quinta-feira, 20 de outubro de 2016

RESENHA: Vertigo - Um Corpo que Cai

“Fazia-lhe bem esquecer um pouco Madeleine; compreendeu, vagando ao redor da Opéra, que ela exercia sobre ele uma estranha influência; absorvia, literalmente, todas as suas forças; ele representava, junto a ela, não o papel de um doador de sangue, mas de certo modo, de um doador de alma. E a prova disso era que sentia necessidade, quando sozinho, de voltar a mergulhar no rio humano para recuperar as energias perdidas. Então não pensava em mais nada; simplesmente, de vez em quando, cogitava que talvez tivesse a sorte de sobreviver.” (BOILEAU-NARCEJAC, 2016, p. 61)

Já falei várias vezes sobre como sou fã de Alfred Hitchcock, então não é difícil imaginar a minha empolgação com a coleção da editora Vestígio dedicada a livros que inspiraram filmes do mestre do suspense (livros estes que, em sua maioria, eram verdadeiras raridades), ainda mais que um dos primeiros a ser lançado foi justamente aquele que inspirou o meu filme favorito do diretor. 

Aposentado da polícia após um evento traumático, o detetive Flavières aceita o pedido de um ex-colega de faculdade para que siga sua esposa Madeleine que vem se comportando de maneira estranha e preocupante. Logo Flavières se apaixona por ela, mas isso não elimina em nada o mistério que cerca Madeleine.

Embora Flavières seja o protagonista, o cerne da história se concentra em Madeleine, mas ela demora a entrar em cena, intensificando o mistério que a envolve. Isso porque a narrativa em terceira pessoa nos coloca ao lado de Flavières que cria toda uma imagem sobre esta mulher antes mesmo de a conhece-la.

Enquanto Madeleine permanece um enigma, temos tempo de conhecer Flavières e testemunharmos sua obsessão tomar forma. Vemos este homem vazio ir se preenchendo desta mulher, mesmo tendo consciência de que o que sente é, além de inútil, ridículo, mas sem conseguir evitar. Além disso, Flavières se envolve pessoalmente no seja lá qual for o drama de Madeleine, o que aumenta os riscos para ele. Há um perigo pairando sobre ela e, consequentemente, há um perigo pairando sobre ele por estar se envolvendo com ela. Esse sentimento de urgência, esse desespero que Flavières sente por Madeleine, é transmitido habilmente pela narrativa que contamina o leitor com o mesmo desespero. Eu sentia meus olhos passarem quase voando pelas páginas, querendo devorar a história o mais rápido possível, angustiada para ver as coisas acontecerem, mesmo já sabendo basicamente o que iria acontecer.

Aliás, é interessante observar que a sensação de perigo é constante em “Vertigo”, mas que a pergunta que move o suspense muda de acordo com a fase da narrativa. Na primeira parte, queremos saber o que está acontecendo com Madeleine e onde isso a levará. Na segunda, isso já não é relevante, dando espaço a outros questionamentos. Já não sabemos se podemos acreditar na percepção de Flavières e esse se torna o suspense: o que ele acredita é, de fato, o que está acontecendo? Diga-se de passagem que o livro e o filme adotam abordagens diferentes nesse aspecto. Algo com o qual Boileau-Narcejac brincam durante toda a segunda parte, abrindo o jogo para o leitor apenas nas últimas 10 páginas, Hitchcock já esclarece na primeira oportunidade, escolhendo focar o suspense em outro ponto. Ambas abordagens funcionam, mas para mim, a do filme teve mais apelo.

Outra coisa na qual o filme é melhor sucedido é em tornar carismáticos os personagens. No livro, Flavières se torna obsessivo desde as primeiras vezes em que vê Madeleine. Já no filme, o personagem de James Stewart é apenas um homem que foi pego em uma situação misteriosa e se apaixonou pela mulher errada, ficando obsessivo mais tarde em outras circunstâncias. No geral, o filme é sim bastante fiel ao livro, em especial na primeira parte. Na segunda, embora os acontecimentos sejam basicamente os mesmos, o enfoque e o desfecho são diferentes.

