“Hester olhou para agradar à criança; e viu que, devido ao efeito peculiar daquele espelho convexo, a letra escarlate era representada em proporções exageradas e gigantescas, de modo a ser a característica mais proeminente de sua aparência. Na verdade, ela parecia estar totalmente oculta pela letra.” (HAWTHORNE, 2017, p.112)
Depois de ouvir milhares de referências a “A Letra Escarlate” - em outros livros, em filmes ou mesmo séries de TV - há anos eu tinha curiosidade de conferir esse clássico. Esse ano ele finalmente retornou ao catálogo da editora Martin Claret.
Em Boston, século XVII, em meio a uma sociedade puritana na qual o casamento era uma das mais sagradas instituições, Hester Prynne trai seu marido. Mesmo que ausente há anos e dado como morto, isso não justifica o pecado de Hester que, como punição para o seu crime, é condenada a viver com a letra “A”, de adúltera, bordada em suas vestes para o resto da vida.
O episódio central da trama poderia tornar “A Letra Escarlate” um livro ultrapassado, mas ele se torna extremamente atual quando observamos que ainda vivemos em uma sociedade machista, na qual pesos e medidas muitas vezes são diferentes para homens e mulheres.
Apesar de a sociedade transformar Hester em uma pária, podemos considerar a história feminista, já que mostra não apenas a força da personagem, mas também seu renascimento diante do que lhe acontece.
Nas primeiras páginas, quando Hester é escoltada da prisão e levada a ficar em praça pública, usando a letra “A” para que todos possam testemunhar a sua punição (por muitos considerada leviana, acreditando que seria mais adequado queimar a letra “A” em sua pele ou mesmo condená-la à morte), o que vemos é uma mulher de cabeça erguida, preocupada apenas em proteger sua filha recém nascida - o símbolo em carne e osso do seu pecado. Apesar da humilhação, Hester se mantém firme e em nenhum momento se arrepende de seus atos, tendo inclusive a coragem de guardar em segredo o nome de seu amante, o homem que deveria dividir com ela a punição pelo crime de ambos. Hester ainda se mantém firme diante do retorno do marido, que reaparece adotando um novo nome a fim de se manter na comunidade para descobrir quem fora o amante da esposa.
Apesar de ter a intenção de punir Hester, o que a letra escarlate faz é proporcionar à mulher a chance de se transformar em uma pessoa melhor, o oposto do que acontece com seu ex-marido e seu amante (cuja identidade é revelada para o leitor, porém permanece em segredo para a sociedade até as últimas páginas). Excluída da comunidade, Hester passa a viver praticamente isolada, mas em nenhum momento se torna amarga e rancorosa, pelo contrário. É preciso levar em consideração ainda que Hester só é uma criminosa naquela comunidade, mas que poderia escolher recomeçar em qualquer outro lugar onde ninguém teria conhecimento do seu crime. Porém encarar sua punição com coragem é o que a permite refazer sua vida. Por outro lado, é encarar com covardia que faz com que seu amante definhe aos poucos.
O livro é repleto de simbolismos (como mostra o quote dessa resenha) que podemos ver até mesmo no nome da filha de Hester: Pérola. A menina é a luz da vida da mãe, mesmo que seja o lembrete diário de seu pecado, sua punição capaz de ver e falar. Pérola é banhada pelo sol, enquanto Hester parece sempre condenada a ficar na penumbra. O certo e o errado, o santo e o pecador, a coragem e a covardia, o perdão e o rancor são as dualidades em cima das quais a trama se constrói.
Porém, por mais interessantes que – em tese - sejam os simbolismos e o desenvolvimento psicológico de personagens atormentados pelos erros do passado ou pelo desejo de vingança, nesse caso eles tornaram o livro um tanto enfadonho. Mesmo se tratando de um livro curto, não consegui ler no meu prazo usual, pois em vários momentos interrompi a leitura desanimada já que as divagações e floreios são muitos, principalmente diante de acontecimentos escassos. Talvez isso se deva, em parte, a essa tradução (já comentei como acredito que a tradução influencia e muito a experiência do leitor), pois já li outras resenhas, de outras edições, salientarem que o livro é ágil, mesmo em se tratando de um clássico. Porém, não foi a experiência que eu tive.
“A Letra Escarlate” mostra a jornada de uma personagem forte, quando tudo ao seu redor estava contra ela. É um daqueles livros sobre os quais todos ouvimos falar e que, portanto, merece a leitura, mas não chega a ser uma obra cativante.
O livro já recebeu inúmeras adaptações para teatro e cinema, sendo a mais recente de 1995 com Demi Moore, Gary Oldman e Robert Duvall nos papéis principais.
