quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

RESENHA: As Intermitências da Morte

“É mais do que compreensível a perplexidade da morte. Tinham-na posto neste mundo há tanto tempo que já não consegue recordar-se de quem foi que recebeu as instruções indispensáveis ao regular desempenho da operação de que a incumbiram. Puseram-lhe o regulamento nas mãos, apontaram-lhe a palavra matarás como único farol das suas atividades futuras e, sem que provavelmente se tivessem apercebido da macabra ironia, disseram-lhe que fosse à sua vida.” (SARAMAGO, p. 160, 2015)

Todo bookaholic sabe que existem autores que você simplesmente não pode passar a vida sem ler pelo menos uma vez. José Saramago é um deles e “As Intermitências da Morte” foi o livro que elegi para conhecer o autor.

A Morte está de férias. Nunca tendo sua importância sido devidamente apreciada pelos seres humanos, ela interrompe suas atividades sem aviso prévio e, como resultado, a partir do dia 1° de janeiro ninguém morre no país. Lá fora, tudo permanece como antes, mas ali, neste país em específico, não importa a gravidade do acidente ou o estágio da doença, morrer é simplesmente impossível, o que gera uma série de complicações sobre as quais os seres humanos nunca pensaram.

“As Intermitências da Morte” não é um livro complexo, mas exige concentração do leitor. Isso porque Saramago usa do Fluxo de Consciência, um estilo narrativo que pode ser confuso caso o leitor não esteja atento. Os parágrafos são longos (muitas vezes se estendendo por inúmeras páginas), a pontuação não segue as regras tradicionais e os diálogos não são marcados com travessões ou aspas (a única indicação de que outro personagem assumiu a fala é a letra maiúscula após a vírgula. Isso mesmo. Vírgula. O autor não usa nem mesmo ponto final para separar a fala de um personagem da fala de outro). Causa muita estranheza nas primeiras páginas e pode até mesmo parecer desesperador, mas não é. Ainda assim, achei que a narrativa se torna sufocante em alguns momentos, pois parece não permitir ao leitor respirar durante páginas e páginas.

Embora não haja uma separação formal, percebe-se que o livro é divido em duas partes. Na primeira, vemos as consequências das férias da Morte. A situação, claro, é absurda, mas as reações e questionamentos que Saramago extrai das pessoas não o são. Qual a função da igreja se ninguém morre (afinal, sem morte não há ressureição, diz um personagem, e assim sendo, por que as pessoas precisariam da religião)? O que acontece com os hospitais que não podem fazer nada por um paciente que não tem salvação, mas que também não morre? Com as famílias diante de seus entes queridos agonizantes que continuarão agonizando? Com as agencias funerárias que se vem sem negócios? Neste inesperado caos, surge a máphia (organização criminosa que se propõe a levar os moribundos para o outro lado da fronteira, onde as pessoas continuam morrendo, e depois traze-los de volta apenas para serem enterrados), a maneira de Saramago mostrar que sempre haverá alguém disposto a tirar proveito de qualquer circunstância. Em meio a tudo isso, o delinear da situação é mais importante do que o desenvolvimento das histórias de alguns personagens. É por isso que não há protagonistas (decisão que, mesmo acertada, dificulta um pouco a conexão com leitor).

Na segunda parte isso se inverte. Nos tornamos mais próximos dos personagens e a história passa a ser sobre eles e não mais sobre a situação. Isso porque a própria Morte assume o lugar de protagonista ao voltar às suas atividades e se deparar com um problema que a fará se colocar no lugar das pessoas e descobrir algumas das coisas que elas sentem.

Particularmente, não gostei do desfecho proposto pelo autor e considero a primeira parte mais interessante que a segunda.

“As Intermitências da Morte” é um livro para se ler sem pressa. Seu texto, repleto de ironia, dialoga diretamente com o leitor em alguns momentos e sua história aborda a visão que as pessoas tem da morte, propondo também uma interpretação da visão da própria morte com relação ao seu emprego. Não foi uma leitura exatamente prazerosa, mas foi interessante.

