quinta-feira, 27 de agosto de 2015

Conversa de Contracapa # 20

Conversa de Contracapa é coluna off topic do blog Além da Contracapa. Sem limitação temática, iremos explorar todo e qualquer assunto relacionado ao mundo da literatura. 

Já comentei por aqui sobre a pesquisa que indicava que pessoas que leem alta literatura têm a tendência a serem mais empáticas. A alta literatura, por não ser tão mastigada, exige que o leitor se envolva mais com a obra, fazendo com que se coloque no lugar do personagem. É assim que dramas e conflitos distantes da nossa realidade passam a ter outro significado. 

Porém, nesta mesma coluna, mencionei que não concordo completamente com tal pesquisa. A meu ver, a literatura de entretenimento também possui o condão de mostrar ao leitor diferentes perspectivas, desfazendo julgamentos precipitados e nos fazendo enxergar o mundo para além de nossos umbigos. Para exemplificar, mencionei como Harry Potter poderia nos mostrar o preconceito que residia nas diferenciações entre os sangues-puros, mestiços, nascidos-trouxa e abortos. 

Eis que para minha surpresa, descobri recentemente que uma pesquisa realizada na Itália, conduzida por Loris Vezzali e Reggio Emilia, concluiu que crianças que leem a saga Harry Potter tendem a ser mais tolerantes. A pesquisa percebeu que após ter contato com a obra, as crianças agiram de forma mais compreensiva com grupos minoritários, como imigrantes, homossexuais e refugiados. 

A explicação para o fato é que Harry sempre esteve em contato com grupos considerados estigmatizados no mundo bruxo, e foi só então que percebi que o preconceito é algo muito mais amplo na obra de Rowling. Vemos Hermione ouvir insultos por ser nascida-trouxa, os Wesley serem desprezado por sua condição financeira e Sirius ser deserdado por causa de suas amizades. Já Hagrid é considerado inferior por ser meio-gigante, enquanto Lupin é visto como um professor inadequado por ser lobisomem, e os elfos são tidos como seres de segunda classe, fadados a uma vida de servidão.

Assim como no mundo real, o mundo dos bruxos também é repleto de preconceito. Talvez um preconceito latente, que pode até passar despercebido, mas um preconceito que está sempre presente. E mais: um preconceito que não surge, necessariamente, de pessoas más. Afinal, vemos Hermione se revoltando com a situação dos elfos domésticos, erguendo a voz para dizer o quão absurda era a escravidão de seres tão mágicos quanto os bruxos. Mas, aos olhos de todos, não havia nada de errado em tratar os elfos daquela forma. O que é isso se não preconceito oriundo de uma noção de superioridade? E não foi exatamente a partir desta mesma noção de superioridade que Voldemost instalou seu reinado? Pois é. A batalha contra o mal é muito maior e mais complexa do que imaginávamos. 

Harry Potter não teve nenhum problema em interagir com pessoas que eram desprezadas e marginalizadas, fosse pelo seu sangue, por sua classe social, ou por qualquer outra condição ou opção. Acima de tudo, Harry julgava as pessoas por seu caráter e foi assim que nos ensinou uma grande lição. Talvez, a mais importante lição que minha geração precisava aprender. 

Em 1997, quando o primeiro livro da saga foi publicado, J. K. Rowling iniciou uma revolução: crianças e adolescentes gostam de ler por prazer, e não por obrigação. Basta lhes dar uma estória com a qual possam se identificar e se envolver. Hoje, dezoito anos depois, vemos uma geração ainda mais apaixonada pela leitura, uma geração mais tolerante, mais aberta a diversidade, menos preconceituosa. O mérito é apenas de Rowling? Não. Foram vários os autores que seguiram os mesmos passos, se propondo a discutir ainda mais abertamente temas sensíveis em nossa sociedade, nos fazendo refletir e rever nossas posições. 

Estamos longe do ideal? Indiscutivelmente sim. Na Hungria, o governo levanta uma cerca de quatro metros de altura na fronteira com a Sérvia para impedir o fluxo de imigrantes. Na Alemanha, ocorrem manifestações de xenófobos e neonazistas contra os refugiados. No Brasil, a homofobia mata uma pessoa a cada vinte e oito horas

Ainda assim, ao olhar para o passado, tenho esperança no futuro. Já dizia Albert Eistein que “uma mente que se abre a uma nova ideia jamais volta ao seu tamanho original”. Resta-me agradecer a esta escritora fantástica por ter aberto nossas mentes e nos mostrado de uma forma sútil, mas poderosa, que o preconceito, em todas as suas formas, é inaceitável. 


