domingo, 16 de setembro de 2012

RESENHA: Apelo às Trevas

“É como se existisse um fio que ligasse todos esses acontecimentos, toda essa violência aleatória, arbitrária, e que, se pudéssemos descobrir onde esse fio começa e o puxássemos pela ponta, todas essas coisas começariam a fazer sentido.” (LEHANE, 2003, P.12).

Foi em um dos meus passeios pelo sebo que me deparei com “Apelo às Trevas”. Não foi o título macabro, a capa, nem necessariamente a sinopse que me fizeram querer ler o livro. Foram as credenciais de seu autor - Dennis Lehane - que, segundo a contracapa do livro, é frequentemente comparado a mestres do gênero policial, como Raymond Chandler e, além disso, escreveu “Sobre Meninos e Lobos”, livro que não li, mas que inspirou um ótimo filme. Antes mesmo de ler a sinopse eu já havia dito: “UAU!”

A trama também parecia interessante: a dupla de detetives Patrick Kenzie e Angela Gennaro são contratados por uma mulher que recebeu uma ameaça, aparentemente da máfia irlandesa. Mas a ameaça é muito pior do que parece e os dois se veem envolvidos em uma investigação complicada e no encalço de um cruel assassino que parece estar em atividade há mais de vinte anos. A vida de Patrick, Angela e das pessoas próximas a eles está em risco, enquanto a vizinhança é palco de um macabro show.

O que mais me chamou a atenção em “Apelo às Trevas” é que o livro não para um segundo sequer. Elementos novos surgem a todo tempo e o caso adquire tantas ramificações que às vezes até se esquece como começou. O autor apresenta uma narrativa eficiente e equilibra muito bem o desenvolvimento dos acontecimentos e das informações até introduzir novos elementos, desenrolando a história aos poucos. A cada página se descobre que há muito mais nessa trama do que se imaginava no início da leitura.

Criminosos que matam meramente por prazer são sempre assustadores e Lehane cria personalidades tenebrosas nesse livro. Me parece que o autor é muito hábil em usar o que o ser humano tem de pior e fazer disso o combustível de certos personagens, contaminando outros também. Isso pode ser observado não só nos criminosos, mas também na relação de Patrick com o seu pai, o que talvez não fique tão claro em “Apelo às Trevas”, mas aparece muito bem em “Um drink antes da guerra”, primeiro livro da série protagonizada por Patrick e Angela. Alias, o relacionamento da dupla de detetives também é um aspecto interessante que o autor parece querer explorar aos poucos ao longo da série.

Por falar nos detetives, em alguns momentos, Patrick conseguiu me fazer lembrar de Philip Marlowe – o clássico detetive de Raymond Chandler – por suas respostas rápidas, irônicas e seu temperamento “tô nem aí” quando na verdade isso está longe de ser verdade. Mas falta ao personagem de Lehane algo fundamental que o de Raymond Chandler tem de sobra: carisma. Isso se estende aos demais personagens e até mesmo a história. Mesmo recheada de bons elementos, faltou algo. Eu não sei apontar o que exatamente, mas me parece que “Apelo às Trevas” tinha tudo para ser um excelente livro, mas não é. Não é ruim, em hipótese alguma, mas é bem inferior ao que eu esperava.

Não sei bem como avaliar “Apelo às Trevas”. De modo geral, não posso dizer que não gostei da leitura, mas também não posso dizer que gostei. Como eu disse, a narrativa é boa e a trama tem ótimos elementos. Se me permitam uma analogia culinária: tem ótimos ingredientes, ótimos temperos, mas ainda faltou alguma coisa. Sal talvez. Para o meu paladar pelo menos.

Título: Apelo às Trevas
Autor: Dennis Lehane
Nº de páginas: 456
Editora: Companhia das Letras

8 comentários:

Sabrina Mazzoni disse...

É ruim quando o livro tem tudo para ser bom mas, falta algo.
Esse livro parece ter uma trama bem envolvente.
Ainda não li nada do gênero, mas preferia ler algo mais consistente.

Aione Simões disse...

Oi Mari!
Eu entendo essa sua sensação. Também não sei reconhecer quando sinto que algo falta em um livro que, racionalmente, tem tudo para ser ótimo.
Acho que é questão de feeling, né, da relação que temos com a leitura.
Parece um bom livro, de qualquer forma!
Beijos!

