quinta-feira, 17 de maio de 2018

RESENHA: O Colecionador

O Colecionador / John Fowles / Darkside Books
Alguns livros escolhem priorizar tensão psicológica à ação. Cenários, múltiplos personagens, reviravoltas, ritmo eletrizante...tudo isso se torna desnecessário porque a história acontece dentro de alguns poucos personagens desenvolvidos ao extremo. Esse é o caso de “O Colecionador”, livro de estreia de John Fowles, que inspirou nomes como Stephen King e Thomas Harris.

Miranda é uma bela estudante de arte. Um espírito livre. Cheia de amigos e ocasionais namorados. Tudo o que Frederick não é. Órfão, criado pela tia, um funcionário público silencioso e de poucos amigos que observa Miranda da janela do trabalho. Até que ele ganha na loteria e compra uma casa para receber uma convidada especial.

O livro se divide em quatro partes: na primeira, acompanhamos o ponto de vista de Frederick, na segunda, o de Miranda. A técnica tem sido banalizada nos últimos tempos, mas é fundamental para fazer de “O Colecionador” o livro que é. São duas histórias diferentes que mostram Fredericks e Mirandas diferentes. A narrativa dele é toda sobre Miranda. Ela é o objeto. Ela é tudo! A ação demora a comecar, mas ele é tão obcecado e o relato tão intenso, que isso não importa. Já sabemos imediatamente que ele está nos levando para dentro da sua mente e que o terreno não é saudável.

a narrativa de Miranda é sobre como ela se sente em cativeiro e, mais ainda, sobre a vida que deixou para trás. É Frederick quem está fazendo isso com ela, mas ele é pequeno diante de todo o resto que existe lá fora. Outra diferença é que o texto de Miranda é imediato, ocorre no tempo presente (afinal, trata-se de um diário), enquanto o de Frederick é um relato de coisas que já aconteceram. A terceira e quarta partes são mais breves e trazem o desfecho da história, também pelos dois pontos de vista.

"O que ela nunca entendeu foi que aquilo me bastava. Tê-la comigo era o suficiente. Nada precisava ser feito. Só queria que fosse minha, e a salvo, finalmente." (FOWLES, 2018, p. 122)

Tanto em um relato quanto em outro, percebemos que a situação é um duelo. Quem irá vencer? Miranda é atrevida e claramente mais inteligente que seu captor, mas é Frederick quem tem todas as vantagens. Sua fraqueza, porém, é a própria Miranda. Sim, ele a sequestrou. Sim, ele a mantém em cativeiro, mas em sua mente doentia ele não está dando razões para ela sofrer. Pelo contrário. Decorou a casa pensando nos gostos dela, comprou os livros que ela gosta, as roupas nas cores e estilo que ela usa. Tudo para que ela seja feliz e se sinta bem como sua hóspede. Ele está disposto a fazer tudo por ela e só o que quer é que ela o conheça, porque ele a ama. Em sua mente doentia, ela está sendo ingrata ao reagir contra suas ações.

Algo que me surpreendeu é que Frederick não é violento da maneira convencional. Ele não maltrata Miranda, física ou verbalmente. Não há perversidade em sua mente. Ele não fica excitado com o sofrimento dela, não a estupra, não faz nada do que se imagina que ele iria fazer. Isso é um dos aspectos mais perturbadores em “O Colecionador” porque ele não quer nada dela. Ele só quer ela. Tanto que não pensa nela como sua vítima e sim como sua hóspede. Ele não está a mantendo em cativeiro e sim a recebendo para uma estadia. Dessa forma, não há nada que Miranda possa fazer que lhe garanta a liberdade. Ela não pode dar a Frederick o que ele quer porque esse algo não existe. O que ele almeja é tê-la como uma das borboletas que coleciona, mas sabe que isso nunca vai acontecer. É simples e perturbador assim.

O que torna tudo pior é que os dois estão sofrendo, cada um a seu modo. Ela porque foi privada da sua vida. Ele porque foi um esquisitão a vida inteira e a única pessoa que ele ama só quer fugir dele. Sim, Frederick é o vilão, mas ele também é um coitado. Miranda é superior a ele em todos os sentidos, ela só está em desvantagem. Frederick não é perverso. A situação em que ele coloca Miranda é perversa. Ele é apenas louco e sua loucura tem uma fonte: ela. A situação toda é tão deturpada que eu cheguei a sentir pena de Frederick e me culpar por isso. É essa complexidade que torna “O Colecionador” tão interessante: uma situação infeliz para todos os envolvidos.

"É porque estou tão sozinha. Preciso olhar para um rosto inteligente. Qualquer um que tenha sido trancafiado desse jeito deve entender. Você se torna real demais para si mesmo de um jeito estranho. Como você nunca foi anteriormente." (FOWLES, 2018, p.262)

Thomas Harris confessa que não teria escrito “O Silêncio dos Inocentes” sem este livro. Stephen King não confessa, mas nem precisa: é clara a influencia de “O Colecionador” em “Misery” (dois personagens trancados em uma casa. Um vítima da obsessão do outro). Aliás, o Mestre do Terror assina o prefácio desta que é uma das edições mais bonitas já lançadas pela Darkside Books, analisando o impacto do livro na época de sua publicação, em 1963, e o quanto o leitor enriquece a sua experiência ao fazer uma segunda leitura da obra.

