sábado, 9 de abril de 2016

RESENHA: Middlesex

“Algumas vezes caminhei até a praia para me sentar junto ao mar, mas também isso parei de fazer, depois de um tempo. A natureza não proporcionava alívio. O mundo acabava ali. Eu não poderia ir para nenhum outro lugar que não fosse eu.” (EUGENIDES, p. 513, 2014)

Iniciei a leitura de “Middlesex” com muita expectativa: não só a premissa era interessantíssima, como o livro recebeu o Prêmio Pulitzer e é assinado por um autor com quem tive duas experiências positivas (umas das quais elegi como uma das minhas cinco melhores leituras de 2013). A última coisa que eu esperava era me decepcionar.

Calíope Stephanides é hoje Cal, um homem de 41 anos, mas quando nasceu, ele era Callie. Hermafrodita, foi criado como menina até a adolescência, depois passou o resto da vida como homem, tendo a ambiguidade sempre presente em suas vivências.

O livro é narrado em primeira pessoa por Calíope, cuja intenção é relatar a sua vida. Mas o protagonista tem uma visão inusitada sobre o assunto já que, para ele, sua existência não começa com o seu nascimento e sim com o envolvimento dos seus avós (que eram irmãos), posteriormente o de seus pais (que eram primos) já que é a consanguinidade a responsável por carregar uma mutação genética que irá culminar na sua condição. Por isso, o personagem volta ao tempo em que seus avós moravam na Grécia e nos conta toda a jornada de sua família. Por um lado, isso faz de Calíope um narrador interessante (nem testemunha, nem protagonista), já que conta uma história que é dele e ao mesmo tempo não é. Muito do que envolve seus avós e pais não foi, obviamente, presenciado por ele, mas é como se ele soubesse de tudo em primeira mão, afinal, aqueles acontecimentos são parte intrínseca dele.

O problema é que Eugenides gasta muito tempo nesses eventos, dedicando as primeiras 200 páginas do seu romance a uma história de pouca importância. Assim, quando se chega de fato a Calíope (com seus questionamentos da adolescência e sua estranheza com relação ao próprio corpo) já se está cansado da leitura que, mesmo não sendo enfadonha em nenhum momento, parece nunca entregar o prometido.

Para mim, o interessante em “Middlesex” era ver as confusões dos pensamentos e sentimentos de Calíope, suas inadequações, suas dúvidas e, em especial, a maneira como encarava a sua condição e as escolhas que ser hermafrodita o obrigou a fazer. Por isso, me frustrou não ver Eugenides explorar o que havia de mais especial em seu livro (a singularidade do seu narrador – afinal, com que frequência vemos personagens hermafroditas na literatura?) para focar em coisas que vemos em milhares de livros (como a jornada de imigrantes e o impacto da guerra nas famílias).

Também me incomodou saber pouco sobre a vida de Calíope enquanto homem adulto e constatar a facilidade com que o personagem aceitou que, ao invés de ser uma menina (como havia acreditado ser a vida inteira), deveria ser um homem. Nessa fase, seu comportamento me parece condizente com o de qualquer adolescente que perdeu o rumo, o que reforça como a trama insiste em focar em coisas corriqueiras e não na singularidade do seu personagem.

É claro que o livro tem seus aspectos positivos. O primeiro deles é o fato de ser despido de preconceitos. Gêneros perdem totalmente a importância e até mesmo assuntos espinhosos como incesto são colocados sob outra perspectiva. A narrativa de Eugenides também merece destaque: sempre fluída, muitas vezes reflexiva, outras tantas exagerada e bem humorada, mas sempre interessante.

“Middlesex” coloca em pauta um tema interessante, mas parece esquecer de discuti-lo. Está longe de ser um livro ruim, mas foi subaproveitado. Ainda assim, espero ansiosa o próximo lançamento de Jeffrey Eugenides.

Título: Middlesex (exemplar cedido pela editora)
Autor: Jeffrey Eugenides
N° de páginas: 574
Editora: Companhia das Letras

16 comentários:

Luiza Helena Vieira disse...

Oi, Mari!
Realmente o tema do livro é algo que dava pra ser bem explorado. Pena que o autor não soube fazer isso...
Beijos
Balaio de Babados
Porcelana - Financiamento Coletivo

Bruna Lago disse...

É uma pena que você não adorou o livro. Quando isso acontece comigo, não vejo a hora de terminá-lo.
A sinopse dele me chamou atenção, gostei e fui descendo pra ler a resenha.. Não sei se seria uma das mi hás leituras, confesso. Mas é um tema que, se bem aproveitado, daria um bom livro.
Bom dia !