18 comentários:

Isa disse...

Que legal, Alê! Sem dúvidas a literatura em geral, quando bem escrita, dá mais empatia pras pessoas. Não conhecia essa pesquisa sobre HP, bom saber =)
Abs!

Tony Lucas disse...

Oi, Alexandre! Tudo bem? Parabéns pelo post, super concordo com o seu ponto de vista! Apesar de nunca ter lido Harry Potter, reconheço que Rowling consegui realizar um feito marcante: Além de fazer pessoas tomarem gosto pela leitura, abriu suas mentes e fez com que elas percebessem que é o preconceito não é nada legal. Outra autora que, na minha opinião, consegue abrir a mentes de seus leitores quanto ao preconceito é a Cassandra Clare, que sempre coloca em suas obras personagens com etnias, raças e sexualidades diferentes. Ela também consegue tratar muito bem sobre a questão do preconceito, o que é muito bom! :) Bom, é isso! Adorei o texto! :D

Abraço

http://tonylucasblog.blogspot.com.br/2015/08/resenha-premiada-johnny-bleas-um-novo.html <- Tá rolando promoção do livro "Johnny Bleas - Um Novo Mundo" lá no blog! ;)

Gabriela CZ disse...

Primeiro de tudo tenho que te parabenizar por esse belo texto, Alê. Não estava por dentro dessa pesquisa italiana, mas realmente se percebe que a geração que cresceu com Harry Potter tende a ser mais tolerante. A série trás lições maravilhosas sobre todas as formas de preconceito, e não sei se é coisa minha mas chego a notar uma referência a Hitler em Você-sabe-quem. Definitivamente não é só uma história sobre bruxos. Ótimo post.

Abraços!
http://constantesevariaveis.blogspot.com.br/

Ana Clara Magalhães disse...

Oi Alê!

É muito triste, mas é a nossa realidade. E tem gente que ainda tem coragem de dizer que preconceito não existe. Convivo com pessoas que pensam assim e chega a doer, sabe. Cerca de 90% dos meus amigos são homossexuais e eu vejo de perto o que eles sofrem e saber que muitas pessoas com a mesma "condição" são mortas por causa de ódio me deixam com um sentimento muito ruim. E sim, J. K. nos ensinou de uma forma muito bonita a sermos menos preconceituosos e fico feliz ao saber que pessoas que leram os seus livros agem assim.

Beijo!
http://www.roendolivros.com/

Sil disse...

Olá, Alê.
Bati palmas para a sua postagem. E super concordo com tudo o que você falou. Graças a Deus, mesmo sendo a minoria ainda, temos muitos leitores sendo influenciados por obras como Harry Potter. Um livro visto apenas como entretenimento por muitos, mas que fez e faz a diferença na vida de vários. Tenho uma sobrinha que depois que leu Harry Potter, até então ela dizia que não gostava de ler, e depois quis ler todos os livros que eu tinha na estante. Infelizmente o preconceito está ai e se um livro pode fazer alguma mudança por menor que seja, vamos ler e divulgar.

Blog Prefácio

disse...

Que post incrível! Adorei a reflexão sobre como Harry Potter fez desta uma geração mais tolerante. Concordo que estamos longe da paz definitiva, mas, hei, pelo menos já é um começo!
Indiquei seu blog para uma TAG sobre literatura brasileira. Espero que goste!
http://www.diarioquaseescritora.blogspot.com.br/2015/08/tag-campanha-literatura-brasileira.html

Beijos!

Luis Carlos disse...

Eu nunca tive vontade de ler Harry Potter (me julguem u.u), mas adorei saber que nos livros contém esses exemplos de preconceito. O poder da leitura é poderosíssimo, capaz de até mudar a forma de pensar, e de opinar, do leitor!

Ariane Gisele Reis disse...

Oie Alê =)

Acredito que para se deixar envolver com uma história, nós leitores realmente precisamos nos deixar envolver pelos personagens e isso só ocorre quando nos colocamos no lugar e nas situações que eles vivem.

