehe. Eu já achei essa mãe ai uma irresponsável, e infelizmente sua punição envolvia um inocente, mas tomara que ela se arrependa do que fez. Vou procurar os livros anteriores para ler, porque sou dessas que gosta de acompanhar a vida dos detetives, mesmo os casos sendo separados.

Blog Prefácio

Carolina Garcia disse...

Adorei a resenha, Mari!!! Não conhecia ainda essa série e fiquei muito curiosa mesmo para conferir!!!
Não me lembro de ter visto esse filme também, então vou adicionar também na minha lista. ;)

Bjs!!

http://livrosontemhojeesempre.blogspot.com.br

Diego disse...

Olá, Mari =) Tudo bem?
Você já sabe que sou apaixonado por suas resenhas e sempre que venho aqui encontro algo legal, então como sempre digo amei essa.
E amei também esse livro, até então desconhecido para mim. Preciso biscar mais sobre essa série porque a premissa me chamou muito atenção, o quote inicial também e uma característica do autor que você destacou, que é fazer suspense, deixar o leitor tenso e apreensivo sem abusar de cenas violentas. Eu adoro isso.

Dica anotada!
Bjux.
Diego, Blog Vida & Letras
www.blogvidaeletras.blogspot.com

Gabriela CZ disse...

Que livro, heim Mari? O título me é familiar mas confesso que não tinha conhecimento sobre o enredo. Me parece que mesmo com algumas máculas é tipo de livro que domina por completo o leitor. E me interessei por essa série dos detetives, vou procurar. Ótima resenha.

Beijos!
Portal Andar de Cima

Pâm Possani disse...

Hey Mari!
Não conhecia a série e o livro e o autor RSRSRS
será que por já saber não foi tão bom assim?
e que pena que a personagem nao cativa hein? :( tinha tudo pra ser rvoltante e intenso na leitura de uma forma positiva (será?)
Obrigada
<3
Inusitado mesmo, com uma personagem super inusitada mesmo HEHEHE
beijocas
Pâm - www.interruptedreamer.com

RUDYNALVA disse...

Mari!
O bom livro para mim é justamente como descreveu: "capaz comover e emocionar, inserindo cenas intensas e dramáticas em meio a uma investigação policial, sem que elas pareçam deslocadas ou piegas."
E pelo visto o livro é assim e por isso, gostaria de lê-lo.
“Não há nada que faça um homem suspeitar tanto como o fato de saber pouco.” (Francis Bacon)
cheirinhos
Rudy
http://rudynalva-alegriadevivereamaroquebom.blogspot.com.br/
TOP Comentarista de NOVEMBRO com 3 livros + BRINDES e 3 ganhadores, participem!

Cristiane Dornelas disse...

Humm, parece uma dica bem interessante de leitura. Também sou do tipo que esquece leituras bem fácil. Fico mais com os sentimentos que com a história na cabeça. Mas quando o livro consegue ficar ali, grudado, se você ainda lembra bem do que aconteceu nele? Quer dizer que o autor soube escrever uma história impactante e isso é muito legal. Esse já tem um tema bem tenso e só posso imaginar como ele escreveu pra ficar tão na mente assim.

Vanessa Vieira disse...

Gostei da resenha Mari. Esse thriller policial parece ser bem instigante e como aprecio o gênero, com certeza leria o livro. Beijo!

www.newsnessa.com

Na Nossa Estante disse...

Oi Mari

Ver uma adaptação antes do livro pode realmente tirar um pouco do suspense, então entendo que tenha acontecido com vc. Ainda não li a série, mas tenho vontade de conhecer.

Bjs, Mi

O que tem na nossa estante

Unknown disse...

Oi, Mari!! Tudo bem??
Você acabou de me apresentar um autor que certamente eu vou gostar!! Li a resenha e tipo, identifiquei muito com o tipo de leitura que gosto de ler. Esses thriller policiais... Admiro esses autores que sabem mexer com a gente, nos deixando submersos. O título me trouxe à cabeça Gone Girl, e também por ter o Ben Affleck na adptação de Gone, Baby, Gone. E sabe, não gostei de Gone Girl. Beijos,

Lu,

www.estranhoscomoeu.com

Taynara Mello disse...

oi Mari tudo bem?

Flor, ultimamente esse gênero vem se tornando um favorito. e adorei a premissa, com certeza irei lê-lo, anotado a dica e sua resenha está ótima. beijos

Taynara Mello | Indicar Livros
www.indicarlivros.com

Unknown disse...

Oie,
não conhecia o livro, mas confesso que a capa achei bem estranha, mas gostei da premissa.

bjos
Blog Vanessa Sueroz
Sorteio Um ano Inesquecível

Maria Cecilia disse...

Oi Mari!
Não conhecia o livro,e acho que não pegaria para lê-lo. Gostei de sua resenha!!

Abraços;**
http://febredelivro.blogspot.com.br/

Luciana Campos disse...

Nossa, Mari, só pela sua pergunta no início eu já imaginava que seria um livro que me incomodaria. Também achei que o que aconteceu serviu pra ver se a mãe acordava pra realidade, mas é uma pena que uma criança tenha que sofrer por isso. Não me interessei tanto pelo lado dos detetives, mas sim pelo lado mais próximo da família dela, já que eu fiquei curiosa pra saber como a mãe ficou após tudo que aconteceu. No momento fiquei curiosa foi pra assistir o filme, já que o livro é meio caro :/

Ana I. J. Mercury disse...

Eu só conhecia o livro de nome, e fiquei interessada, depois de ler sua resenha tão empolgante.
O duro é que parece ser perverso "demais", eu sou mole pra esses livros =( rs
Vou procurar mais do autor, e ler o mais leve, pelo menos, por enquanto.
bjss

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