Estrelas do rock não morrem. Elas viram lendas. Elvis Presley, Kurt Cobain, Jim Morrison, John Lennon. Todos deixaram este mundo apenas fisicamente, mas permanecem no imaginário coletivo graças à atuação de seres como Violeta, Marianne e Gina. Elas são Luminosas. Seres mitológicos e atemporais que adquirem formas humanas quando lhes é conveniente e são responsáveis por criar lendas. É disso que elas se alimentam. Para isso, elas contam com o Enxame, seres que incitam a devoção, o amor incondicional, o desespero e o fanatismo dos humanos. O Enxame cria os fãs; as Luminosas, a lenda. Após um excelente trabalho, Helena é retirada do Enxame e elevada à Luminosa. Agora, sua missão é transformar James, o jovem e belo vocalista da banda Fallen, em lenda.
A relação de fã e ídolo é algo que ninguém explica. Por que uma pessoa que não faz parte diária de nossas vidas, que conhecemos apenas de longe ou de breves interações, é capaz de provocar sentimentos tão intensos? Existe uma identificação, uma admiração, uma inspiração e, sim, existe amor. O ídolo está na vida do fã todos os dias, participa de momentos de alegria e tristeza sem ter ideia disso, sem fazer ativamente nada. Tem lógica? Talvez não. Da mesma forma, como é possível que algumas pessoas (seres humanos de carne e osso como todo mundo) consigam transcender o status de humanos e se tornarem as lendas que se tornaram? Elvis Presley (que, inclusive, escuto no momento em que escrevo essa resenha) não era só talentoso. Não tinha apenas a voz mais linda que já existiu. Não era apenas um homem lindo. Não era apenas carismático. Muitos artistas são lindos e carismáticos e talentosos. Elvis Presley era...Elvis Presley! Nunca existiu, nunca existirá alguém como Elvis. Falei que o ouço neste momento, mas o que não disse foi que coloquei rodar o vídeo de uma das apresentações mais lendárias do cantor e só voltei para a resenha ao final da primeira música porque Elvis é hipnótico. Como um ser humano consegue se tornar tudo isso? E por que todos eles deixam esse mundo de maneiras tão tristes, solitárias e incompreensíveis? Para o que não tem explicação, Mariana Enriquez lança mão da fantasia e cria uma trama envolvente que desenvolve um mundo de regras próprias e que propõe: essas pessoas foram escolhidas para se tornaram o que tornaram. Foram feitas por forças que conspiraram. Que não lhes deram alternativa. Elas se tornariam grandes e, no momento certo, explodiriam para continuarem sendo o que foram. Para nunca perderem o brilho.
Na trama acompanhamos Helena, desde os seus dias como operária do Enxame, até suas atividades como Luminosa. Embora as atitudes de sua protagonista sejam repugnantes (afinal, ela está planejando a melhor maneira de destruir James, assim como fez com adolescentes inocentes antes), Mariana não cria vilões. Helena não tem escolha, ela faz parte de uma engrenagem e essa é a sua essência. É para isso que ela vive. Além disso, o mundo precisa de lendas e para isso há um preço. Não torcemos por Helena, não torcemos contra ela. Entendemos e simplesmente aceitamos que é assim que as coisas tem que ser.
“Afinal, foi você quem injetou a heroína com as próprias mãos! Você que deu a ele a espingarda! O que sentiu quando deu a morte a ele? Não foi bonito ver a morte em seus olhos? Aqueles olhos de tantos tons de azul... De alguma maneira, todos se entregam, porque sabem em que se transformarão depois, e nós os conduzimos pela mão até lá.” (ENRIQUEZ, 2019, p. 21)
James, o humano que deve ser eternizado, não é tão explorado pela autora. Acredito que isso seja proposital, tanto porque o mistério contribui para a criação da lenda, quanto para dizer que não há razões que justifiquem a idolatria. James é um ser humano comum, como qualquer outro.
Indo além da fantasia, “Este é o mar” nos faz refletir sobre aquilo que deixamos entrar em nossas vidas. Como facilmente nos tornamos consumidores de coisas que nos são impostas sem percebermos. Sabemos da vida dos outros (amigos, conhecidos, celebridades) muitas vezes mais do que gostaríamos ou do que precisamos. Consumimos pessoas diariamente, em cada post de rede social, em cada curtida, em cada comentário. Estamos entrando em outras vidas e abrindo as portas para que elas entrem nas nossas. Enquanto alguns acham ilógico a relação de fã e ídolo, outros veem da mesma forma esse tipo de comportamento.