Minha única ressalva ao livro diz respeito à segunda parte que espicha demais uma determinada fase (que, embora importante, acaba ficando um pouco repetitiva) e desenrolando rápido demais o momento em que todas as peças se encaixam. Quando o leitor percebe, a história já terminou. Isso até guarda uma certa relação com o sentimento do próprio protagonista e não chega a comprometer o resultado final do livro, mas eu acredito que teria funcionado melhor se houvesse um equilíbrio.

Algo que me deixou surpresa foi a dinâmica da dupla de autores Pierre Boileau e Thomas Narcejac: enquanto um é responsável por definir os eventos da trama, o outro é responsável pelo texto em si, algo que se repete em todas as suas parcerias literárias. Tendo “Vertigo” como base, funciona e muito bem, por mais estranho que pareça.

Fiz questão de diminuir as minhas expectativas, afinal Hitchcock sempre foi hábil em extrair o melhor das histórias nas quais se inspirava, então um excelente filme nunca foi necessariamente sinônimo de um excelente livro. Eis que eu não precisava ter me preocupado. “Vertigo – o livro” é magnífico. Uma história de amor obsessiva que dá forma a um suspense psicológico de primeira. Que venham mais livros da Coleção Hitchcock. Que venham mais livros da dupla Boileau-Narcejac.

Título: Vertigo – Um Corpo que Cai
Autores: Boileau-Narcejac
N° de páginas: 188
Editora: Vestígio

19 comentários:

Unknown disse...

Oláa Mari!!!
Olha não sei muito o que dizer sobre o livro pois entendi pouco aqui e o motivo é bem simples,é um livro com uma historia muito complexa e só eu lendo o livro para entender realmente, eu também reparei também que a historia do livro é muito complexa, deixo essa opinião pra quando eu realmente ler o livro e tirar as próprias conclusões.

Luiza Helena Vieira disse...

Oi, Mari!
Confesso que acho que não conhecia esse livro e nem o filme, mas lerias porque ele é bem curtinho.
Beijos
Balaio de Babados
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Naty Araújo disse...

Oi, Mari.
Fiquei feliz em ver tua resenha por aqui desse livro. Eu resenhei lá no blog e você se interessou, disse que leria e fez.
Com certeza o livro é magnífico e merece todos os elogios.
Concordo com vc, embora não tenha visto o filme, mas já ouvi comentários sobre isso.

Adorei.
Beijos,
Naty

Naty Araújo disse...

Oi, Mari.
Fiquei feliz em ver tua resenha por aqui desse livro. Eu resenhei lá no blog e você se interessou, disse que leria e fez.
Com certeza o livro é magnífico e merece todos os elogios.
Concordo com vc, embora não tenha visto o filme, mas já ouvi comentários sobre isso.

Adorei.
Beijos,
Naty

Ju disse...

Oi Mari, sabe que eu nunca vi um filme de Hitchcock? Não me orgulho disso, já que o cara é super respeitado e elogiado. Mas sou meio medrosa e, bom, a fama dele é meio assustadora, pelo menos para quem nunca viu. rsrs
Além disso estou numa fase leve, meus livros são mais de romance e coisas gracinhas. rsrs Se bem que algo surpreendente cairia muito bem.
Achei interessante também transformar as histórias dos filmes em livros, para o bom leitor, vale muito conferir.

Beijos

Gabriela CZ disse...

Mesmo que ainda não tenha conseguido colocar em pratica meu projeto pessoal de ver os filmes de Hitchcock gostei muito da premissa dessa coleção, Mari. E a trama desse livro me instigou bastante também. Agora quero conferir os dois, livro e filme. Ótima resenha.

Beijos!

Cristiane Dornelas disse...

Nossa, mas como queria ler! Filme nunca vi e essa história do livro parece ser tão boa de acompanhar. A coisa das fases é o que mais gostei. Parece que não te deixa enjoado com uma questão só, ele vai levantando outras perguntas e a cada hora tem mais coisa para absorver. Acho que assim não perde a graça e deve ser meio viciante de ler porque a gente quer saber onde aquilo vai dar.
Iria adorar essa leitura.

RUDYNALVA disse...

Mari!
Realmente é fantástica a ideia da editora em lançar ou relançar os livros que Hitchcock abrilhantou através dos filmes.
Não li Vertigo ainda, embora já tenha assistido o filme e fiquei feliz em saber que de certa forma, é um pouco fiel ao livro.
Os filmes por vezes tem maior apelo para os apreciadores, por causa dos atores, cenários e música, mas nada como ler um bom livro, né?
“Com a sabedoria aprendemos a ser tolerantes.” (Henry David Thoreau)
cheirinhos
Rudy
http://rudynalva-alegriadevivereamaroquebom.blogspot.com.br/
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Na Nossa Estante disse...

