Nos encontramos para celebrar a ocasião do nosso jeito. Diziam que a data era nossa. Halloween. A noite de bruxas, monstros e tudo mais. Mas o que é exatamente este “tudo mais”? E o que são monstros? O que são bruxas?
Foi Drácula quem teve a ideia. Afinal, ele sabia que seu castelo viraria ponto turístico para as crianças fascinadas pelas lendas e não estava com o menor espírito de ser assustador esse ano. Ele queria férias da sua própria reputação e todos nós compreendíamos isso.
Por isso, sugeri um barzinho próximo ao colégio, onde muitos dos garotos passavam as noites. Eu, claro, nunca tive a chance de ir lá porque os convites não se estendiam para mim e, mesmo que se estendessem, minha mãe jamais permitiria.
- Mas Carrie – perguntou Drácula – o bar não vai estar cheio? Não vai ficar todo mundo olhando para nós? Eu não estou no clima esse ano. Falo sério.
- A cidade está deserta desde....bom, você sabe desde o que.
- Desde o seu pequeno episódio depois do baile?
- Esse mesmo.
Drácula respirou fundo, visivelmente incomodado.
- Você passa a vida inteira fazendo tudo o que esperam de você e ninguém nota que você existe. Uma vez que você perde o controle e pronto. Você é definido por isto pelo resto da vida. Ou da morte, no meu caso.
- Você está mudando de assunto – salientou Frankenstein que, até então, pouco se manifestara sobre o nosso programa. Como sempre, uma criatura de poucas palavras.
- Vamos lá, pessoal – disse Carrie – eu sempre quis ser uma das meninas que ia no bar e nunca tive chance.
Antes que Drácula pudesse dizer qualquer coisa, o abraço que Frankenstein me deu eliminou qualquer possibilidade de irmos a outro lugar. Apesar de sua aparência, ele era mais sensível que muitos dos humanos com os quais eu havia me deparado, principalmente em meus tempos de colégio.
Foi só quando chegamos ao bar que percebi que Frankenstein andava de um jeito diferente do usual.
- Você está mancando, Frankens? O que aconteceu?
- Nada demais. Eu estava dormindo quando partiram para cima de mim. Quando acordei, vi que eram apenas crianças. Eu não podia fazer nada para me defender, sabe? Não consegui. Eram crianças.
- Elas atacaram você por nada? – perguntou Drácula incrédulo.
- Bom, eu não diria por nada – respondeu Frankenstein indicando sua própria aparência.
- Isso não é razão para agredirem você - retruquei.
- As pessoas tendem a agredir o que elas não entendem. Você ainda não sabe disso, Carrie?
Eu sabia, mas vinha tentando esquecer.
- Mas não é certo – disse, sabendo eu mesma da inocência da minha resposta.
- Certo não tem nada a ver com isso – disse Drácula - Não é certo você ter sofrido bullyng a sua vida inteira. Não é certo nosso amigo Frankens aqui ser previamente julgado por ser essa criatura amarela e esquisita. Sem ofensa, cara.
- Claro que não, branquelo – respondeu ele, rindo e me fazendo rir também.
- O ponto é: você não pode se importar demais com o que as pessoas pensam sobre você. Sempre haverá alguém disposto a acreditar que você é um monstro, mas quem define esse conceito? A monstruosidade é relativa. O que faz de mim um monstro? A minha falta de reflexo no espelho? A minha sensibilidade à luz?
- A sua sede por sangue, quem sabe? – disse Frankenstein brincando, o que era difícil de reconhecer pela sua cara sempre séria.
Eu, que conhecia bem meu amigo, ri. Drácula tentou fingir que não apreciou a brincadeira, mas dava para ver que ele mesmo havia achado engraçado. Éramos todos um conjunto de bizarrices, cada um a nosso modo. Mas essa era, justamente, a beleza da nossa amizade: não só não víamos problemas nisso, como era parte do que nos tornava interessantes uns para os outros. Cada vez que eu sentava para conversar com Frankenstein, aprendia uma lição nova sobre sensibilidade. Drácula tinha milhares de coisas para ensinar, após ter vivido tantos séculos. E eu, bom, eu sou apenas uma menina, mas sei que eles não teriam ideia sobre o que realmente uma adolescente passa nos corredores de um colégio se não fossem as histórias que eu conto. Sim, todos nós protagonizamos histórias de terror, mas há mais do que terror nas nossas histórias.
