“Algumas vezes caminhei até a praia para me sentar junto ao mar, mas também isso parei de fazer, depois de um tempo. A natureza não proporcionava alívio. O mundo acabava ali. Eu não poderia ir para nenhum outro lugar que não fosse eu.” (EUGENIDES, p. 513, 2014)
Iniciei a leitura de “Middlesex” com muita expectativa: não só a premissa era interessantíssima, como o livro recebeu o Prêmio Pulitzer e é assinado por um autor com quem tive duas experiências positivas (umas das quais elegi como uma das minhas cinco melhores leituras de 2013). A última coisa que eu esperava era me decepcionar.
Calíope Stephanides é hoje Cal, um homem de 41 anos, mas quando nasceu, ele era Callie. Hermafrodita, foi criado como menina até a adolescência, depois passou o resto da vida como homem, tendo a ambiguidade sempre presente em suas vivências.
O livro é narrado em primeira pessoa por Calíope, cuja intenção é relatar a sua vida. Mas o protagonista tem uma visão inusitada sobre o assunto já que, para ele, sua existência não começa com o seu nascimento e sim com o envolvimento dos seus avós (que eram irmãos), posteriormente o de seus pais (que eram primos) já que é a consanguinidade a responsável por carregar uma mutação genética que irá culminar na sua condição. Por isso, o personagem volta ao tempo em que seus avós moravam na Grécia e nos conta toda a jornada de sua família. Por um lado, isso faz de Calíope um narrador interessante (nem testemunha, nem protagonista), já que conta uma história que é dele e ao mesmo tempo não é. Muito do que envolve seus avós e pais não foi, obviamente, presenciado por ele, mas é como se ele soubesse de tudo em primeira mão, afinal, aqueles acontecimentos são parte intrínseca dele.
O problema é que Eugenides gasta muito tempo nesses eventos, dedicando as primeiras 200 páginas do seu romance a uma história de pouca importância. Assim, quando se chega de fato a Calíope (com seus questionamentos da adolescência e sua estranheza com relação ao próprio corpo) já se está cansado da leitura que, mesmo não sendo enfadonha em nenhum momento, parece nunca entregar o prometido.
Para mim, o interessante em “Middlesex” era ver as confusões dos pensamentos e sentimentos de Calíope, suas inadequações, suas dúvidas e, em especial, a maneira como encarava a sua condição e as escolhas que ser hermafrodita o obrigou a fazer. Por isso, me frustrou não ver Eugenides explorar o que havia de mais especial em seu livro (a singularidade do seu narrador – afinal, com que frequência vemos personagens hermafroditas na literatura?) para focar em coisas que vemos em milhares de livros (como a jornada de imigrantes e o impacto da guerra nas famílias).
Também me incomodou saber pouco sobre a vida de Calíope enquanto homem adulto e constatar a facilidade com que o personagem aceitou que, ao invés de ser uma menina (como havia acreditado ser a vida inteira), deveria ser um homem. Nessa fase, seu comportamento me parece condizente com o de qualquer adolescente que perdeu o rumo, o que reforça como a trama insiste em focar em coisas corriqueiras e não na singularidade do seu personagem.
É claro que o livro tem seus aspectos positivos. O primeiro deles é o fato de ser despido de preconceitos. Gêneros perdem totalmente a importância e até mesmo assuntos espinhosos como incesto são colocados sob outra perspectiva. A narrativa de Eugenides também merece destaque: sempre fluída, muitas vezes reflexiva, outras tantas exagerada e bem humorada, mas sempre interessante.
“Middlesex” coloca em pauta um tema interessante, mas parece esquecer de discuti-lo. Está longe de ser um livro ruim, mas foi subaproveitado. Ainda assim, espero ansiosa o próximo lançamento de Jeffrey Eugenides.
Autor: Jeffrey Eugenides
N° de páginas: 574
Editora: Companhia das Letras
16 comentários:
Oi, Mari!
Realmente o tema do livro é algo que dava pra ser bem explorado. Pena que o autor não soube fazer isso...
Beijos
Balaio de Babados
Porcelana - Financiamento Coletivo
É uma pena que você não adorou o livro. Quando isso acontece comigo, não vejo a hora de terminá-lo.
