segunda-feira, 25 de setembro de 2017

RESENHA: O Conto da Aia

O Conto da Aia The Handmaid's Tale Margaret Atwood
Após o sucesso da aclamada série The Handmand's Tale, fiquei bastante interessado em conferir o livro que deu origem: O Conto da Aia, escrito em 1985 por Margaret Atwood.

Com a ascensão de um regime teocrático e totalitário, as mulheres que permaneceram férteis se tornam Aias e sua função é apenas uma: procriar. Offred tentou fugir com seu marido e filha quando o governo começou a suspender os direitos das mulheres, porém, eles foram capturados e separados. Depois de ser treinada no Centro Vermelho a fim de aprender as novas regras daquele mundo e o que era esperado dela, Offred é enviada para uma família a fim de cumprir seu “destino biológico”. 

Partindo de um versículo bíblico do livro de Genêsis — no qual uma mulher infértil entregava sua criada para o marido, a fim de tivesse filhos através dela — Margaret Atwood criou a República de Gilead. Uma república sem liberdade, sem informação, sem livre-arbítrio, baseada na opressão contra a mulher e justificada pelo acentuado declínio populacional. É interessante notar que os homens que instalaram esse sistema patriarcal utilizam apenas os textos bíblicos que lhes convém, de forma que moldam a sociedade a seu bel-prazer. 

Já mencionei algumas vezes que considero a regra “show, don’t tell” (mostre, não diga) uma das mais importantes no mundo da literatura e Atwood a seguiu à risca. O livro é narrado em primeira pessoa por Offred, que não nos explica o que aconteceu com o mundo que conhecemos. Assim, acompanhamos seu dia-a-dia e suas lembranças, de modo que vamos montando um grande quebra-cabeça e formando um panorama sobre a República de Gilead. 

Offred é uma aia da primeira geração, por isso sua narrativa é entremeada por lembranças que antecedem a formação da República de Gilead, bem como por memórias relativas aos dias de treinamento no Centro Vermelho. Assim, aos poucos entendemos como ocorreu o golpe de Estado e de que forma as mulheres foram subjugadas. O problema desta abordagem é que as lembranças são meros fragmentos, de modo que os eventos e personagens do passado não são tão desenvolvidos e não causam o impacto que poderiam. 

No cenário distópico de O Conto de Aia, o aspecto mais assustador é como a mudança pode acontecer rápido e como haverá pessoas que se conformam com o novo status quo de forma a legitimá-lo. No livro, a maior representação disso é a figura das Tias, que são as responsáveis por “instruir” as futuras aias pelos meios que forem necessários. Impossível não se questionar se tais mulheres realmente acreditavam no novo sistema ou apenas o apoiaram para evitar destino pior. 

O texto de Atwood é denso e, por vezes, cansativo. Além disso, a estória demora a ser desenvolvida e, como o leitor é introduzido aos poucos à República de Gilead, senti que eu era como um sapo na água que é gradualmente esquentada, não sentindo o choque que sentiria se tivesse sido largado de uma só vez na água fervente. Dessa forma, apesar do mundo de O Conto da Aia ser absurdamente bizarro, o leitor não sente o estômago embrulhar com a frequência que deveria, visto que as informações são fornecidas em pequenas doses.

“Minha saia vermelha é puxada para cima até minha cintura, mas não acima disso. Abaixo dela o Comandante está fodendo. O que ele está fodendo é a parte inferior do meu corpo. Não digo fazendo amor, porque não é o que ele está fazendo. Copular também seria inadequado porque teria como pressuposto duas pessoas e apenas uma está envolvida. Tampouco estupro descreve o ato: nada está acontecendo aqui que eu não tenha concordado formalmente em fazer. Não havia muita escolha, mas havia alguma e foi isso que escolhi.” (ATWOOD, 2017, p. 115)

Preciso admitir que senti um certo distanciamento da narradora. Tive a impressão de que Offred já estava tão esgotada em virtude da constante violência a que é submetida que sua intenção era fazer tão somente um relato do que lhe aconteceu. A própria cena da Cerimônia — ocasião em que a Aia deitava entre as pernas da Esposa e era penetrada pelo Comandante — não causa o horror e a repulsa que deveria causar. Sim, o texto é forte e não mede as palavras, com o próprio quote ilustra, mas me pareceu faltar emoção. 

Assim que terminei a leitura, comecei a assistir a série The Handmaid’s Tale e, ao contrário do livro, somos jogados neste mundo distorcido sem dó nem piedade, sentindo toda a aflição de Offred na pele. A série, apesar de se manter bastante fiel a ideia central do livro, desenvolve outros arcos que ficaram mais limitados na obra de Atwood. Ainda não terminei de assistir a primeira temporada, mas estou achando bastante curioso ver a relação de complementariedade que há entre o livro e sua adaptação, bem como os debates infindáveis que ambas geram. 

