sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

ESPECIAL: O Tempo e o Vento - parte 3

Erico Verissimo consegue fazer com que sua obra seja uma aula de história e política do Brasil, em especial do Rio Grande do Sul. O autor consegue mesclar com maestria personagens fictícios com personagens reais, como Bento Golçalves (amigo do Capitão Rodrigo Cambará), Getúlio Vargas (com quem Rodrigo fará amizade e trabalhará junto no Rio de Janeiro) e Luis Carlos Prestes (que lutará ao lado de Toríbio).

É de conhecimento geral que um dos grandes desafios do autor ao escrever essa saga foi a parte política, especialmente nos últimos volumes. Isso porque o momento histórico apresentado nos primeiros - em especial em “O Continente” - não tem tantos registros, o que permite ao autor ter mais liberdade criativa. Já nos últimos volumes, não só o número de acontecimentos é muito maior como também apresenta registros mais detalhados (e o fato de Erico já ser vivo na época retratada também contribui para que seu próprio olhar sobre o período seja influenciador). É intenção de Erico não tomar lados e não deixar nada de fora, apresentando um panorama geral da situação. O autor nos mostra isso através de conversas entre os personagens que expõem seus pontos de vista, muitas vezes contraditórios, apresentando assim os múltiplos ângulos da situação. É preciso muito afinco e dedicação para se alcançar tal resultado e não é a toa que Erico sofreu o primeiro dos seus dois infartos na época em que trabalhava em “O Arquipélago”. 

Eu, que nunca gostei de política e confesso não lembrar muito das aulas de história e geografia do colégio, enfrentei alguns problemas com essas partes, achando-as em muitos momentos enfadonhas. Mas devo deixar claro que isso não tira, em hipótese alguma, o brilho da obra.

E por falar em escola: eu não sei como “O Tempo e o Vento” não é leitura obrigatória no ensino médio, especialmente aqui no Rio Grande do Sul. Erico Verissimo é um dos maiores autores da literatura nacional, esta é sua maior obra e ainda assim sua leitura não é incentivada. Acredito que se houvesse esse incentivo o leitor/aluno ganharia muito. A maneira cativante de Verissimo contar a sua história tornaria o conteúdo escolar muito mais atrativo. Por outro lado, estar estudando esses eventos na escola também contribuiria para o leitor entender melhor as posições dos personagens.

“Agora que os homens estavam ausentes, as mulheres do Sobrado prestavam uma atenção especial ao grande relógio de pêndulo, que no passado havia marcado o tempo de tantas guerras e revoluções. Sua presença no casarão tinha algo de quase humano. Era como a dum velho membro da família que, por muito ter vivido e sofrido, muito sabia, mas que, já caduco, ficava no seu canto a sacudir a cabeça de um lado para o outro, silencioso e inescrutável.” (O Arquipélago I, pag. 325)

Li os sete volumes que compõe a trilogia “O Tempo e o Vento” em dez meses. Por experiência própria digo que você não precisa se preocupar com o intervalo de leitura entre um livro e outro. Se ler todos em sequência pode contribuir para a imersão do leitor naquele mundo, afastar uma leitura da outra, com eu fiz, dá a sensação de reencontrar velhos amigos a cada novo começo.

Como favoritos destaco os volumes “O Continente I”, livro que conta com alguns dos personagens mais lendários da saga como o Capitão Rodrigo Cambará e Ana Terra; e “O Retrato I” que foca nos anos em que Rodrigo (bisneto do capitão) volta a Santa Fé depois de ter se formado em Medicina.

É preciso mencionar também o quão bonita é essa edição da Editora Companhia das Letras comemorativa ao centenário de Erico Veríssimo em 2005. Os livros contam com crônicas bibliográficas do autor; uma cronologia que associa os acontecimentos do livro, o período histórico e a vida de Erico; ilustrações e ainda fotos do autor.

“Quando, um pouco mais tarde, Aderbal lhe perguntou quem havia dado a triste notícia, ela murmurou apenas: - O vento. E o vento soprou ainda por dois dias, levando as nuvens para as bandas do mar. E o céu de novo ficou limpo, o sol reapareceu e a vida no Sobrado continuou como antes.” (O Arquipélago II, pag. 82)

A escritora que existe em mim aproveita essa resenha para expressar uma profunda admiração por Erico Verissimo. Dizer que sua narrativa é envolvente e seus personagens são fortes seria um insulto. O que o autor alcança nesse livro é admirável em muitos aspectos.

“O Tempo e o Vento” é uma das obras mais belas e ambiciosas da literatura nacional e apresenta uma execução impecável, independente do ângulo que se analise, seja a construção dos personagens, da trama, a narrativa do autor, ou a contextualização histórica.

Não sei como levei tantos anos para começar a ler “O Tempo e o Vento”, mas terminei a leitura tendo a certeza que daqui a anos ainda carregarei esses personagens comigo. Para mim, não existe nada que expresse melhor o quão magnífico um livro é do que essa certeza.

“A tristeza lhe vinha da compreensão a que chegara, da inutilidade de todos os gestos, da monotonia com que os fatos se repetiam. Os homens insistiam nos mesmos erros. Pronunciavam frases antigas com um entusiasmo novo. Encontravam justificativas para matar e para morrer, e estavam sempre dispostos a acreditar que ‘desta vez a coisa vai ser diferente’.” (O Arquipélago III, pag. 103)

"Fim do terceiro tomo"

Confira também a primeira e a segunda partes do Especial "O Tempo e o Vento"

Título: O Tempo e o Vento – O Continente I e II, O Tempo e o Vento - O Retrato I e II, O Tempo e o Vento - O Arquipélago I, II e III
Autor: Erico Verissimo
N.º de páginas: 416, 440, 360, 368, 384, 376, 488
Editora: Companhia das Letras

15 comentários:

Ana Paula Barreto disse...