Título: As Intermitências da Morte (exemplar cedido pela editora)
Autor: José Saramago
N° de páginas: 207
Editora: Companhia das Letras

27 comentários:

DESBRAVADORES DE LIVROS disse...

Olá, Mari.
Adorei a sua resenha.
As Intermitências da Morte surge de uma proposta absurda, porém, parece ter sido bem explorada e de maneira crítica, o que me agrada demais. Mostrar alguns pontos da sociedade, como por exemplo se aproveitar de tragédias em benefício próprio, é genial.
Por outro lado, a forma de narrativa é bem incomum, o que pode tornar a leitura cansativa. Porém, nada que o costume não acerte.
Espero conferir a obra e gostar.

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Sil disse...

Ola Mari.
Eu ainda não li nada do autor e não tenho vontade de ler. Eu até me interessei pela premissa. Essa coisa da morte estar de férias é bem interessante, mas acho que não me daria bem com esse livro. Esse negócio da pontuação ficou bem confuso e acho que me atrapalharia toda e acabaria desistindo da leitura.

Blog Prefácio

Ruh Dias disse...

Oi Mari, tudo bem?
Primeiro, obrigada pelo comentário que você deixou no meu blog. (:
Puxa vida, não consegui terminar de ler esse livro, acabei largando ele no meio. Acho que me perdi na escrita do Saramago que, sinceramente, não é das minhas preferidas. Reconheço o valor literário enooooorme dele, mas sei lá, não consegui me conectar com a obra.
Acho a premissa desse livro muito legal, parece coisa de Neil Gaiman, e às vezes acho que deveria dar uma segunda chance para o livro.

Beijos
Ruh Dias
perplexidadesilencio.blogspot.com

Gabriela CZ disse...

Ainda não li nada do Saramago e coincidentemente esse é uma das que estou cogitando para começar, Mari. A trama soa bem interessante, mas fico "meio assim" com essa narrativa não linear já que me distraio com facilidade. Mas como é um livro curto acho que posso arriscar, só preciso estar em um bom momento. Ótima resenha.

Abraços!
http://constantesevariaveis.blogspot.com.br/

Unknown disse...

Olá, Mari! Que resenha maravilhosa!
Apesar de parecer que você não AMOU o livro, o seu resumo me deixou muito interessada! Já ouvi falar desse livro; um amigo meu me contou o plot da história e eu fiquei completamente apaixonada! Eu nunca li nada do Saramago e acho isso uma vergonha, já deveria ter lido!
Eu assisto muitas entrevistas do Saramago e o acho muito inteligente, o admiro muito enquanto pensador, ele vê a humanidade de um modo muito particular e não vejo a hora de ler os escritos dele.

Beijos, Hel.

Leituras & Gatices

Unknown disse...

Oi, tudo bem?
Nunca li nada do Saramago por medo de me perder na leitura e não entender nada, e assim, tirar conclusões precipitadas sobre a história.
Achei a premissa bem diferente e inovadora, as pessoas não morrerem seria um grande problema mesmo e eu nunca tinha parado pra pensar nisso.
Beijos, http://lendocomabianca.blogspot.com

Jéssica Soares disse...

Oi, Mari! Tudo bem? Pois é, também quero conhecer algo do Saramago, só não acredito que "As Intermitências da Morte” será o meu primeiro contato com ele. É justamente por esse sentimento de densidade, de ficar sem fôlego devido ao fluxo de consciência que eu vou deixar esse título para ser lido mais para frente, confesso que não me dou muito bem com isso. Quero ter certeza de que vou gostar do Saramago para encarar algo dele que me incomoda, por isso estou muito a fim de ler "O Evangelho Segundo Jesus Cristo", além de já ter sido me indicado, gosto muito das resenhas que li sobre ele! Bjs
Jéssica S. - http://lereincrivel.blogspot.com.br/

Sandra disse...