Parabéns pelo texto!

Beijos;***

Ane Reis.
mydearlibrary | Livros, divagações e outras histórias...
@mydearlibrary

Rebecca disse...

Oi Alê!
UAU! Concordo plenamente!! Depois que foi lançado não somente Harry Potter, mas outros tantos livros do qual agradaram milhares de pessoas, muitas crianças começaram a ler por prazer.
Eu ainda estou no terceiro livro de HP, pretendo dar continuidade, porque é realmente uma obra muito boa e a escrita da J.K é fantástica.
Não sabia que já faz 18 anos que o primeiro livro foi lançado!!
E bem que no livro fala que o Harry iria ser uma lenda né? <3
Beijos!!
umlugarparaleresonhar.blogspot.com

Unknown disse...

Não sabia ao cero da definição de alta literatura, mas, creio eu que ficou bem claro para todos o conceito do termo. Agora posso vangloriar-me expressando meu enorme apego a leituras deste tipo. Não gosto de nada massante, lento e/ou meloso. As altas literaturas me fascinam.

Unknown disse...

Oi!
Com certeza Harry Potter foi um marco de varias jeitos diferentes a J. K. Rowling sou quase na entrelinha mostras vários temas importantes com Harry potter a cada personagem, a cada conflito a cada morte ela quis nos mostrar algo, e com certeza atualmente temos uma geração bem mais voltada para a literatura não por obrigação mas por gostar !!!

RUDYNALVA disse...

Alê!
sinceramente não admito em pleno século XXI, com a tecnologia tão avançada, com a modernização em pleno vapor, ainda existir preconceito, seja de que tipo for...mas...infelizmente, convivemos com ele diariamente, é fato.
Acredito que o mundo literário deveria ampliar ainda mais a desmestificação do preconceito, porque os livros são armas poderosas, incentivadores de ideias e disseminadores de informações.
“A nossa maior glória não reside no fato de nunca cairmos, mas sim em levantarmo-nos sempre depois de cada queda.”(Oliver Goldsmith)
cheirinhos
Rudy
http://rudynalva-alegriadevivereamaroquebom.blogspot.com.br/
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Unknown disse...

Oie
Eu não sabia dessa pesquisa que foi realizada na Itália mas acho que quanto mais cedo as crianças aprenderem sobre a diversidade e o respeito que devemos ter por todos mais fácil vai ser ela se tornar um adulto de mente aberta.Sempre gostei dos livros da J.K e gosto de como ela aborda esses temas ,além do trio de amigos serem ótimo personagens.

Mariele Antonello disse...

Bom, não tinha conhecimento sobre essa pesquisa, mas achei bem interessantes os dados que as crianças que leem a saga Harry Potter tendem a ser mais tolerantes, como não li ainda a saga Harry Potter, não entendo bem os tipos de preconceitos que ocorrem na saga.

Ana I. J. Mercury disse...

Lindo texto!
Li Harry Potter várias vezes e recomendei para muitas pessoas, simplesmente por isso: a temática do preconceito tão vívida e bem trabalhada.
Acho incrível com a Jo conseguiu nos fazer aprender e refletir tanto sobre esse tema, que convenhamos, muitas vezes passa batido.
bjs

Larissa Santos disse...

Oi Alê,
Parabéns pelo texto, eu sinceramente não conhecia essa pequisa sobre HP e fiquei fascinada porque é um absurdo que ainda exista tanto preconceito no mundo. Vou indicar HP para as pessoas.
Beijocas ^^

Anônimo disse...

você tem uma escrita muito boa! adorei esse post.
não li os livros de harry potter, mas já vi alguns filmes. quando vi os filmes, nem sabia da existência dos livros da série.
não consigo não concordar com seus argumentos.

bjs

Patrini Viero disse...

Poxa, super interessante o tema que tu traz para discussão. Confesso que eu não conhecia a pesquisa, e não tenho muito contato com os livros da saga HP, mas, pelos filmes, já havia percebido que, intrinsecamente a história, temos o tema do preconceito muito bem trabalhado. É sempre bom ver que a literatura é ainda capaz de influenciar o comportamento humano e quebrar tabus, que não tem a menor razão de existir.

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