Gabriela CZ disse...

Não conhecia o livro, Mari... O tema é mesmo muito interessante, mas os pontos negativos que você apontou me deixam com um pé atrás. Ainda assim acho que leria. Ótima resenha.

Abraços!
http://constantesevariaveis.blogspot.com.br/

Sarah Fernandes disse...

Oi Mari! Não conhecia o livro e confesso que ele não faz muito meu estilo, então não leria mesmo. Mas que pena que você se decepcionou *_*

Beijos
http://resenhaatual.blogspot.com.br/

Theresa Cavalcanti disse...

Não fiquei com muita vontade de ler esse livro..

Maria Fernanda Pinheiro disse...

Não conhecia o livro, achei que seria incrível pela capa, mas vendo a resenha acho mesmo que o livro é mal escrito e decepcionante

Vanessa Vieira disse...

Parabéns pela resenha Mari. Que pena que o livro não conseguiu te agradar por completo. Já li Middlesex e curti bastante. Beijo!

www.newsnessa.com

Sávio França disse...

Olá!
Nunca tinha ouvido falar desse livro, mas achei o enredo tão diferente e , ao mesmo tempo, cheio de temas polêmicos. Temas esses que dão um leque de informações para o autor criar uma narrativa incrível.
É uma pena que o Jeffrey Eugenides não agradou nesse livro.

Abraço!
http://tudoonlinevirtual.blogspot.com.br/

DESBRAVADORES DE LIVROS disse...

Olá, Mari.
Estava curioso em relação ao livro, mas fiquei desanimado ao saber que o autor gasta muito tempo desbravando outras questões, como a história dos seus avós e seus pais, ao invés de abordar seus dilemas. Assim como você esperava, eu também imaginava um livro voltado apenas para o questionamento interno do protagonista. Uma pena que não é assim.

Desbravador de Mundos - Participe do top comentarista de abril. Serão três vencedores!

Diane disse...

Oie...
Você me desanimou MUITO!
Já conhecia esse livro e assim como você, havia me interessado muito pela sinopse e o prêmio também fez meeus olhos brilharem rsrs... Mas, seus pontos negativos me fez desanimar da leitura :(
Bjo

Te indiquei ao Prêmio Dardos Bloggers... Dá uma passadinha no blog e entenda...

http://coisasdediane.blogspot.com.br/

Ariane Gisele Reis disse...

Oie Mari =)

Uma pena que a leitura não flui como você esperava. Confesso que só conhecia o livro pela capa, mas ela nunca tinha me chamado a atenção. Pelo menos apesar dos pesares você conseguiu encontrar alguns pontos positivos na história.

Espero que sua próxima leitura seja mais proveitosa ^^

Beijos;***

Ane Reis.
mydearlibrary | Livros, divagações e outras histórias...
@mydearlibrary


Unknown disse...

Oi Mari!
Não conhecia a história, e depois da sua resenha o desanimo começou a reinar no meu conceito. Mas caso surge a oportunidade não deixarei conferir os pontos positivos que você encontrou!

Beijos:)
http://manhemedaumlivro.blogspot.com.br/

x disse...

Comprei esse livro recentemente, mas ainda não tive tempo de lê-lo!
Fiquei um pouco desanimada com a sua resenha, sobre o quão arrastado o inicio é e como a vida dele adulta é pouco abordada :(

Beijos,
Giulia | www.1livro1filme.com.br

Carolina Garcia disse...

Oi, Mari!!

Também acho o tema muito interessante porque não compreendemos de fato o que se passa na cabeça de alguém que achava ser algo e depois se descobre ser outra coisa.

Uma pena que o assunto não foi tão bem aproveitado quanto deveria. Perco até a vontade de ler, mas buscarei outras obras do autor que você gostou tanto.

Bjs

livrosontemhojeesempre.blogspot.com.br

Maah disse...

Oi Mari...

Minha nossa esse livro tinha tudo para ser O livro, uma pena que o autor não soube desenvolver.
Interessante o relacionamento de incesto familiar, e a relação de uma pessoa que cresce achando que é algo, para depois descobrir que não é e não tem um género definido.
Não vou me arriscar nessa leitura.
Boa Tarde.

Mariana disse...

eu nunca li nada do Eugenides, mas sendo ganhador do prêmio pulitizer já cria enormes expectativas e isso para mim normalmente é um problema pq o livro as vezes é bom, mas você espera algo mais ai se frusta
concordo que é um tema que deve ser discutido não só a questão do personagem, mas a questão de gêneros
bom, pelo menos se eu for ler, vou tentar vencer as primeiras páginas

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