Francielle Couto Santos disse...

Oi, Mari.
Conheço essa sensação... mas fico feliz que de um modo geral a leitura tenha te agradado. Não conhecia o livro, confesso, e fiquei surpresa com a editora do mesmo... parece bacana por sua premissa, e que talvez valha a pena ser lido, sim. Experiências com livros diferentes são sempre bem-vindas! ;) Adorei!

Um abraço!
http://universoliterario.blogspot.com/

Nardonio disse...

É realmente uma pena que esse livro não tenha superado suas expectativas. Quando vou começar a ler algo, costumo não criar expectativas, por mais conhecido e bom seja o autor, pois corre o risco de acontecer o que aconteceu com você agora. Gostei bastante da história desse. Se tiver oportunidade, lerei.

Seguidor: DomDom Almeida
@_Dom_Dom

Lú Miranda disse...

Aconteceu isso comigo com o nicholas Sparks, e desde então não compro mais nenhum livro dele, infelizmente!
Mas é muito ruim realmente ser decepcionado.

Unknown disse...

Oi Mari!
Adorei essa analogia culinária ao final rs representou muito bem o que você sentiu em relação ao livro de modo geral.
Eu entendo como é quando a gente gosta, mas sente a falta daquele algo a mais. O que mais me chama atenção em relação ao Dennis Lehane não é nem o Sobre Meninos e Lobos, que concordo é um excelente filme, mas o A Ilha do Medo (ou como livro, Paciente 67). Eu adorei o filme, e realmente me arrependi de não ter lido o livro antes. É o tipo de suspense que me agrada enormemente e tenho certeza de que a experiência de leitura teria sido super prazerosa. Perdido o elemento surpresa não tive mais vontade de lê-lo, infelizmente. =/

De qualquer forma, esse parece conter uma história interessante, é uma pena que tenha deixado um pouco a desejar... foi bom saber para caso eu me depare com a opção, agora vou pensar duas vezes. Preciso ler Raymond Chandler também, nunca li nada do autor!

Beijos!

Єłziø døs rєis мαrsøη disse...

"Ela estava só de calcinha, uma peça azul-clara de cetim. Seu corpo inchara por causa do frio, do rigor cadavérico ou por algum outro motivo. Os cabelos jogados para trás, descobriam-lhe a fronte, e os olhos e a boca estavam abertos. Seus lábios estavam azuis e ela parecia estar fitando algo por sobre meus ombros. As pernas e os braços finos estavam abertos, e placas de sangue escuro -solidificado pelo frio- tinha se formado na base da garganta, nas palmas das mãos e nas plantas dos pés. Pequenos discos de metal brilhavam no centro das duas plamas e dos dois tornozelos. Era Kara Rider. Ela fora crucificada. Desde que vi o corpo, eu tinha falado muito pouco. Não consigo ser profissional quando me deparo com uma morte violenta. Já vi muita coisa, mas nada que se possa comparar, ainda que remotamente". Dennis Lehane - Trecho de Apelo às Trevas.

Unknown disse...

Li Um drinque antes da guerra e quase larguei várias vezes na primeira metade, por achar exatamente isso. A história parecia banal, os detetives bem inferiores aos que li recentemente e o desenrolar dos fatos era lento. De repente engrenou e acho que foi o fato de que eu não estava olhando o que deveria olhar ou talvez eu não tinha me atentado para o fato de que o autor criou um clima tão niilista e ao mesmo tempo fazia sacadas de um humor as vezes francamente tétrico (o que me agrada). Terminei o primeiro achando legalzinho e passei a este Apelo às Trevas, do qual li cerca de 60% até agora. Este é muito melhor que o primeiro e eu não consigo largar. Estou gostando demais da história, que me lembra O Silêncio dos Inocentes. O autor tem uma visão bem aguçada dos problemas sociais americanos (muitos dos quais são nossos também) e adora dar umas cutucadas no leitor. Uma historia de gente pobre e derrotada em um bairro esquecido de Boston, às voltas com um perigo mortal, enquanto seguem com suas vidas. Espero que os próximos volumes sejam tão bons quanto este.

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