Autor: Nathaniel Hawthorne
N° de páginas: 271
Editora: Martin Claret
Exemplar cedido pela editora
13 comentários:
Tenho bastante vontade de ler A Letra Escarlate pelo mesmo motivo que você, Mari. São inúmeras referências em diversas obras, além de incontáveis elogios por todo lado. Seus comentários sobre a força da personagem só aumentaram meu interesse no livro. Porém, acho que vou procurar outra edição, com uma tradução diferente. Ótima resenha.
Beijos!
Olá.
Parabéns pela resenha, excelente!
Creio nunca ter assistido o filme, o que já é um erro. Mas pretendo! Quanto ao livro, gostei da premissa e por tudo que você comentou, parece ser uma leitura agradável, mas creio que irei procurar um livro com outra tradução, já que essa, como você citou, por partes é desanimadora e cansativa.
Obrigada pela dica.
Beijos.
Oi! Não tinha conhecimento da obra e me parece uma trama bem interessante. Uma mulher que batalha sozinha pelo "seu pecado", sua filha. E no caso mostra a coragem dela assumir sozinha essa responsabilidade. Parabéns pela resenha! Bjos <3
Click Literário
Oi, Mari!!
Ainda não li esse livro mais já ele sendo citados várias vezes em livros e também em filmes. Fiquei bem interessada na história e espero ler em breve esse livro.
Beijoss
Oi Mari
Eu também tenho essa curiosidade de ler "A letra escarlate"depois de ter visto tanta referencias sobre ele, mas ainda nâo tive oportunidade de ler.
Depois dessa resenha a minha vontade de ler apenas aumentou.
Amei a resenha
Meu mundinho quase perfeito
Oi Mari, tudo bem?
Li uma resenha esses dias sobre este livro, e fiquei extremamente curiosa para conhecer esta protagonista forte e sua história. Gosto muito de livros com protagonistas mulheres, e principalmente de histórias que se passam em outros períodos. Já entrou para minha lista de desejados.
Beijos
Oi, Mari!
Esse clássico só me lembra o filme Easy A e tenho muita vontade de ler por causa disso. Na verdade, ele já foi escolhido para um clube online que participo mas não consegui ler no prazo.
Beijos
Balaio de Babados
Sorteio Dois Anos de Família Hallinson
Mari!
É realmente um clássico que deve ser lido, primeiro para podermos entender como era a sociedade da época e depois, se houve algum aprendizado para a protagonista, torna a leitura mais crível e interessante.
Aqui no nordeste já teve caso de mulheres que foram 'ferradas' com brasa pelos maridos por ser adúlteras.
Que sua semana seja repleta de luz e paz!
“A amizade, depois da sabedoria, é a mais bela dádiva feita aos homens.” (François La Rochefoucauld)
Cheirinhos
Rudy
TOP COMENTARISTA DE MAIO 3 livros, 3 ganhadores, participem.
http://rudynalva-alegriadevivereamaroquebom.blogspot.com.br/
Gostei da capa, mas o enredo não chamou a minha atenção, mas se acontecesse de eu ganhar ou tiver algumas chance de ler eu daria sim uma chance.
Oi, tudo bem?
Eu não conhecia o livro, mais fiquei com muita vontade de lê-lo.
Parabéns pela resenha, ficou ótima.
Beijos :*
Literatura Por Amor
Top Comentarista
Esse livro apesar de se passar em uma outra época, ainda sim aborda temas tão atuais, porque até hoje algumas pessoas da sociedade, tem a opinião barbara de que a mulher quando comete algum erro ela tende a ficar marcada para sempre, e isso realmente acontece. Talvez essa trama por ter abordado tal tema me cativou e muito, mesmo notando que a leitura não e ágil, por algumas questões de tradução, ainda sim pretendo dar uma chance a leitura.
já tinha ouvido falar desse livro, mas não lembrava do enredo e lendo sua resenha fiquei louca para conferir a história dessa mulher que não baixou a cabeça para a sociedade preconceituosa nem se deixou corromper nem amargurar pelas dificuldades. E como vc mesma destacou essa obra continua atual já que os casos de preconceito e injustiças continuam acontecendo nos dias de hoje, principalmente pelas redes sociais.
É inacreditável como alguns temas podem ser tão old e tão new ao mesmo tempo, nesse caso em especial chega a ser um tanto quanto revoltante ao meu ver. Eu já havia ouvido falar desse livro por alto, mas não conheço ninguém que já o leu para saber opiniões. Achei extremamente interessante e pretendo ler algum dia sim!
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