O Conto de Aia é um livro desconfortável, pois nos faz imaginar uma realidade que, talvez, não esteja tão longe assim. Através da estória, Atwood consegue provocar reflexões sobre os mais diversos assuntos como identidade, liberdade, justiça, opressão, tirania, violência, submissão, hierarquia e, principalmente, sobre os perigos de um Estado fundamentalista. Mais do que uma leitura necessária, O Conto da Aia é um alerta importante para o século XXI. 

Título: O Conto da Aia
Autora: Margaret Atwood
N.º de páginas: 366
Editora: Rocco
Exemplar cedido pela editora

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25 comentários:

Monique Fonseca. disse...

Eu adoro distopias, sua​ resenha me deu curiosidade pra ler esse livro,mas também não sei se gostaria porque você disse que,o enredo e narrado com pouca emoção o que daria pra entender se a personagem já tivesse nascido nesse sistema,mas como não é o caso,no entanto acho que mesmo assim vou ler rsrs.
https://euhumanaefinita.blogspot.com.br

Maah disse...

Oi.
Eu gosto de distopias, mas como sou uma pessoa de capas sei que perderia uma ótima leitura por não ter gostado da mesma.
Enfim, achei a premissa interessante, eu normalmente evito livros que falem da bíblia ou coisas do genero, mas esse eu preciso ler.
Uma pena que achou a leitura cansativa, espero ter uma experiência positiva com o livro.
Bjs.

Paula disse...

Oi Alê,
Realmente não sabia do que o livro tratava. Fiquei interessada na história do livro, não pelo ritmo que parece lento, mas pela reflexão e alerta que contém. E sim, também quero ver a série; gosto quando são fiéis a obra e que complementam melhorando de maneira geral
Um beijo
Paulinha S

Unknown disse...

Estou a um tempo querendo ler este livro desde quando vi o trailler da série que me interessou bastante.

Adorei a sua resenha e amei a primeira citação achei bem forte e ao mesmo tempo me deixou mais curiosa ainda.

Giulianna Santicioli disse...

Uma pena que a leitura não tenha sido tão legal, a autora tinha uma história incrível nas mãos e pelo jeito não soube colocar de uma forma interessante no papel, se o leitor tivesse sido jogado no meio desse mundo também acho que seria melhor, quanto a série, quero muito assisti-la, falta só o tempo mesmo.
Beijos!

Gabriela CZ disse...

Tenho que confessar que só tomei conhecimento desse livro depois da estreia da série, Alê. A premissa já é impactante por si só, mas é uma pena que a autora tenha mantido certo distanciamento na narrativa. Embora não consiga deixa de pensar que isso possa refletir algum mecanismo de defesa da personagem, como acontece com muitas pessoas obrigadas a viver em situações injustas. Sei que quero ler o livro e ver a série. Ótima resenha.

Beijos!

Jessica Andrade disse...

Oi Alê,

Confesso que a premissa do livro não me chamou tanta atenção para a história, mas mesmo acho que leria mais para frente.
Bjs e uma ótima noite!
Diário dos Livros
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Eduarda Graciano disse...

Eu amei a série, apesar de - pra mim - está longe de ser a melhor do ano (a fotografia sim, é a coisa mais incrível do mundo). Ainda assim estou MUITO ansiosa pra segunda temporada. E esse livro, que eu já conhecia mas nem sabia que tinha relação até ver a série, passou na frente de várias das minhas leituras. No geral eu não gosto de distopias, mas fiquei MUITO interessada nessa e quero ler ainda essa ano.
Sabia que além da série tem um filme desse livro? É de 1990 e em português se chama "A Decadência de uma Espécie". Quero conferir o filme também. hehe

Ah, amei sua resenha e tenho a leve impressão que, por não gostar de distopias, não vou me satisfazer tanto quanto imagino também.
Beijao!

http://www.cafeidilico.com

Eduarda Graciano disse...

Pq "está" ao invés de "estar" e "essa ano" ao invés de "esse" eu não sei. Tô locona, digitando tudo errado. hehehe

Nicole Longhi disse...

Não conhecia o livro e nem sabia sobre a serie! Mas fiquei muito interessada.
Gostos de livros com temáticas fortes, e que nos fazem parar para pensar realmente nas coisas.
Quero ler e saber mais sobre todo essa opressão e tirania.
Ótima resenha!

beijinhos

Vanessa Vieira disse...

Gostei da resenha Alê. Estive na Saraiva há pouco tempo atrás e até peguei esse livro para comprar, mas acabei trocando por uma versão de luxo de O Morro dos Ventos Uivantes. Depois da dica com certeza será uma das minhas futuras aquisições. Abraço!

www.newsnessa.com

Unknown disse...

Oi Alê, tudo bem?
Eu tenho visto muitas resenhas positivas, e o tanto de prêmios que a série ganhou, mas este não é o tipo de livro que eu teria. Eu na verdade passaria bem longe por ele. kkkkkk
Gostei de sua resenha.


