segunda-feira, 2 de março de 2020

RESENHA: A Dança da Morte

Essa resenha foi escrita em 2014, quando eu dava meus primeiros passos no universo Stephen King. Isso mesmo: há 6 anos. Por todo esse tempo ela ficou, como o Alê e eu costumamos dizer, “guardada no estoque” para ser postada em algum momento que acabava sempre sendo adiado. Isso porque costumamos dar prioridade às resenhas das nossas parcerias e também porque King é um dos autores que aparece aqui no blog com mais frequência (não que exista tal coisa como “excesso de Stephen King”). Além disso, com o anúncio da série de TV inspirada no livro (prevista para o final de 2020) parecia mais atrativo postar a resenha próximo à estreia. O fato é que para nós da equipe, a resenha de “A Dança da Morte” se tornou uma lenda dos bastidores do blog e é por isso que ela foi escolhida para a honra de ser a última resenha do Além da Contracapa.

Mas esta ainda não é a nossa despedida. Nos próximos dias vai ao ar um post especial que está sendo preparado com todo o carinho (e já com saudades). Agora, com vocês, direto de 2014, a resenha de “A Dança da Morte”.  


Quando eu estava começando a me interessar pela obra de Stephen King, me deparei com uma lista que elegia seus 11 livros essenciais e para a minha surpresa o livro que coroava a lista me era desconhecido: “A Dança da Morte”, uma história apocalíptica que foi tão bem recebida por público e crítica que anos depois da publicação original ganhou uma nova edição, dessa vez sem cortes. Resultado: um livro já longo virou um livro de mais de 1200 páginas, dando aos leitores a chance de acompanhar a mesma história e ver seus já conhecidos personagens fazendo coisas que antes eles haviam feito, na imaginação do autor, mas que não chegaram ao papel. Tempos depois, descobri que “A Dança da Morteocupa o primeiro lugar de 9 entre 10 listas de melhores livros de King e foi assim que a minha expectativa foi parar na estratosfera, ainda mais que a trama apresenta elementos que King manipula melhor que qualquer outro autor.

Após uma falha no Departamento de Defesa, um vírus altamente contagioso é liberado, espalhando uma epidemia capaz de dizimar 99% da população. As instituições deixam de existir, os conceitos que guiam a vida diária se tornam supérfluos e a solidão dita o caminho. Em busca de outros sobreviventes, as pessoas seguem pelas estradas deparando-se com lugares abandonados e corpos pelo caminho. Durante esse período, sonham com mãe Abigail, uma mulher de 108 anos que os conduz para o leste. Sonham também com Randall Flagg, o homem escuro, que os chama para o oeste. É o bem x o mal na tentativa de construir uma nova civilização.

“A Dança da Morte” é um livro sobre uma epidemia e Stephen King lança mão de todas as suas habilidades para contar como ela começa, se desenvolve, quais as suas consequências e como as pessoas lidam com ela. Tendo isso em mente, é aceitável que o livro demore um pouco a engrenar (e em um livro de 1247 páginas, 150 é “um pouco”) já que o autor precisa contextualizar os personagens principais em suas vidas anteriores à epidemia. Por isso o livro começa em diversos pontos dos Estados Unidos com as mais diferentes personalidades, cercadas por suas realidades que em nada tem a ver umas com as outras. É assim que conhecemos Frannie, a jovem grávida; Larry, o músico decadente; Lloyd, o criminoso; Nick, o surdo-mudo; Stu, o texano oriental, entre outros. Todos esses personagens estão cercados de muitos outros e King dá a cada um o mesmo valor. Todos merecem a mesma profundidade, mesmo que venham a morrer ainda nos primeiros capítulos assolados pela supergripe. É por isso que muitas das cenas dessa fase inicial não estão relacionadas ao panorama geral, mas são essenciais para que o leitor conheça os personagens.

Essa é, talvez, a coisa que mais admiro em Stephen King: a habilidade de transformar cada personagem e cada cena em uma história à parte, mesmo que para o panorama geral sejam quase insignificantes.