Apesar de sua resenha estar bem detalhada, inclusive quanto às pontuações, que o autor usa esse recurso propositalmente, para prender o leitor.."Ainda assim, achei que a narrativa se torna sufocante em alguns momentos, pois parece não permitir ao leitor respirar durante páginas e páginas.." Apesar de renomado, não gosto do seu estilo!.

Alice Duarte disse...

Oii Mari

Confesso que acho os livros do Saramago um pouco difíceis, certamente são para ler em momentos de bastante tranquilidade, sem nada pra distrair a atenção da história.
Que pena que o desfecho não foi tão bom... é meio frustrante isso numa leitura né?

Beijokas

naprateleiradealice.blogspot.com.ar

Unknown disse...

Oie,
Gostei muito da sua resenha.
Parece realmente um livro muito bom e inteligente!

Beijos,
Juh
http://umminutoumlivro.blogspot.com/

Laís Lubrani disse...

Oi Mari! Mais uma resenha maravilhosa! Mas também, Saramago ajuda muito, adoro ele!

Um beijão!!

www.chadefirulas.com.br

Maria Ferreira- Impressões de Maria disse...

Oi Mari.
Li recentemente "Ensaio sobre a cegueira" que é do Saramago também e pela sua resenha percebi que é possível perceber algumas semelhanças. Como por exemplo ter sempre alguém que se aproveita da situação para tirar proveito de outras e a linguagem empregada, que é característica do autor.
O livro também me lembrou "A menina que roubava livros" por causa da Morte... Mas a estória em si não tem nada a ver.
Fiquei curiosa pelo livro e indico a leitura de "Ensaio sobre a cegueira", talvez você goste;)
Abraços.

Minhas Impressões

Diane disse...

Oie...
Apesar de ter um enredo bem interessante acho que não é o livro certo pra mim ler no momento, porém, vou por nos desejados para ler futuramente.
Beijos

http://coisasdediane.blogspot.com.br/

Emerson Andrade disse...

Oi Mari!
Eu só li um livro do Saramago que foi O Ensaio sobre a Cegueira, e gostei, mas não é bem meu tipo de leitura. A linguagem dele é bem complexa sabe, ai eu fico meio lerdo quando leio livros da autoria dele. Tentei Cain, mas não rendeu. Acho que esse, pela premissa, também não renderia.

Abraços
David
http://www.olimpicoliterario.com/

Aline Goulart disse...

Eu vi o seu comentário blog na Érica e resolvi visitá-la. Que boa surpresa! Um blog sobre livros e, ainda por cima, um post sobre algum livro de José Saramago. Esse que tu mencionante ainda não li, mas pela resenha me chamou muito atenção. Já vou marcá-lo na minha lista no site Skoob. Beijos.

Maah disse...

Tema interessante.
Gostei muito da capa.
Porem não faz meu gênero literário, daria uma chance, mas ja ouvir muitas críticas, sobre esses livro, e apesar de ser uma pessoa pouco influenciável sobre criticas a livros, agora estou dando prioridade a meus desejados, que sabe em um futuro próximo.
Boa Noite.

Carlos Magno disse...

Acho Saramago um autor que tem que se ler com bastante paciência pra poder pegar a essência do que ele quis passar. Tenho como exemplo 'Ensaio Sobre a Cegueira' que foi minha primeira leitura dele. Fiquei bem perdido em alguns momentos e precisei revisitar a obra pra poder admira-la devidamente. Curti sua resenha e fiquei curioso sobre esse livro.

Cantina do Livro

Daniele Costa disse...

Oii Mari, tudo bom?
Esse livro parece ser muito interessante, principalmente porque sempre me interesso em livros que são narrados, mesmo que em parte, pela Morte, pois sempre nos trás uma grande reflexão. Apesar disso não sei se conseguiria As Intermitencias da Morte, pois parece uma leitura bem cansativa
Estante de uma Fangirl

Érica Ferro disse...