Beijos :*

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RUDYNALVA disse...

Alê!
Em época de empoderamento feminino, esse livro parece ser um choque.
Mesmo que seja uma distopia, ver tamanhas atrocidades serem empretadas as mulheres e aos menos favorecidos, causa certa repugnância.
A verdade que mesmo com toda 'conspiração' por traz do regime e todo sofrimento, quero ler.
E quero poder assistir o filme também.
Desejo uma semana maravilhoso!!
“O primeiro passo para a cura é saber qual é a doença.” (Provérbio Latino)
Cheirinhos
Rudy
TOP COMENTARISTA DE SETEMBRO 3 livros, 3 ganhadores, participem.

Luiza Helena Vieira disse...

Oi, Alê!
Já começa no impacto com o quote que você escolheu.
Eu comecei a assistir a série e gostei bastante. Já o livro, não sei se seria muito do meu agrado justamente por ser um pouco cansativo.
Beijos
Balaio de Babados
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Unknown disse...

Vi que essa série ganhou tantos prêmios mas eu ainda não vi... já percebi que se for para assistir, tem que ser sozinha 😳 não sabia que era baseada em um livro, e pelo que vi na resenha, o livro é aquele que devemos ler com muita atenção, por causa dos muitos detalhes. Vou ver a série! Se eu gostar quem sabe eu leio o livro 😋

Marta Izabel disse...

Oi, Alê!
Gostei muito da resenha e fiquei bem interessada nesse livro pelo que li no trecho é uma estória que muitas vezes vai nos chocar e nos deixar angustiados.. Mesmo assim quero muito ler esse livro. E valeu pela indicação!!
Bjoss

Amanda Barreiro disse...

Olá. Eu li esse livro e devo dizer que AMO a escrita da Margaret Atwood. Na verdade, o distanciamento da Offred é proposital e é esse o fator que mais choca: ela precisou se adaptar. Ela fala isso várias vezes inclusive, que tudo é questão de hábito, o quanto o ser humano é adaptável... é uma personagem profunda, intensa, e um cenário absurdamente assustador. A série também é impecável, maravilhosa.
Beijos.

Michelli Prado disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Michelli Prado disse...

Creio que este seja um tipo de livro mais difícil de se ler, que exija maior concentração nossa para realizar a leitura, mas que deva ser uma leitura muito bacana de se realizar. Algo mais denso e complexo. São proposta de leituras que as vezes temos receio de fazer, mas tenho muito interesse na leitura sim =)

Sil disse...

Olá, Alê.
Eu vi falar sobre a série primeiro, depois que descobri que tinha o livro. E me interessei bastante em ler antes de assistir. Mas desanimei agora em saber que a narrativa do autor é cansativa, mas acho que prefiro assim para ir recebendo as informações aos poucos hehe. E não dá para deixar de pensar que não estamos longe de algo parecido mesmo não.

Prefácio

Unknown disse...

Oi! Eu gosto bastante de distopias, e esse livro tem ganhado cada vez mais ótimas avaliações. Realmente deve ser um livro que causa bastante desconforto, pois se pararmos para pensar, isso talvez não está longe de se tornar real. Quero muito ler! Beijos

Isabela Carvalho disse...

Oi Alê ;)
Estou muito curiosa com esse livro, e depois da sua resenha fiquei mais ainda. Desde que a série foi lançada, ela foi para a minha lista, e assim que eu entrar de férias vou correr e assistir ela!
Acredito mesmo que seja uma leitura que deixe o leitor desconfortável, mas apesar de ser uma distopia, é um tema que precisa ser discutido, porque como você disse pode estar mais perto do que imaginamos..
Enfim, quero muito ler o livro o mais rápido possível! A curiosidade só aumenta...
Bjos

devorador de letras disse...

Olá Alê,

Essa é a segunda resenha que leio desse livro, ambas positivas e nem preciso dizer que quero muito ler esse livro...abraço.


http://devoradordeletras.blogspot.com.br/

Aline M. Oliveira disse...

Desde o lançamento deste livro, só tenho lido coisas positivas, principalmente num tempo de emponderamento feminino, onde as mulheres não estão mais aceitando se subjugar estão tomando seus lugares e exigindo respeito. Acho válido, importante um livro que mostre, ainda que ficcionalmente o abuso e maltrato que vem sendo enfrentado por tantas mulheres. É preciso sim falar disso, e muito!

Ana I. J. Mercury disse...

Oi Alê,
gostei muito da sua resenha, deu pra ver bem como é o desenvolvimento da trama.
Quero muito ler. Pois como você disse, não é um futuro tão distante assim.
Mas, confesso, estar um pouco receosa, pois livros com temas tão tristes e fortes assim, cheios de abusos, me deixa bem mal.
Abs

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