A sinopse dele me chamou atenção, gostei e fui descendo pra ler a resenha.. Não sei se seria uma das mi hás leituras, confesso. Mas é um tema que, se bem aproveitado, daria um bom livro.
Bom dia !
Não conhecia o livro, Mari... O tema é mesmo muito interessante, mas os pontos negativos que você apontou me deixam com um pé atrás. Ainda assim acho que leria. Ótima resenha.
Abraços!
http://constantesevariaveis.blogspot.com.br/
Oi Mari! Não conhecia o livro e confesso que ele não faz muito meu estilo, então não leria mesmo. Mas que pena que você se decepcionou *_*
Beijos
http://resenhaatual.blogspot.com.br/
Não fiquei com muita vontade de ler esse livro..
Não conhecia o livro, achei que seria incrível pela capa, mas vendo a resenha acho mesmo que o livro é mal escrito e decepcionante
Parabéns pela resenha Mari. Que pena que o livro não conseguiu te agradar por completo. Já li Middlesex e curti bastante. Beijo!
www.newsnessa.com
Olá!
Nunca tinha ouvido falar desse livro, mas achei o enredo tão diferente e , ao mesmo tempo, cheio de temas polêmicos. Temas esses que dão um leque de informações para o autor criar uma narrativa incrível.
É uma pena que o Jeffrey Eugenides não agradou nesse livro.
Abraço!
http://tudoonlinevirtual.blogspot.com.br/
Olá, Mari.
Estava curioso em relação ao livro, mas fiquei desanimado ao saber que o autor gasta muito tempo desbravando outras questões, como a história dos seus avós e seus pais, ao invés de abordar seus dilemas. Assim como você esperava, eu também imaginava um livro voltado apenas para o questionamento interno do protagonista. Uma pena que não é assim.
Desbravador de Mundos - Participe do top comentarista de abril. Serão três vencedores!
Oie...
Você me desanimou MUITO!
Já conhecia esse livro e assim como você, havia me interessado muito pela sinopse e o prêmio também fez meeus olhos brilharem rsrs... Mas, seus pontos negativos me fez desanimar da leitura :(
Bjo
Te indiquei ao Prêmio Dardos Bloggers... Dá uma passadinha no blog e entenda...
http://coisasdediane.blogspot.com.br/
Oie Mari =)
Uma pena que a leitura não flui como você esperava. Confesso que só conhecia o livro pela capa, mas ela nunca tinha me chamado a atenção. Pelo menos apesar dos pesares você conseguiu encontrar alguns pontos positivos na história.
Espero que sua próxima leitura seja mais proveitosa ^^
Beijos;***
Ane Reis.
mydearlibrary | Livros, divagações e outras histórias...
@mydearlibrary
Oi Mari!
Não conhecia a história, e depois da sua resenha o desanimo começou a reinar no meu conceito. Mas caso surge a oportunidade não deixarei conferir os pontos positivos que você encontrou!
Beijos:)
http://manhemedaumlivro.blogspot.com.br/
Comprei esse livro recentemente, mas ainda não tive tempo de lê-lo!
Fiquei um pouco desanimada com a sua resenha, sobre o quão arrastado o inicio é e como a vida dele adulta é pouco abordada :(
Beijos,
Giulia | www.1livro1filme.com.br
Oi, Mari!!
Também acho o tema muito interessante porque não compreendemos de fato o que se passa na cabeça de alguém que achava ser algo e depois se descobre ser outra coisa.
Uma pena que o assunto não foi tão bem aproveitado quanto deveria. Perco até a vontade de ler, mas buscarei outras obras do autor que você gostou tanto.
Bjs
livrosontemhojeesempre.blogspot.com.br
Oi Mari...
Minha nossa esse livro tinha tudo para ser O livro, uma pena que o autor não soube desenvolver.
Interessante o relacionamento de incesto familiar, e a relação de uma pessoa que cresce achando que é algo, para depois descobrir que não é e não tem um género definido.
Não vou me arriscar nessa leitura.
Boa Tarde.
eu nunca li nada do Eugenides, mas sendo ganhador do prêmio pulitizer já cria enormes expectativas e isso para mim normalmente é um problema pq o livro as vezes é bom, mas você espera algo mais ai se frusta
concordo que é um tema que deve ser discutido não só a questão do personagem, mas a questão de gêneros
bom, pelo menos se eu for ler, vou tentar vencer as primeiras páginas
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