O desfecho da história de Frederick e Miranda é bastante verossímil. Embora eu confesse que esperava algo mais (e que até previ que era isso que me aguardava no final), também fiquei feliz com a abordagem do autor. Um livro que parte de uma situação intensa, mas a coloca em segundo plano, já que os holofotes estão o tempo todo apontados para o personagens. Simples em acontecimentos, complexo e perturbador em todo o resto.

Título: O Colecionador
Autor: John Fowles
N° de páginas: 256
Editora: Darkside Books
Exemplar cedido pela editora 

Compre: Amazon
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14 comentários:

Daiane Araújo disse...

Oi, Mari.

O autor conseguiu nos colocar à parte de uma história, onde podemos ver o que a obsessão pode fazer com alguém e o quanto ela se torna extremamente perigosa.

O ponto de vista do Frederick é uma parte 'importante' do livro, para que o leitor possa adentrar em sua sórdida e doentia mente, cujo emocional é totalmente instável. Embora, não compreensível...

E o ponto de vista da Miranda, acredito eu, que despertará no leitor uma variação de sentimentos. Afinal, estamos falando de uma personagem que teve sua vida virada do avesso, mudada sem precisão de momento e que se encontra em uma situação inimaginável.

Ludyanne Carvalho disse...

Essa edição é maravilhosa!

Blog Livros e Ideias da Drica disse...

Oi, Mari!

Estou meio que fugindo desses livros estilo triller, sabe? Eu andei lendo alguns ano passado e no início desse ano que me deixaram meio perturbada. Apesar disso, tenho uma queda por capas de livros bonitas e essa está show. Então, acredito que eu vá adquirir um volume e depois me preparar psicologicamente para enfrentar a história... rsrsrsrs
Valeu demais pela dica e pela resenha que está muito bem elaborada! Adorei!
Grande abraço,
Drica.

Thalita Branco disse...

Olá Mari!
JÁ QUERO LER! Parece ser muito bom, e como adoro O Silêncio dos Inocentes e Misery acho que vai ser uma leitura obrigatória :)
Bjs

EntreLinhas Fantásticas

Sil disse...

Olá, Mari.
Eu li esse livro tem bastante tempo já e aconteceu igual comigo. Eu fiquei até torcendo por ele e depois fiquei me culpando por isso. Achei essa edição linda e assim que der vou comprar ele.

Prefácio

Gabriela CZ disse...

Que livro heim, Mari? Já fiquei tensa com seus comentários, imagine com o livro em si. Preciso ler. Ótima resenha.

Beijos!

Maah disse...

Oi Mari.
Esse realmente me parece ser um livro perturbador, que desperta no leitor um mix de sentimentos, eu quero muito ler esse livro e nem consigo imaginar o que ele fará comigo, eu entendo esse seu sentimento de sentir pena dele, mas por outro lado, ele é realmente o vilão da história, então isso acaba deixando o leitor conflituoso com os próprios sentimentos, enfim, estou ansiosa por está leitura.
Bjs.

Sora Seishin disse...

Oi Mari!
Nossa, inspiração para O Silêncio dos Inocentes e Misery? Ainda não conhecia, mas agora preciso muito ler esse livro!

Beijos,
Sora | Meu Jardim de Livros

RUDYNALVA disse...

Mari!
Até arrepiei só em pensaar na situação que Miranda passa, privação é a pior coisa e nem tem como barganhar sua soltura.
Mas em Misery, a enfermeira judia do escritor, é mais físico e aqui, é uma tortura, digamos assim, mais sentimental e psicológica.
Maravilhoso final de semana!
“Eu gosto de escutar. Eu aprendi muito escutando cuidadosamente. A maioria das pessoas nunca escuta. “(Ernest Hemingway)
cheirinhos
Rudy
TOP COMENTARISTA MAIO BLOG ALEGRIA DE VIVER E AMAR O QUE É BOM!

Giovanna Talamini disse...

An-nyong-se-ha-yo!
AAA muito obrigada por essa resenha, tava procurando um livro deste gênero. Inspiração para dois filmes que amo!! (sim, assisto mais filmes do que leio os livros). Ainda publicada pela editora mais topzeira de terror e suspense kkkk amo muito.

Nicole Longhi disse...

Eu achei essa edição da Darkside maravilhosa!
Estou louca para ler este livro, gosto quando a trama tem uma tensão psicológica e sempre acaba mexendo comigo.
Gosto de quando podemos ver a história pelos dois lados, dá uma visão mais ampla dos acontecimentos.

beijinhos
She is a Bookaholic

Luana Souza disse...

Primeiramente que edição linda, a darkside sempre surpreendendo. Acho que esse livro é muito impactante, to muito curiosa pra entrar na mente do Frederick e como ele desenvolveu essa obsessão pela Miranda e por outro lado saber como ela lida vivendo presa por ele. Com certeza é um sofrimento para os dois. E eu vi que esse livro foi adaptado para o cinema, quero assistir mas primeiro preciso fazer a leitura.

Marta Izabel disse...

Oi, Mari!!
Esse livro já está na minha lista de livros da Darkside quero muito comprar!! Achei a história muito intensa e sem dúvida é um thriller psicológico muito bom!!
Bjos

Ana I. J. Mercury disse...

Nossa, que intensidade, meu Deus!
Não gosto muito desses livros de sequestro e violência doméstica, mas sempre que tomo coragem, leia algum, pois acho muito importante ficarmos atentos para não sofrermos algo do tipo e para também podermos ajudar quem está numa situação semelhante.
Mas O Colecionador parece muito perturbador, mesmo!
Gente, fiquei aqui nervosa e perturbada só de ler a resenha, rs
Vou tentar lê-lo sim, em breve!
bjs

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