quarta-feira, 5 de novembro de 2014

RESENHA: Olhe para mim

“Porque eu estava fraca. Ah, sim, esta é a hora em que mais precisamos de gente (...). Mas temos que resistir. Porque, uma vez que nos virem assim, uma vez que virem com os próprios olhos nosso cabelo falhado e sem vida e nossa voz rouca, nossa hesitação e nossa necessidade servil de amor, nosso cheiro – o cheiro da nossa fraqueza! -, as pessoas nunca esquecerão, e muito depois que recuperarmos a nossa vitalidade, depois que nós mesmos tivermos esquecido essas provas de fraqueza, elas olharão para nós e ainda verão isso. (EGAN, 2014, p. 40).

Iniciei a leitura de “Olhe para mim” com certo receito, já que as poucas críticas que li a respeito do livro não eram muito estimulantes. A maioria dizia que este era um livro bastante inferior a “O Torreão” e ao vencedor do Pulitzer “A Visita Cruel do Tempo”. Não tendo lido o livro mais aclamado da autora, mas com altas expectativas para qualquer um de seus livros com base naquele que li, arrisquei dar uma chance. Sorte a minha.

Charlotte Swenson é uma bela modelo cuja carreira já passou do auge há tempos quando ela sofre um acidente de carro que quebra todos os ossos do seu rosto. Após uma cirurgia reconstrutora que usa de 80 parafusos para lhe devolver a face, ela ainda é uma mulher bonita, mas completamente diferente. Quando volta a Nova York para recuperar sua vida, Charlotte percebe que as coisas serão ainda mais difíceis já que ninguém a reconhece. No seu caminho estarão ainda um detetive alcoólatra e uma aspirante a escritora.

Na cidade natal da modelo, uma adolescente também chamada Charlotte - filha de uma amiga com quem Swenson não tem contato há anos – se envolve em um caso potencialmente perigoso com um homem misterioso enquanto passa a ter aulas particulares com seu tio que passou por problemas difíceis e nunca mais foi o mesmo.

A escrita de Egan exprime uma vitalidade e uma força que por si só já fazem valer qualquer leitura. Aliado a isso, a autora cria personagens que se revelam fascinantes ao estarem em situações que de alguma forma conseguem ser absurdas e perfeitamente verossímeis ao mesmo tempo. Seus questionamentos, desejos e angústias são reais e fazem o leitor refletir.

Durante boa parte da leitura eu não sabia dizer sobre o que se tratava o livro. Se alguém tivesse me perguntado, eu diria que era sobre essa mulher e aquela menina e aquele homem e tantos outros personagens, mas não saberia dizer qual era o cerne de “Olhe para mim”. Talvez mesmo agora não saiba. Mas arrisco dizer que é a busca pela identidade. O que é a identidade de uma pessoa? É o rosto que ela tem? É o nome que assina? É o que as pessoas pensam dela? O que ela mostra para as pessoas? O que ela não mostra para ninguém? O que ela faz questão de esconder? Você escolhe ser quem é? Em que momento fez essa escolha? Pode desfaze-la? Qual o custo de desfaze-la? Esses são alguns dos questionamentos que o livro de Egan suscita, principalmente através de Charlotte, cuja identidade estava intrinsecamente ligada à sua aparência, pelo menos antes do acidente.

A autora leva o leitor para o passado dos personagens e o traz de volta ao presente quase sem que ele perceba, em um texto habilmente construído que narra o ponto de vista de Charlotte em primeira pessoa, mas o dos outros personagens em terceira. Assim, dá iguais oportunidades para que todos sejam conhecidos, o que é essencial para uma trama como essa em que os personagens pedem para serem vistos, olhados, analisados.

O interessante é que, em um dado momento, um personagem diz que não é preciso amar os personagens de um livro, mas é preciso gostar deles, ao menos tolerá-los. A meu ver, isso se aplica perfeitamente a “Olhe para mim” já que por mais que eu me interessasse por todos eles, não conseguia gostar de nenhum. Isso não desmerece a trama, de forma alguma. Os protagonistas dos eventos podem até não serem carismáticos, mas seus dramas são interessantes e talvez isso seja até mais importante.

Uma das citações da contracapa me levou a acreditar que “Olhe para mim” era um thriller, mas confesso não enxergá-lo dessa maneira e sim mais como um drama inquieto. Um livro que não se sabe para onde vai. Que chega ao fim e deixa o leitor pensando. Particularmente, considero-o ainda melhor que “O Torreão”, o que só aumenta a minha expectativa para o premiado “A Visita Cruel do Tempo”.

Título: Olhe para mim (exemplar cedido pela editora)
Autora: Jennifer Egan
Nº de páginas: 425
Editora: Intrínseca

16 comentários:

Gabriela CZ disse...

Não conhecia esse livro, Mari. Mas fiquei bastante curiosa com seus comentários e me identifiquei com o quote que você escolheu para abrir a resenha. Um livro que provoca tantas reflexões certamente deve ser lido. Ótima resenha.

Abraço!
http://constantesevariaveis.blogspot.com.br/

Silviane Casemiro disse...

Oi, Mari!
Não conheço a autora, e consequentemente as obras; Contudo fiquei com curiosidade para ler esse livro. Imagino que em alguns momentos deve ter sido bem complicado lidar com os problemas que a modelo passou a enfrentar.
Gostei do modo como a autora decidiu narrar a história, em primeira e terceira pessoa. Imagino que deve ser difícil escrever um livro assim, e talvez pode ser (em alguns aspectos) causar até estranheza para o próprio leitor.
Confesso que, apesar de nos dar bastante detalhes sobre a história, ainda sim fiquei um pouco confusa sobre os acontecimentos (e talvez seja esa, de fato, a intenção da autora; Considerando que mesmo após o termino você ainda teve algumas dúvidas).

