terça-feira, 12 de junho de 2018

RESENHA: Depois da Queda

Depois da Queda / Dennis Lehane
Para alguns, um promissor thriller protagonizado por uma personagem feminina complexa. Para mim, simplesmente, o novo livro de Dennis Lehane.

Rachel Childs teve uma infância tumultuada. Filha de uma mãe dominadora, que nunca contou para a filha quem era o seu pai e o afastou da vida dela quando Rachel ainda era criança. Já adulta, ela se torna jornalista, mas ao cobrir uma matéria no Haiti, chocada com horrores que presencia, tem um surto no ar que acaba com a sua carreira. Com um casamento fracassado nas costas, Rachel se casa pela segunda vez com Brian, um homem compreensível e carinhoso que a ajuda em sua recuperação. Até o dia em que ela descobre que tudo que sabe sobre o marido talvez seja uma mentira.

Depois da Queda” é Rachel da primeira a última página. Não apenas porque ela é a protagonista, ou porque a narrativa em terceira pessoa está o tempo todo apresentando o ângulo dela, mas porque a essência da história é como essa mulher se tornou quem ela se tornou. Os acontecimentos são a própria Rachel. A prova disso é que a primeira parte do livro (que corresponde a 100 páginas) é basicamente sobre os eventos de sua infância e adolescência e a procura pelo pai que ela mal conheceu. Aos poucos, esse enredo perde espaço dando lugar para outros que mostram que a personagem nunca consegue estar inteira. No Haiti, vemos uma realidade extrema mexer com ela a ponto de fazê-la perder a conexão com a realidade, levando a ataques de pânico que a tornam reclusa. E quando isso começa a ser superado, vem toda a questão de Brian e seus mistérios. Não é que Rachel seja incapaz de ser feliz e se boicote de alguma forma. É que Rachel é incapaz de ser Rachel. Na sua essência algo sempre falta. Isso é justamente o que os livros de Lehane têm de melhor: o desenvolvimento de personagens complexos e, na maioria das vezes, infelizes.

Enquanto a primeira parte foca em apresentar Rachel para o leitor, a segunda foca em seu relacionamento com Brian, mas é na terceira que as reviravoltas começam. A partir do momento em que Rachel passa a desconfiar do marido, é como se tivéssemos outro livro em mãos. Lehane se reinventa e entrega um livro que eu não esperava receber das suas mãos, apresentando a trama mais ágil dentre todos as suas que já li e que eu não sentia vontade nenhuma de interromper. As reviravoltas vêm a cada capítulo, mas logo vemos que a pergunta não vai ser simplesmente “O que Brian está fazendo?” ou “O que está acontecendo?”, mas sim “Qual a função de Rachel nisso tudo?”. Mais uma vez, o livro é ela. Sempre ela.

"Era isso que a esperava, o que sempre tinha estado à sua espera: o além. Ficasse acima ou abaixo, fosse branco ou preto, frio ou quente, não era o mundo que ela conhecia, com seus confortos, suas distrações e seus males reconhecíveis. Talvez fosse um nada absoluto. Só uma ausência. Ausência de identidade, ausência de sentido, ausência de alma ou memória." (LEHANE, 2018, p. 294)

É bem verdade que “Depois da Queda” comete alguns excessos nessa terceira parte (algumas coisas são um pouco difíceis de engolir, mas estamos tão envolvidos com a história que nem nos importamos), mas não muda o fato de que é uma excelente leitura. O que eu não concordo é com a afirmação que consta na contracapa e alega que o livro mostra Dennis Lehane em sua melhor forma. Não mostra. Falta em “Depois da Queda” o caráter desolador que marca as melhores histórias do autor. Aquela sensação de caminho sem volta que bate antes mesmo de concluir a leitura porque você já sabe que os personagens não lhe deixarão nunca mais e você até se arrepende de tê-los conhecido. “Depois da Queda” nos mantém fixos em suas páginas, mas não nos arranha por dentro, como fazem “Ilha do Medo”, “Gone, baby, Gone” e “Sobre Meninos e Lobos” (este último um dos livros que mais me marcaram na vida). É por isso que mesmo considerando “Depois da Queda” um ótimo livro, o considero um Lehane mediano.

As pessoas são maleáveis, quase modeláveis. É isso que Dennis Lehane nos mostra. Não há situação que não possa ser contornada, não há atitude de que uma pessoa não seja capaz diante de determinadas circunstancias. É apenas uma questão de adaptação e, logo, novas facetas surgirão no rosto de qualquer um. Ninguém é isso ou aquilo enquanto houverem espaços para serem preenchidos. “Depois da Queda” tem como base uma mulher sem base. Ao mesmo tempo que busca sua identidade, ela a perde pelo caminho. Uma personagem complexa, uma narrativa envolvente em um livro que mostra que Dennis Lehane é bom a ponto de acertar até mesmo quando não atinge seu auge.  

Os direitos de adaptação cinematográfica de “Depois da Queda” foram vendidos para a DreamWorks antes mesmo do lançamento do livro. O filme não tem previsão de estreia.