Ele passou para o outro lado. Isso era tudo. Ninguém pode dizer o que se passa entre a pessoa que você foi e a pessoa na qual se transformou. Ninguém pode delimitar aquela seção depressiva e solitária do inferno. Não há mapas de troca. Você simplesmente... passa para o outro lado. Ou não passa.” (KING, 2013, p. 493)

Ao contextualizar os principais personagens (o que não significa que novos não possam surgir a todo momento), King conta para o leitor como a vida costumava ser e como a epidemia a atinge. Só então, aos poucos, é que mostra os primeiros tempos após a supergripe – as pessoas sozinhas, depois juntas em duplas, depois pequenos grupos, culminando na formação de uma nova sociedade. São várias histórias que, sem pressa, convergem para o mesmo ponto, mas o leitor deve esquecer o panorama geral e mergulhar em cada história paralela para aproveitar ao máximo a riqueza da jornada. 

É muito interessante ver como King trabalha os personagens diante do fato de que a vida como eles conhecem já não existe mais. O autor faz o mesmo no ótimo “Sob a Redoma”, mas nesse caso o espaço físico é limitado, e alianças inusitadas se criam a partir do momento em que pessoas que se conhecem há tempos percebem que não se conhecem tanto assim já que alguns passam a se comportar de maneira inimaginável. Com “A Dança da Morte” é possível encontrar uma relação, porém a situação se inverte. O espaço é ilimitado, a maioria das pessoas nunca se viu antes e as alianças surgem por necessidade, não por afinidade ou algum histórico, simplesmente pelo fato de que uma pessoa sozinha não será capaz de sobreviver. Faço esse paralelo entre os dois livros para salientar a complexidade de uma história como a de “A Dança da Morte”. Esses personagens saem de um contexto e se tornam avulsos, estando cada um em um lugar, e é preciso que estejam juntos para que se criem relações que darão forma a história. Tudo isso leva tempo (e páginas!).

Saliento que Stephen King fez um ótimo trabalho de construção de personagens e que a proposta da história é excelente, mas há um porém. Tudo parece conduzir a trama para um grande momento, um ápice que para mim simplesmente não ocorreu. Isso é um problema? Não necessariamente, mas fiquei com a sensação de que alguma coisa faltou. Finalizada a leitura, fiquei analisando a escolha do autor para esse que deveria ser um grande momento de conflito e compreendi sua opção e o significado que quis dar ao desenrolar dos eventos. Concordei, mas a sensação de falta permaneceu.

Acredito que o tamanho do livro seja um influenciador nesse quesito já que depois de ler mil páginas, é inevitável (para mim, pelo menos) um certo cansaço. Um número tão expressivo de páginas dá a sensação de conduzir em direção a algo grandioso (pense na batalha de Hogwarts depois de 7 livros e tenha uma idéia do que eu imaginava como grandioso), mas que nesse caso King não entregou. Porém isso não significa, em hipótese alguma, que o entregue não tenha sido bom ou que eu tenha lido qualquer trecho com a sensação de tempo perdido. Se me perguntassem, eu não sabia dizer o que poderia ser cortado. Absolutamente tudo que está presente em “A Dança da Morte” consegue envolver o leitor e talvez seja justamente isso que me tenha feito esperar por um grande clímax.

A meu ver, há ainda um desequilíbrio entre o desenvolvimento do lado do bem e o do mal. No primeiro, podemos acompanhar em detalhes traições e trocas de lado, casais se apaixonando, amizades nascendo e rumos de vidas sendo definidos. Já o segundo é explorado apenas em alguns momentos, sendo que me parece que acompanhar de perto os vilões seria tão interessante quando os mocinhos.

Em meio a tudo isso, King apresenta um vilão interessante e enigmático. Randall Flagg é um ser místico e muito mais uma forma de representação do mal do que um vilão propriamente dito. Por isso o autor não explica muito sobre ele já que, ao fazer isso, seu poder se perderia.