- Essas coisas são a sua natureza – eu disse - Você não pediu para ser assim e você é mais do que isso.
- Claro que sou! Da mesma forma que você é mais do que a menina que matou a cidade inteira.
- Você não precisa falar tão alto, Drácula. Eu não me orgulho deste momento. E eu não pedi pelos meus poderes.
- Exato! E eu não pedi pelas minhas necessidades vampíricas, nem Frankenstein pediu para ser construído pelo cretino do pai dele. O que eu quero dizer é que podemos até ser monstros às nossas próprias maneiras, mas existem muitas outras. Eles podem nos julgar, mas quais são os monstros que eles mesmos escondem?
- Como é mesmo aquela frase que seu pai diz, Carrie? Aquela sobre monstros - perguntou Frankenstein.
- “Monstros são reais, fantasmas são reais também. Eles vivem dentro de nós e, às vezes, eles vencem.”
- É...ele sempre levou jeito com as palavras – disse Frankenstein, com a mais sincera admiração.
- Se ele disse, está dito. – completou Drácula - Encerro meus argumentos.
Eu sorri e pensei que seria bom se realmente conseguíssemos controlar nossos monstros interiores. Nunca tive muita sorte com isso. Tive uma coleção de medos e todos eles vinham em formas humanas. Mas pelo menos, nesses últimos tempos, meus monstros têm estado adormecidos. E os seus?
14 comentários:
Oi, Alê! Oi, Mari!
Adorei esse jantar. Monstros completamente diferente mas que se entendem. Agora bateu a vontade de realmente participar.
Beijos
Balaio de Babados
Oi Pessoal!
Eu gostei e muito dessa historinha rsrs
Vocês são demais!
Grande abraço!
www.cafeidilico.com
Que genial! Mari e Alê, adorei esse trio tão peculiar comemorando o Halloween em meio a tanta reflexão. Afinal, todos temos nossos monstros, assombrações, demônios e afins. Ótimo jantar.
Beijos!
Oi, Alê e Mari!!
Gostei muito de Quem vem para o jantar?!! Especial d Halloween!! A estória foi muito bem bolada!! Adorei!!
Bjoss
Oi Ale e Mari,
Que incrível! Adorei!
Uma ótima maneira de comemorarmos o Halloween com esse jantar.
Beijos
http://estante-da-ale.blogspot.com.br
Oie Mari e Alê =)
Já falei o quando adoro essa coluna de vocês? Vocês sempre conseguem escrever um texto atrativo e gosto de ler.
Adorei ter participado desse jantar!
Beijos;***
Ane Reis | Blog My Dear Library.
Olá Alê e Mari,
Não gosto de halloween e são poucos os livro de terror que me interessam, mas gostei muito do post...parabéns...abraço.
http://devoradordeletras.blogspot.com.br/
AL~e e Mari!
Adorei esse jantar do Halloween, ainda mais narrado em primeira pessoa por Carrie e ver que apesar da brincadeira, nos traz grande reflexão sobre nossos próprios monstros interiores, fascinante!
Desejo um mês repleto de realizações e um final de semana de luz e paz!!
“O que mais me interessa saber, não é se falhaste mas se soubeste aceitar o desaire.” (Abraham Lincoln)
cheirinhos
Rudy
TOP COMENTARISTA novembro 3 livros, 3 ganhadores, participem!
Olá!
Adorei a sua crônica, achei super criativa! Os trocadilhos que você usou foram ótimos. Adorei a maneira que você trouxe 3 personagens do universo do "terror" hehe
Beijos,
Meise.
Viciadas em Livros
Que post da hora!
Adorei as referencias e fiquei com vontade de ler mais e mais.
Parabéns!
Adorei o post!
Essa coluna é sempre ótima, gosto bastante de ler esses textinhos super criativos e gostosos.
Parabéns !
“Monstros são reais, fantasmas são reais também. Eles vivem dentro de nós e, às vezes, eles vencem.” Gente que post divo e esse. Adorei essa coluna hahah
Adorei a história, rs! Essa reflexão sobre monstros, sobre o que é realmente ser monstro e quem são os verdadeiros monstros foi ótima e muito bem contextualizada, até porque nas próprias histórias dos personagens que você escolheu há esse tipo de crítica.
Beijos e parabéns pela criatividade.
Sempre maravilhoso e bem escrito!
Me deixou com vergonha por ainda não ter lido Drácula e Carrie que está na minha lista há anos!
bjsss
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