Bom saber que não se perde muito espaçando a leitura dos volumes. Seria bem complicado ter que ler tudo em sequência.. são muitos livros!
Achei interessante a parte política da história. Realmente deve ser complicado escrever sobre isso, mas ao mesmo tempo, dá mais substância à trama.
obs: A edição ficou bonita mesmo!
bjs

Anônimo disse...

Oi Mari...Ao concluir esta ultima parte da resenha percebemos a grandiosidade desta obra, e creio que muitas pessoas que como eu não conheciam se interessaram muito por esta leitura. Obrigado por compartilhar esta leitura, e com toda certeza vou querer ler e vou querer que minhas irmãs também leiam esta super obra.

Nardonio disse...

Também não sou muito chegado nessa parte de política, mas pelo jeito, o Érico conseguiu atingir seu objetivo. Mostrar todos os ângulos, sem tomar partido de A ou B. Isso é para poucos. Finalizando essa terceira parte do especial, me convenci de que preciso ler essa obra. Espero que seja em breve.

Seguidor: DomDom Almeida
@_Dom_Dom

Mallu Marinho disse...

O contexto histórico por trás de suas histórias é um dos pontos que mais me agrada. Um detalhe errado e toda a autenticidade da obra se perde. Admiro muito quem consegue abordar isso de maneira a deixar tudo em seu lugar. Érico Veríssimo tem mais que meu respeito: ele representa um dos maiores nomes da literatura nacional.

Unknown disse...

Acho que você me deixou curiosa o suficiente para sair pesquisando os preços de O Tempo e o Vento. Gosto do contexto que existe nessa obra e pelo jeito, Érico Veríssimo aborda de um jeito que só ele consegue.

Gabriela CZ disse...

Parabéns, Mari, por esse especial maravilhoso! Foi ótimo conferir sua experiencia com esse clássico, o que me instigou ainda mais.

Abraço!
http://constantesevariaveis.blogspot.com.br/

Thais Pampado disse...

É possível ver que um autor realmente se dedica ao que escreve quando nos deparamos com essas obras que abordam períodos históricos e políticos reais, nos quais percebe-se que o escritor teve de pesquisar para poder escrever. Apesar de ainda não querer ler os livros, achei o especial muito interessante e me fez saber um pouco mais sobre essa obra que eu até então desconhecia!

Adriana disse...

Mari, quando li Um Certo Capitão Rodrigo (que conta a historia de Rodrigo Cambará), foi pedido da professora de literatura no colégio, e foi uma das leituras mais prazerosas que fiz na época de escola, mas infelizmente hoje em dia a leitura desses clássicos não é incentivada nas escolas, nem ai no Sul, nem em nenhum lugar do nosso país, isso é uma pena! A mistura do real com a ficção é muito interessante e acredito que mesmo nas partes mais arrastadas dessa leitura, que seria a parte política, o autor consegue nos envolver e nos cativar! Parabéns pela postagem em 3 blocos, ficou ótima e nos deixou a par dessa leitura maravilhosa! Bjão!
Adriana

Michelle Agda disse...

O melhor de tudo é que além de envolver personagens com os quais jamais imaginaríamos que acontecesse esse tipo de coisa, o Erico Verissimo nos mostra o que há por trás do Rio Grande do Sul, e assim como você se apaixonou pelo enredo de cada um dos livros, sinto que também sentirei o mesmo. Espero poder ler em breve :)

Elizabeth disse...

Realmente também não entendo porque o Tempo e o Vento não é mencionado nas escolas. Deveriam ter mais consideração com a história do nosso pais. E com o povo brasileiro. Uma das obras mais lindas e ricas que temos. Deveria ser referida com orgulho e deferências. Beijos.

Tainara H. disse...

Como eu sou apaixonada por História, principalmente do Brasil e mais ainda por esse período que a obra de Veríssimo parece abordar (pela menção à Getúlio e Prestes na resenha), minha necessidade de ler essa série aumentou ainda mais, já que o que a princípio era apenas curiosidade por um grande clássico da literatura nacional, se tornou uma enorme vontade de ler uma série que aborda assuntos pelos quais eu me interesso muito e parecer ser exatamente o tipo de livro que eu gosto. ;D

Isa.Bella disse...

Esse livro é um épico brasileiro. Uma parte da história do Brasil contada por Érico Veríssimo que se desenvolve através das guerras e de um grande e poderoso amor que a tudo sobrevive... Adoro História e não vejo a hora de estar a par deste livro.

Unknown disse...

Acho que como todas as obras do Erico, essa já me deixou curiosa o suficiente pois são todas maravilhosas!!

Wagner Bezerra disse...

Ao ler uma obra de grande significância para a literatura Brasileira e que ao mesmo tempo é esquecida por muitos meios como da educação. Nos fazem refletir sobre o papel social e político de um escritor. Que indiretamente cria mundos e realidades singulares e ao mesmo tempo universais fazendo com que seja uma obra digna de ser chamada Clássica

Unknown disse...

Com toda certeza, O Tempo e o Vento deveria ser leitura obrigatória, pois é uma obra muito legal e como eu disse em meu comentário anterior, uma inovação para a época em que só existiam escritores no estilo de Jorge Amado.

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