Oi Mari,

De fato um excelente filme nem sempre tem um bom livro, ou vice-versa rsrsrs. Eu não li ainda, nem vi o longa, mas o filme está na minha lista. Bom saber que ao menos no longa os personagens são mais carismáticos.

Bjs, Mi

O que tem na nossa estante

Alice Duarte disse...

Oiii Mari

Confesso que fica difícil imaginar algo além do mito Hitchcock, sempre penso que não estará à altura dele, mas fico surpresa e muito feliz em saber que sim, o livro tb vale a pena. Por agora tenho um montão de leituras pendentes então fica impossível abrir uma brecha pra conferir mas te confesso que ler a sua resenha me deixou com vontade de conferir algum filme do Hitch...quem sabe eu faça isso ainda essa semana.

beijos

unbloglitteraire.blogspot.com.ar

Caverna Literária disse...

Que resenha espetacular, Mari! Bem completa e detalhada. Eu já ouvi falarem bastante de Um corpo que cai, mas até hoje não tive oportunidade de conferir o livro nem o filme. Depois de tantos elogios na sua resenha, a dica tá anotada!

xx Carol
http://caverna-literaria.blogspot.com.br/

Carolina Garcia disse...

Oi, Mari!!

Adorei a resenha! Acho que esses livros clássicos são um achado que as editoras tem que voltar a publicar sim!!!
Eu sou muito fã de ficção científica e tem alguns livros que queria muito que tivesse no Brasil, sabe? Mas como esse gênero não vende tanto, é bem difícil de chegar. Graças pela Aleph que está publicando vários.
Mas o que quero dizer é que compreendo perfeitamente o que sentiu.
E espero que venha muitos outros!!! Vou adicionar os títulos na minha lista também para checar futuramente.

Bjs

http://livrosontemhojeesempre.blogspot.com.br

-Lunii † disse...

Oie,
Cara, que resenha maravilhosa, me deixou muito empolgada para ler.
Eu com certeza vou dar uma procurada.

Adriana Holanda Tavares disse...

Falando bem honestamente eu não conheço muito sobre a obra de Alfred Hitchcok, para mim sempre foi algo bem distante já que eu não assistia muito aos seus filmes, só conheço mesmo o Psicose. Mas confesso que fiquei bem curiosa em lê-lo, prefiro mil vezes a leitura. Agora necessito dessas obras!

Márcia Saltão disse...

Olá.
Já assisti o filme, mas faz muito tempo e em uma época que eu não admirava e compreendia bem a arte. Pretendo rever. Mas sei que Hitchocock é sinônimo de suspense e seus clássicos são imperdíveis. Claro que preciso dessa série! As capas são maravilhosas. Estou ansiosa para fazer a leitura.
Resenha perfeita. Obrigada.
Beijos.

Eduarda Rozemberg disse...

Pelo jeito vocês aqui do blog gostam bastante de literatura policial, hein? Tenho visto bastante resenhas sobre aqui. Mas que legal que você se empolgou com essa edição, é muito bom quando lança algo que realmente gostamos. Mas é uma pena que o filme seja melhor sucedido em alguns pontos. Não conhecia a história e gostei de conhecer.
Um abraço!

http://paragrafosetravessoes.blogspot.com.br/

Unknown disse...

Nunca li nada do Alfred Hitchcock e essa resenha me deixou muito curiosa. Estou super ansiosa para ler algo do ator. Obrigada por mais essa dica maravilhosa. Beijos!

Gêmea Má disse...

Oi!!! Preciso confessar que eu não vi esse filme hehehehe E também não li o livro. Sei que são ótimas obras, mas eu normalmente me inclino mais na direção do fantasia do que do terror.

Ana I. J. Mercury disse...

Não conheci o livro nem o filme, mas achei bem bacana esse, totalmente diferente do que costumo ler, o que me deixou com bastante curiosidade kkkk vou anotar aqui e assim que der, lerei. Ou verei o filme, pra saber se entendo bem kkkk
bjs

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