sexta-feira, 30 de junho de 2017

E se Harry Potter fosse gay?

Conversa de Contracapa é coluna off topic do blog Além da Contracapa. Sem limitação temática, iremos explorar todo e qualquer assunto relacionado ao mundo da literatura. 

Na mesma semana em que comemoramos os vinte anos da publicação de Harry Potter e a Pedra Filosofal — o primeiro livro da saga do bruxinho mais amado da literatura — também celebramos o Dia Internacional do Orgulho LGBT. E então, não consegui evitar me perguntar: e se Harry fosse gay? E se Rony fosse bi? E se Hermione fosse lésbica?

A primeira e triste constatação que fiz é que a série, provavelmente, não teria feito tanto sucesso. Curiosamente, não imagino que a estória mudaria em sua essência, afinal, Harry ainda teria que destruir as Horcruxes com a ajuda de Rony e Hermione e, por fim, enfrentar Lord Voldemort. As lições sobre a importância da amizade e da integridade também permaneceriam as mesmas. Então, o que mudaria? Talvez o crush de Harry fosse Cedrico, e não Cho. Talvez Hermione fosse ao baile do Torneio Tribruxo acompanhada por Fleur em vez de Victor. Talvez Rony demorasse para perceber que a amizade que sentia por Harry era mais do que isso.

Harry Potter gay literatura lgbt diversidadeRepresentatividade LGBT

A segunda constatação que fiz é que há poucos livros de fantasia que contam com representatividade LGBT, sendo que o único exemplo que me vem à mente é a série Half Bad. A verdade é que a temática LGBT encontrou solo fértil na literatura young adult e posso citar livros como Will & Will, Selva de Gafanhotos, Dois Garotos se Beijando, Aristóteles e Dante Descobrem os Segredos do Universo e Fera como exemplo.

É desnecessário dizer que tais livros são fundamentais, pois auxiliam os jovens LGBT no processo de descobrimento e aceitação. Entretanto, mesmo sendo ótimo ver a popularização dessa temática em livros young adult, creio que precisamos ir além. Membros da comunidade LGBT estão em todos os lugares. Eles são nossos familiares, amigos, vizinhos e colegas de trabalho. Então, por que eles não são representados em todos os gêneros literários? Por que será que é tão incomum ver personagens LGBT na literatura fantástica, por exemplo? Ou em livros policiais e dramas?

Limitação temática

Minha terceira constatação diz respeito à limitação temática: se o protagonista do livro é LGBT, então necessariamente a estória irá girar em torno de assuntos como preconceito, aceitação, descobrimento da sexualidade, bullying, dramas familiares, entre outros. De certa forma, é natural que isso aconteça, afinal, estes problemas geralmente são enfrentados pelos membros da comunidade. Mas será que é só isso que personagens LGBT têm a oferecer? Será que não há outras estórias para serem contadas?

Devemos ter em mente que livros que abordem temas LGBT não são uma necessidade apenas para seus membros. A verdade é que o discurso de ódio voltado para gays, lésbicas, bissexuais e transexuais origina-se, geralmente, da ignorância. Então, a literatura que conta com representatividade LGBT também se propõe a discutir estes temas com o intuito de tornar a sociedade mais aberta, tolerante e compreensível. Porém, se a literatura que aborda esta temática é eminentemente voltada para o público LGBT, ela acaba se restringindo a um nicho e deixará de desenvolver o importante papel de conscientização.

diversidade literatura séries Livros x Séries

Quando comparamos a literatura com o mundo das séries, tenho a impressão que os livros estão ficando para trás. Nos idos de 1994, o seriado Friends já contava com duas personagens lésbicas. Dez anos depois foi a vez da inesquecível The O.C. desenvolver um romance entre a protagonista e outra mulher. De lá para cá, muitas outras séries, dos mais diversos gêneros, abordaram a temática LGBT como Glee, True Blood, Modern Family, Sense8, Looking, The 100, Please Like Me, Grace and Frankie, When We Rise, How To Get Away With Murder, entre outras. E, ao contrário do que vejo na literatura, as séries não se limitam a abordar os temas que são lugar comum para personagens LGBT.

