Quem conhece a obra de Dennis Lehane e a saga da dupla Patrick Kenzie e Angela Genaro sabe que a história da pequena Amanda McCready é um assunto delicado. Quando tinha quatro anos, Amanda foi sequestrada e levada para ser criada por um casal que, durante poucos meses, lhe deu um ambiente seguro e a vida familiar de amor e proteção que uma criança merece ter. Mas os detetives localizaram a criança e, contra a vontade de Angela, Patrick a levou de volta para sua mãe, uma mulher viciada em drogas, com péssimas influencias para ela. Para o último livro da série, o autor volta a cruzar os caminhos de Amanda, Patrick e Angela, doze anos depois. Agora, Amanda desapareceu novamente, sua mãe continua uma péssima influência e a máfia russa está atrás de todos os envolvidos.
Desde que li “Gone, baby, gone” (quarto livro da série detetivesca de Lehane, que traz o caso de Amanda McCready) aguardo ansiosa o momento de conferir o que o destino reservou para a menina. Mas Lehane não é um autor para se emendar um livro no outro. É um autor para ser lido e digerido com calma. Suas histórias sempre são pesadas, seu mundo sempre é cruel e é quase impossível o leitor fechar o livro e não se sentir impactado. Entre a leitura daquele caso e deste, 3 anos se passaram (e confesso não ver problema em ter pulado o quinto livro da série, que separa as duas histórias).
Doze anos depois, Patrick é um homem diferente. Agora, ele e Angela são casados e têm uma filha (uma menina da mesma idade que Amanda ao ser sequestrada). Agora há outras coisas em jogo ao se fazer um trabalho perigoso. Há também o acúmulo das decepções, das coisas horríveis que precisaram testemunhar ao longo dos anos, há questionamentos, arrependimentos e uma carga de sentimentos intensos.
Lehane é um autor envolvente. Tanto que a primeira parte de “Estrada Escura” (quase 100 páginas) são dedicadas principalmente a contextualizar a vida do casal, mais do que a dar início à investigação. Ainda assim, o autor mantém o interesse do leitor.
Embora trate de temas pesados como tráfico de bebês, “Estrada Escura” não é tão desolador quanto eu esperava. E pela primeira vez digo que isso é bom. Sempre espero de Lehane livros que me fazem dizer: “pára o mundo que eu quero descer”, mas nesse me surpreendi muito com a fase em que encontrei Patrick, com a estabilidade do relacionamento dele e de Angela (depois de tudo que já passaram juntos) e, principalmente, com a jovem adulta que Amanda se tornou.
“Doze anos antes, eu tinha agido errado. Tinha certeza disso todos os dias que haviam se passado desde então, mais ou menos uns quatro mil e quatrocentos. No entanto, doze anos antes, eu também tinha agido certo. Deixar Amanda morando com sequestradores, por mais que eles estivessem investindo no seu bem-estar, significava deixa-la morando com sequestradores. Durante os quatro mil e quatrocentos dias desde que eu a havia tirado de lá, tivera certeza disso. Sendo assim, qual era a minha situação?” (LEHANE, 2012, p.102)
Achei sensacional que, para o desfecho da saga da dupla, Lehane tenha optado por não criar um novo caso, e sim trazer de volta o mais impactante que viveram. Para aqueles que não leram “Gone, baby, gone”, “Estrada Escura” pode ser compreendido sem problemas, pois o caso anterior é contextualizado e este segue de maneira independente. Mas para aqueles que leram, é incrível como o autor consegue despertar o sentimento de já conhecermos esta menina (embora só tenhamos convivido com a investigação do seu sequestro e não com ela, propriamente dita, no livro anterior) e de torcermos por ela por sabermos a vida que teve. Amanda é uma personagem interessante e poderosa. Seu coração, mas também sua frieza, seu senso de justiça que pouco se importa com a lei e sua inteligência lhe dão um conjunto de características que, arrisco dizer, poderiam até lhe colocar em outros livros.
O interessante é que, além de girar em torno dos mesmos personagens, o autor faz com que esse novo livro gire em torno do mesmo debate ético do anterior: o que é o certo e o que é o errado? Quem define a linha que separa os dois? A lei deve ser sempre a regra máxima? No mundo de Dennis Lehane não existe preto e branco e as respostas nunca são fáceis.