Título: Depois da Queda
Autor: Dennis Lehane
N° de páginas: 392
Editora: Companhia das Letras
Exemplar cedido pela editora

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14 comentários:

Gabriela CZ disse...

Deve ser de tirar o folego, Mari. Que doideira a vida dessa mulher! Preciso conferir. Ótima resenha.

Beijos!

Daiane Araújo disse...

Oi, Mari.

Há de convir que, a vida da personagem é marcada por acontecimentos instáveis. E, somente aí, já é capaz do leitor criar afeição por ela.

Por ter um tom de mistério, não sei se todo esse enfoque na vida dela, seria suficiente para manter a minha atenção durante a leitura.

No entanto, esse, pode ser um lado positivo, pelo mesmo passar uma reflexão para o leitor.

Confesso que achei a proposta do livro um pouco confusa...

Mrs. Margot disse...

Não conhecia o autor, mas também é um género literário que eu não aprecio muito, por isso não sei se iria gostar.

MRS. MARGOT

Ludyanne Carvalho disse...

Não sou fã de thriller e é um gênero que nem entra na minha lista, mas essa resenha me deixou encantada.
Não conheço a Rachel, mas a maneira como ela é colocada na história é bem interessante. Essa essência e sentimentos conflitantes...
Parece uma boa leitura para quem gosta.

Beijos

Ivy Montiel disse...

oiii Mari, tudo bom?

Apesar de não ser o que há de melhor do autor certamente possuí elementos bem interessantes já que te prendeu ainda que com os excessos ao longo da história. Isso que é ponto fundamental do suspense / thriller: manter o leitor sempre intrigado. E parece que esse cumpriu seu papel, portanto, título mais que anotado na listinha.

Beijo

www.derepentenoultimolivro.com

Rael Silva disse...

Olá.

Amo demais esse tipo de leitura. Apesar que recentemente fiquei um pouco desapontado com "A Viúva" que é um livro que segue essa linha misteriosa. Porém acredito que "Depois da Queda" seja um livro maravilhoso. Já se encontra na minha lista.

obaucultural.blogspot.com

Espiral de Livros disse...

Oi Mari.
Quando comecei a ler tua resenha me pareceu que o livro seria maçante e cansativo por ser tão focado em uma personagem, estilo de narrativa que não prende a minha atenção, mas depois comecei a ficar intrigada com essa história.
Tua resenha me incentivou a ler esse livro e, também, por não conhecer a narrativa do autor tenho uma curiosidade por isso também.

Beijos
http://espiraldelivros.blogspot.com/

RUDYNALVA disse...

Mari!
Gosto demais de thrillers psicológicos e o autor, sabe desenvolver um enredo que vai conquistando aos poucos e transformando as personagens em verdadeiros retalhos de mosaicos e aos poucos, contituem um todo.
Mesmo com os excessos cometidos, quero poder ler.
“Sou uma só. (...) Sou um ser. E deixo que você seja. Isso lhe assusta? Creio que sim. Mas vale a pena. Mesmo que doa. Dói só no começo.” (Clarice Lispector)
cheirinhos
Rudy
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Marta Izabel disse...

Oi, Mari!
Nossa que história essa da Rachel, é um thriller psicológico que quero muito conferir, pois ainda não li do Dennis Lehane!! E quero muito descobrir o que o Brian tanto esconde da Rachel.
Bjoss

Helena Carvalho disse...

Olá Mari!

Adoro thrillers, e esse parece ser muito envolvente por se dedicar tanto a nos apresentar a protagonista. Fiquei bastante interessa em ler, principalmente pela noticia no final de que ele vai virar filme, amei.

Carolina Santos disse...

O livro até começou a chamar minha atenção mas realmente não é bem o gênero que eu curto totalmente fora da minha zona de conforto Vou ver se dou uma chance o livro mas realmente não me sentir conectada com a história

Luana Martins disse...

Olá, Mari
Amo thrillers, mas ainda não li Dennis Lehane.
Pela resenha o livro começa a ficar mais interessante quando ela começa a desconfiar do marido, claro que a primeira e segunda parte contribui muito para entender o livro.
Quero muito ler o livro.
Beijos.

Vitória Pantielly disse...

Olá Mari,
Só tive a oportunidade de ler Sobre meninos e lobos do autor, e olha, fiquei impactada com sua escrita, tanto que estou babando nesse lançamento desde que foi lançado!
Mesmo sendo um livro focado em - quase - um só personagem, dá para perceber que não vamos conseguir parar a leitura até sabermos a fundo tudo o que tem para descobrir, sei disso porque em minha leitura anterior do autor foi assim que me senti. Outro ponto legal é mostrar Rachel desde a infância e como dali ela já não era uma pessoa "completa" não é?
Sem dúvidas quero ler, e espero ser uma ótima leitura!
Beijos

Ana I. J. Mercury disse...

Mari,
gostei muito da sua resenha, deu pra eu entender mais sobre a trama.
Eu comecei a lê-lo, mas parei, porque não tava entendendo mais nada, rsrs
Mas ao ler sua resenha, consegui compreender mais, vou tentar ler novamente.
bjs

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