Oi, Mari! Preciso ler algo desse senhor espetacular conhecido por Saramago.
Reconheço que esse estilo narrativo deva ser meio estranho e difícil de acompanhar no início da leitura, mas acho que, depois que se pega o ritmo, a coisa fica mais fluida.
Gosto muito desses livros, introspectivos, cheios de indagações, de ironias e muita reflexão.
Deve ser um livro pra ser lido com tempo e tato.

Beijo!

Blog || Fan Page

Carolina Garcia disse...

Olá, Mari!

Vou ser sincera e dizer que Saramago nunca me atraiu em nenhuma de suas histórias. Ainda não li As Intermitências da Morte, mas não é uma leitura que priorizo.

Sou apaixonada por Machado de Assis e nem li todas as obras dele ainda! Hahahaha
Quero ler mais obras dele e depois posso talvez dar uma olhada no Saramago.

Bjs

livrosontemhojeesempre.blogspot.com.br

RUDYNALVA disse...

Mari!
Ler Saramago exige mesmo muita atenção.
Achei bem interessante esse enredo de a morte tirar férias. Como seria se fosse real?
Difícil manter uma leitura onde não se tem pontuação comum, ainda assim, acho que vale a pena a leitura do livro.
“Na juventude deve-se acumular o saber. Na velhice fazer uso dele.” (Jean-Jacques Rousseau)
cheirinhos
Rudy
http://rudynalva-alegriadevivereamaroquebom.blogspot.com.br/
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Daniel Igor disse...

As obras do Saramago parecem ser interessantíssimas, apesar de nunca ter lido nada do autor, há muito quero fazê-lo, mas acho que exige uma certa concentração e paciência que eu não tenho muito. Enfim, parece ser ótimo. Abraços

Unknown disse...

Nunca li nada deste autor, mas gostei da historia, pelo o que notei para ler essa obra tem dele tem que ter uma certa 'paciencia'.

Patrini Viero disse...

José Saramago sempre é um autor que me surpreende bastante. Por conta da faculdade conheço várias obras dele, e posso dizer que em todas elas notei um espírito crítico muito latente, mesmo que não evidenciado. Esse livro, em particular, me chamou atenção desde o princípio, por conta do enredo mirabolante, que a princípio não faz nenhum sentido, mas que nos leva a refletir sobre aspectos tão importantes da sociedade e de nós mesmos. Confesso que a pontuação a organização da narrativa é um pouco estranha no início da leitura, mas o conteúdo do livro supera essa dificuldade.

Gêmea Má disse...

Oi!

A premissa do livro me interessou bastante! Imagino as complicações que 'uma morte' de férias deva gerar hehehehe
Porém eu não consigo ler Saramago... Esse tipo de escrita que vc cita me irrita muuuuito e a leitura não segue adiante. É uma pena, pq tem vários livros dele que eu babo pela história, mas...

Unknown disse...

Olá... Vi o comentário de sua resenha em um outro blog. E pra mim, Saramago está entre os melhores! Só penso que Intermitências da Morte não é o melhor livro dele para se começar, complexo demais para um primeiro contato, e a questão da pontuação (realmente, pela falta de costuma) atrapalha.

Recomendaria CAIM, que é um livro mais curto, com os mesmos problemas de pontuação, porém, de uma narrativa rápida e um raciocínio questionador!

Mas, entre os melhores dele estão ENSAIOS SOBRE A CEGUEIRA (sem o problema da pontuação, ou não sei se acostumei e não percebi) e O EVANGELHO SEGUNDO JESUS CRISTO (que se sua crença for no Jesus da Bíblia, com certeza você vai se questionar muito sobre o que ouviu dele).

No mais, EXCELENTE resenha! Deu vontade de ler de novo. PARABÉNS!

Ingrid disse...

Sua resenha é a melhor que encontrei na internet e a que mais reflete também o meu pensamento sobre o livro. Esse é o pior Saramago que já li. Você deu azar de começar por esse, não desista desse autor maravilhoso. Beijos!

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