Algo inesperado para mim foi constatar que a minha implicância com a voz narrativa de Patrick se foi. Sempre achei que Lehane falhava neste aspecto, não conseguindo empregar a alma do protagonista no olhar que ele transmitia ao leitor, mas nesse livro me senti junto de Patrick. Muito além de seus comentários irônicos, à la Philip Marlowe, Patrick não esteve apenas dentro das situações. Ele era as situações.
Continuidades são sempre audaciosas, afinal, elas correm o risco de estragar o efeito da primeira obra caso tomem um rumo torno. “Estrada Escura” é uma história de redenção que nos faz questionar conceitos e regras, mais uma vez. Um complemento válido ao excelente “Gone, baby, Gone”.
Autor: Dennis Lehane
N° de páginas: 329
Editora: Companhia das Letras
Exemplar cedido pela editora
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10 comentários:
Oiii ❤ É realmente complicado pensar se foi mesmo errado Amanda ter ido morar com Patrick e Angela, mesmo sabendo que a mãe dela não ela a melhor pessoa para cuidá-la. A linha entre o certo e o errado parece bem tênue nesse caso.
Achei legal o autor voltar a escrever sobre o caso de Amanda dentro da mesma série.
Bom saber que mesmo o autor tendo feito uma contextualização longa, ele mantém o interesse dos leitores.
Estou curiosa sobre Amanda, saber como foi toda essa situação para ela.
Gostei muito da reflexão que o autor trouxe.
Beijos ❤
Mari!
Não li ainda nenhum dos livros do autor e da série, mas gostei de ver que aqui, ele faz esses questionamentos se o que a lei traz, é realmente a justiça, porque tem situações que ficamos "entre a cruz e a espada".
Bom ver que o autor surpreende , mesmo trazendo as personagens de um livro anterior.
cheirinhos
Rudy
Confesso que não conhecia esta obra e mesmo que não tenha lido o livro anterior, este enredo me prendeu a atenção. Não apenas pela questão da menina, mas também por todo este questionamento entre o certo e o errado, que sempre nos deixam refletindo e eu particularmente, adoro isso!
E fiquei feliz de ler que a tal da implicância com as letras do autor mudaram.rs(sinal da evolução)
Com certeza se tiver oportunidade, quero sim, conferir e os dois livros!!
Beijo
Que saudades das resenhas do AC, Mari! Vou tentar aos poucos ver o que perdi.
Cada vez com mais vontade de ler Lehane. O fato de retomar um caso para encerrar a série, e sem perder o prumo é genial. Quero ler. Ótima resenha.
Beijos!
Olá! ♡ Ainda não conhecia o autor, nem a obra, mas achei a mesma intrigante.
Achei muito interessante e relevante o debate ético que o livro aborda, é um ponto que chamou bastante minha atenção e que quero muito conferir.
Fico feliz que o autor deu uma continuação digna para a história, pois de fato, por vezes as continuações acabam estragando a trama criada no livro anterior e é bem chato quando isso acontece.
Obrigada pela indicação! Beijos! ♡
Oi!
Sua resenha é incrível, no início dela, achei que estava contando um caso real kkk
Que dó da criança. Fiquei curiosa por sua história durante os livros, espero que tenha acabado com um bom destino à ela.
Beijocas!
A trama parece ser bem construída, principalmente com o questionamento do que é certo e errado. Mas confesso que não sei se leria o livro, principalmente por se tratar de uma série longa (apesar de poder ler separado) e por não ser muito o meu estilo de leitura.
Oi, Mari
Não li nada do autor,mas aqui no blog li resenhas dos livros dele e gostei muito.
Nossa é tão bom quando os escritores dão oportunidade de nós meros leitores ler mais sobre um caso que ficou na nossa mente por um tempo, como saber se Amanda tinha ficado bem, se eles fizeram certo em devolver a criança para a mãe.
Bom pela lei fizeram o que é certo, mas sempre fica aquela dúvida se realmente foi certo.
Esse livro é uma leitura fascinante que prende o leitor até o fim.
Quero muito poder ler, beijos.
Oi, Mari
Gostei da sua resenha, ela me deu vontade de ler esse e os outros livros do autor.
Ainda não li nada dele, mas realmente esse é muito interessante, ver um caso do passado voltar e agora de uma forma diferente, com novos problemas.
Anotado aqui.
Bjs
Oi, Mari!!
Para ser bem sincera nunca li nenhum livro do Dennis Lehane, mas achei bem interessante e a sua resenha sobre essa história é fantástica fiquei bem curiosa para fazer essa leitura e conhecer mais sobre essa série.
Bjs
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