Concluindo

Embora o mundo ainda esteja longe de ser perfeito quanto a questões de aceitação e respeito à comunidade LGBT, não se pode negar que o cenário tem mudado progressivamente, principalmente nas últimas duas décadas.  E creio que mudou em grande parte por causa da influência destes livros e séries. Inclusive, mesmo sem tratar abertamente do assunto, uma pesquisa apontou que crianças que leram a série Harry Potter tinham tendência a serem mais tolerantes com grupos minoritários, tema este que já discutimos aqui.

Talvez um livro juvenil de fantasia e aventura com personagens LGBT pudesse ser impensável há vinte anos, mas hoje não é mais. Então, onde estão as aventuras, os dramas, os thrillers e as ficções-científicas que abordam essa temática? Onde estão os livros que apresentam personagens LGBT e contam outras estórias, fugindo dos assuntos já batidos? A verdade é que a literatura com representatividade LGBT precisa dar o próximo passo.

14 comentários:

Márcia Saltão disse...

Oi, Alê!
Nunca parei para refletir sobre essa questão literária, mas concordo com suas palavras. Se há tanto empenho em quebrar preconceitos e esse tema deixar de ser visto como algo diferente, então é preciso mais seriedade pelos autores/ editoras e a temática LGBT ser tratada normalmente, dentro de um bom enredo literário.
Parabéns pelo texto.
Abraços.

Gabriela CZ disse...

Muitas coisas pra se pensar aqui, Alê. Infelizmente sou levada a concordar que se ao menos um do trio principal de Harry Potter fosse gay talvez a série não tivesse feito tanto sucesso. Até porque lembro que quando a JK Rowling revelou que Dumbledore era gay muita gente se revoltou. Além disso, a única presença de personagens LGBT em livros de fantasia que tenho conhecimento são das séries Instrumentos Mortais e Peças Infernais. Então em se for comparar, as séries de TV realmente estão bem a frente nesse quesito. E além das que você citou mencionaria Twin Peaks onde David Duchovny fez uma Agente do FBI trans, Buffy onde a melhor amiga da protagonista descobre sua homossexualidade durante seu amadurecimento, Party of Five, Battlestar Galactica, Person of Interest, Gotham... É, a lista é grande. Concordo que o que faz os livros com personagens LGBT terem um público menos "abrangente" seja acabar tendo como tema as dificuldades da comunidade LGBT, o que apesar de necessário deixa os livros com um certo caráter didático. Então sim, está na hora dos livros darem o próximo passo. Ótimo texto.

Beijos!

RUDYNALVA disse...

Alê!
É bem como falou... Os filmes estão bem mais adiantados do que os livros em relação atemática LGBT, talvez porque filmes sejam mais populares do que livros, nem todos se sentam para apreciar uma boa leitura diferenciada, mas muiros comem pipoca assistindo filmes.
Concordo quando diz que quando há livros no estilo, tem um tema bem restrito, rondando sempre pelos mesmos problemas que as pessoas passam e pelo preconceito, mas acredito que aos poucos isso vai mudar, como já vem mudando aos poucos...e espero que cheguemos em um momento onde poderemos falar abertamente sobre o tema relacionado a todos os assuntos, não apenas as dificuldades e preconceitos.
Desejo um final de semana de luz e paz!
“Quem já passou por essa vida e não viveu, pode ser mais, mas sabe menos do que eu...” (Vinicius de Moraes)
Cheirinhos
Rudy
TOP COMENTARISTA DE JULHO 3 livros, 3 ganhadores, participem.
http://rudynalva-alegriadevivereamaroquebom.blogspot.com.br/

Marta Izabel disse...

Oi, Alê!!
Parabéns pelo texto achei bem interessante você falar sobre o tema LGBT. Realmente temos poucos livros e que fale sobre tema e com relação as séries elas estão mas avançadas mesmo nesse assunto!!
Beijoss

Ana I. J. Mercury disse...

Que texto incrível e super realístico, Alê!
Parabéns por escreve-lo!!
Com certeza precisamos de mais personagens homossexuais nos livros e principalmente, em papéis destacáveis. Não sendo retratado apenas como gay , mas assim como o Harry, o Rony e a Hermione: como indispensáveis!
Amei mesmo a reflexão desse texto.
bjss

Raquel disse...

Oie!
Nunca parei pra pensar no que falou, sobre a história de Harry Potter ter sido abordada com personagens de gêneros ou orientações diferentes, também acho que não faria tanto sucesso, mas mais por causa da época em que foram lançadas. Acho que por ser um assunto "novo", os livros tem temas mais voltados pra aceitação, descobrimento e essas coisas, e em breve veremos muito mais histórias dos mais diferentes tipos, com pessoas LGBT :)

Beijinhos :D
http://tipsnconfessions.blogspot.com

Rackel disse...