Mariana Enriquez cria um livro totalmente único e ligeiramente incômodo. “Este é mar” é reflexivo e envolvente, apostando em poucos personagens para desenvolver um universo e uma mitologia próprios. E é breve (meras 174 páginas). Como as vidas das maiores estrelas.
Mariana Enriquez foi uma das autoras da Editora Intrínseca presentes na Flip 2019.
Título: Este é o mar
Autora: Mariana Enriquez
N° de páginas: 174
Editora: Intrínseca
Exemplar cedido pela editora
Compre: Amazon
Gostou da resenha? Então compre o livro pelo link acima. Assim você ajuda o Além da Contracapa com uma pequena comissão.
Editora: Intrínseca
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9 comentários:
Olá! ♡ Nossa, gostei muito da premissa do livro, nunca li nada parecido com o que Mariana Enriquez criou nesta obra, o que me deixa ainda mais ansiosa para conferi-la. Nunca li um livro que abordasse com tanta propriedade a relação de fã e ídolo, o que de fato torna o livro único.
Estou curiosa para conhecer mais sobre as Luminosas e o Enxame.
Obrigada pela indicação! Beijos! ♡
Uau! Admito que não conhecia o livro e estou aqui já procurando uma trilha sonora baseada nestes grandes nomes. Acho que tudo que envolve ídolos da música e fãs sempre gera uma gama de conflitos, muitos bem bacanas e outros que chegam até serem doentios.
Mas quem pode condenar?
E fiquei aqui me perguntando se de fato se forma uma lenda ou se ela já nasce uma lenda!
Com certeza, o livro vai para a lista dos mais desejados!!
Beijo
Realmente algumas pessoas parecem que nasceram para brilhar, ou foram escolhidas por algum motivo. Parecem ter mesmo uma magia que os tornam destaque, mesmo que outras tantas sejam mais talentosas. Achei interessante a ideia da autora de usar essa premissa para criar esse enredo de fantasia. Fiquei curioso.
Olá Mariana!
A obra sem sombra de dúvidas entrega uma fantasia muito original, a mesmo em poucas páginas Enriquez constrói o universo de forma fluída e aprofundada, à medida que introduz vários tópicos para posterior reflexão. De fato, a todo momento queremos estar por dentro da vida de nossos ídolos, uma espécie de válvula de escape para nossas vidas comuns do cotidiano.
Beijos.
Eu não conhecia o livro e achei interessante a premissa, contudo fiquei na dúvida se eu daria uma chance para ele. A sinopse é um pouco confusa, mas acredito que esta seja a ideia da autora, causar confusão e curiosidade.
Oiii ❤ Achei muito legal a autora explorar o tema amor por ídolo nesse livro. É realmente complicado explicar porquê a gente é fã de algum cantor, ator, escritor, porquê gostamos tanto da pessoa mesmo não conhecendo-a pessoalmente.
Gostei também do fato de falar sobre como, na mitologia do livro, alguém se torna uma lenda.
Essas ideias da autora são bem originais, nunca vi ninguém falando sobre isso em um livro, muito criativo.
Gostaria de fazer essa leitura.
Beijos ❤
Oi, Mari
Vi o lançamento do livro e não li a sinopse e agora sei do que se trata.
Gostei do que a autora criou para falar dos ídolos, não sei se é um dom mas que tem pessoas que nascem para brilhar isso é verdade seja elas de qualquer profissão.
Quero ter oportunidade de ler, uma leitura rápida e bem interessante.
Beijos
Mari, que amor!
Aiii concordo com tudo o que disse sobre o Elvis. Ele é incrível!
Esse livro parece ser muito bom e envolvente. Pra quem, assim como eu, tem muitos ídolos musicais kk acho que a leitura será maravilhosa.
Já quero!
Bjs
Olha, Mari, só a premissa talvez não tivessem me despertado o interesse. Mas com seus comentários fiquei curiosa. Quero ler. Ótima resenha.
Beijos!
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