Cantar Em Verso . Fbook Cantar em Verso
Fbook . silvianecasemiro@gmail.com

Unknown disse...

Primeira coisa a falar é: não conheço o livro. É a primeira vez que leio algo a respeito. E já esta na lista de leitura. Gostei da premissa. E é interessante essa busca da identidade. Eu não conhecia a autora. Confesso que mesmo estando muito interessada ainda estou com um pouco de receio de lê-lo quando tiver oportunidade. A capa é linda. A Editora Intrínseca sempre arrasa nesse quesito. Beijos <3

Claudia Hackbart disse...

Obrigada pela dica, Mari. 1 baita abraço

Rubro Rosa disse...

Engraçado chegar no blog e ver uma resenha da autora. Recebi O Torreão ontem e não vejo a hora de poder começar a leitura. Agora me deparando com uma resenha da mesma autora e me perco na resenha..(no bom sentido)
A identidade de alguém não se resume ao rosto que ela tenha, eu acredito nisso..Mas no que ela é..em quem ela é..o dentro, a alma,coração..e atitudes.
Puxa..viajei agora! Mas é que a resenha traz esse questionamento...e eu adorei!!!
Pretendo ler com certeza e também esse best dela!
Beijo

Loly Fonseca disse...

Não conhecia essa autora ainda, mas o livro me pareceu um tanto quanto confuso... Não consegui identificar qual é realmente o papel e a história de cada personagem... Fora isso, não é muito do meu gênero literário... Pode ser que eu leia depois, ou conheça as obras da autora por um dos outros dois livros, mas por enquanto eu passo esse...
Kisses =*

DESBRAVADORES DE LIVROS disse...

Oi, Mari, como estás?

Fiquei presa na leitura da resenha, ansiando saber qual era o objetivo do livro e confesso que fiz um: "Uau". Porque não esperava que fosse a busca pela identidade. Se é que seja isso mesmo, afinal, você ainda se arriscou a dizer sem ter certeza. Mas é bem envolvente quando a obra nos passa isso. Nem sempre, claro, mas geralmente o é. Porque ficamos presos tentando entender o porquê e como e muitas vezes não conseguimos. Difícil saber o que define a identidade de uma pessoa e muitas dessas perguntas não se tem respostas.

Vitória Pantielly disse...

Oi Mari !
Não conhecia o livro, e olha, juro que nem me animei de ler a resenha depois que olhei pra essa capa!
Pra um livro tão interessante a capa deixou beeem a desejar. O que acontece foi que eu acabei ficando curiosa pra ler o livro, não sei exatamente em que gênero ele se encaixa na verdade, mas não costumo ler muitos livros assim, e pareceu uma leitura bem interessante!
Engraçado é que eu ainda estou com dúvidas se vou gostar da leitura, e mesmo assim quero ler porque a curiosidade me consome, rs!
Beijos!

Milena Soares disse...

Não conhecia esse livro, parece ser ótimo, curto muito um drama inquieto, fiquei bastante interessada em ler.

RUDYNALVA disse...

Mari!
Pelo que entendi a trama é mais voltada ao existencialismo e a abordagem psicológica da busca por si mesma. Talvez não tenha gostado das personagens, entretanto os questionamentos feitos durante a leitura devem ter valido a pena e para mim isso basta em um livro que aborda as mudanças, tanto físicas como interiores.
cheirinhos
Rudy

Unknown disse...

Esse livro parece bem interessante. Vez por outra me deparo com livros cujo cerne eu não consigo definir bem, mas que são tão bons! Fiquei curiosa quanto a esse, principalmente pelas questões de identidade. Talvez eu leia!
www.blogsemserifa.com

Girlene Viey disse...

Gosto muuuito das obras da editora Intrínseca!
Esta não poderia ser diferente, sinceramente a capa não me chamou atenção
mais a historia em si ate que curti bastante, a trama parece ser incrivel!

Nardonio disse...

Complicado ler algo em que não conseguimos classifica-lo. Mas, nesse caso, quem se importa com a classificação?!?! O que importa é que ele te agradou muito. E deixou reflaxões bem interessantes. Ou seja, cumpriu muito bem o seu papel.

Seguidor: DomDom Almeida
@_Dom_Dom

Ingrid Moitinho disse...

Não conhecia esse livro e nem autora, fiquei bastante interessada nele agora, a sua resenha me deixou curiosa, vou até pesquisar sobre esses outros livros dela que você citou, espero que eles me agradem também.

Unknown disse...

Como a maioria, eu também não conhecia o livro nem a autora e fiquei bem interessada nele. Gosto bastante de livros que nos deixam questionamentos e reflexões, fora que o tema de busca pela identidade é bem válido. Dica anotada.

Adriana disse...

Que bom que o livro te agradou! Eu gosto quando um autor faz o que a Jeniffer Egan fez, mescla os generos e nos apresenta uma história que mescla drama e suspense, e gosto mais ainda, quando dá certo essa mistura, eu não conhecia esse novo livro dela, mas gostei muito da tua resenha, e também gosto desse estilo de capas dos livros dela, já tenho A visita Cruel do tempo, mas não tive tempo pra ler, agora quero também esse, pois fiquei com vontade de ler os dois! Bjão!

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