Como sempre, Stephen King é mestre em colocar os personagens em situações extremas e extrair deles reações que não tem nada de sobrenatural, pelo contrário. Uma leitura para ser feita ciente de que o final demora a chegar e que o válido é a jornada, não o ponto de chegada. A citação da contracapa alega que o livro apresenta de tudo, de aventura a romance, mesclando fantasia com realismo e levando ao extremo do apocalipse. De fato é uma história ampla e complexa. Vale a pena, mas não é minha história preferida do mestre.

“Até mesmo a companhia dos loucos era melhor que a companhia dos mortos.” (KING, p.321)

Título: A Dança da Morte
Autor: Stephen King
Nº de páginas: 1247
Editora: Suma

9 comentários:

Rubro Rosa disse...

Este é um dos grandes calhamaços do Mestre King e já li que muita gente evita ler por conta do tamanho.
Eu ainda não pude conferir,mesmo sendo um livro já mais antigo e trazendo mais uma vez, personagens e suas limitações humanas.
King é fera nisso e sim, ainda espero poder ter esse livrão em mãos!
Beijo

Angela Cunha Gabriel/Rubro Rosa/O Vazio na Flor

Gabriela CZ disse...

Triste por saber que é a última resenha do blog, Mari. :'(
Sempre tive vontade de ler essa super obra do King, e fiquei ainda mais curiosa com seus comentários. O problema é encaixar um calhamaço desses nas minhas leituras. Mas em tudo se dá um jeito. Ótima resenha.

Beijos!

Elizete Silva disse...

Olá! Uau, eita que eu acho que caiu um olho aqui na minha lágrima, eu costumo dizer que nada na vida é por acaso, e sem dúvida temos aqui uma resenha mais que especial hein, e que está sendo publicada em ótimo momento, em relação ao livro em si, o número de páginas é algo que impressiona, eu nunca li algo com tantas páginas em um único volume, mas confesso que o enredo chamou bastante minha atenção, e olha que eu costumo fugir dos livros do Sr. King, (medo de ter medo!), embora seja um livro escrito há bastante tempo, ele está mais atual do que nunca, afinal só se fala em epidemias, contaminação nos últimos dias, (bem que eu acho que a do livro não é causada apenas por um vírus), enfim mesmo com todos os meus “pré-conceitos”, esse certamente é um livro que eu gostaria de conferir (little by little).

Maurilei Teodoro disse...

Um dos meus preferidos do King. Concordo totalmente com o que importa é a jornada, não que o final seja ruim.

Luana Martins disse...

Oi, Mari
Não li nada do King ainda e confesso que de alguns calhamaços eu fujo.
Mas o enredo é bem interessante, e lembra muito as doenças que tem aparecudo nos últimos anos.
Assim que tiver chance lerei, beijos.

Giovanna Talamini disse...

Oi!
Caramba, quanto tempo conseguiram guardar uma resenha!
Mesmo estando na lista de um dos melhores livros do King, não o conhecia. Sempre que penso no autor, lembro de histórias repletas de criaturas aterrorizantes, mas nem sempre é assim. Acho incrível essa versatilidade do autor em escrever livros dos mais variados gêneros.

RUDYNALVA disse...

Mari!
Não li esse livro ainda do King, mas como me conheço e sei que me cansaria de ler tudo de uma só vez, minha estratégia seria intercalar outra leitura ou outras, enquanto estivesse lendo esse para não sentir o cansaço.
Adoro esse tipo de ficção que ele escreve.
cheirinhos
Rudy

Ablon disse...

Toldos Curitiba
Coberturas de Policarbonato Curitiba
Dedetizadora Maringá

Robson Santos Costa disse...

Vi a minissérie quando era adolescente, nos anos 1990, achei fantástica. Vou começar a leitura do livro agora, já que não lembro mais quase nada (ou nada) da minissérie. Já li vários livros de King e sempre tive vontade de ler esse. E estamos em momento ímpar no mundo a pandemia de Covid.

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