Oi! Compartilho do mesmo pensamento, temos poucos livros com a temática e todos voltados para o preconceito. E tem certa carência de histórias de outros conteúdos para o tema LGBT. Bjos <3

Click Literário

Luiza Helena Vieira disse...

Oi, Alê!
Eu nunca parei pra pensar por esse lado e realmente faz sentido: se alguns dos protagonistas não fosse hétero, provavelmente não teria tanto sucesso.
Aqui no Brasil nem tanto, mas já vi várias fantasias lançadas lá fora que tem uma grande representatividade.
Beijos
Balaio de Babados

Felipe disse...

Oi Alê,
Realmente um questionamento super válido. Gostei do post!!
Blog Entrelinhas

Unknown disse...

Oie!

Bom, antigamente isso era diferente. Hoje que essa questão de liberdade de expressão está tomando mais proporção. Beijos,

www.estranhoscomoeu.com

Carolina Garcia disse...

Oi, Alê!!

Adorei seu post porque concordo com tudo o que está dizendo. E aumento a questão ainda porque eu já li e vi vários títulos tratando sobre gays e transexuais, mas nunca vi um sobre lésbicas ou bissexuais. Pode ser que eu sou a desinformada, mas dentro do LGBT acredito que alguns temas ganham mais espaço que outros.

E, não sei se gosta de ficção científica (adoro!!), mas Star Trek (conhecida como a clássica série Jornada nas Estrelas) - que foi produzida a partir de 1966 - tinha um personagem gay entre a equipe principal. Não era algo declarado publicamente, mas todos tinham suas dúvidas. Naquela época era algo difícil de falar. Mas quando produziram os novos filmes da saga declararam publicamente a homossexualidade do personagem, mostrando ele com o marido/parceiro e a filhinha em um momento de folga da nave.

Acho que a evolução já está acontecendo. Em alguns gêneros é mais fácil que outros, mas aos poucos a mudança vai acontecendo, né?
A Thalita Rebouças tem publicado uma série pela Arqueiro na qual o melhor amigo da protagonista é gay e, devido ao sucesso, esse amigo vai ganhar o próprio livro também.
O mesmo aconteceu em uma série de romance erótico que li onde um personagem abertamente gay foi sendo trabalhado como um secundário em alguns livros até que ganhou um grande espaço e teve o próprio livro. Conheci muitas mulheres héteros que me falaram que esse se tornou um dos favoritos da saga para elas.

Acredito que daqui algumas gerações as coisas vão ficando cada vez mais fáceis de se tornar comum ou o nosso famoso "normal".

Bjs!!

http://livrosontemhojeesempre.blogspot.com.br

Vitória Tinoco disse...

Oi Alê, amei a reflexão. Geralmente em minhas leituras, eu me proponho a pensar 'e se o personagem fosse lgbt?'até aparecer um companheiro do sexo oposto. Mais difícil ainda é achar personagens lésbicas, tenho poucos comigo como 'Os dois mundos de Astrid Jones' , 'Carol'que não são literatura fantástica o que é mais difícil ainda de encontrar.
Obrigada por trazer a reflexão à tona. Abraços

Livros que Li

Ariane Gisele Reis disse...

Oie Alê =)

A temática LGBT ganhou bastante espaço nos últimos anos, mas falta sim uma maior representatividade em alguns gêneros literários. Eu confesso que adoro quando leio um livro em que o autor ou a autora insere casais homoafetivos, por que o amor é lindo e ele não tem gênero.

Tenho esperança que no futuro isso vai ser tão comum que nem vamos ficar surpresos quando nos depararmos com isso nos livros que lemos.

Ah! Não sei se você já leu a série A Queda dos Reinos. Fica a dica ;)

Beijos;***
Ane Reis | Blog My Dear Library.

Caverna Literária disse...

Bom, ainda acho que lá no fundo o Harry é gay, então.. hahaha é triste ver como a orientação sexual de uma pessoa pode mudar totalmente um contexto né? No caso, a provável fama da série que não seria a mesma. Não devia ser assim. Adorei o post e a reflexão!

xx Carol
http://caverna-literaria.blogspot.com.br

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