quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

RESENHA: O Centauro no Jardim

“Eu habito a fronteira de dois mundos, dois mundos que me rechaçam, estou condenado a vagar pela vida como alma penada...” (SCLIAR, 2004, p. 41).

***

De um tempo para cá tenho me sentido em falta com a literatura brasileira e Moacyr Scliar dispensa apresentações. Assim, sabendo que estava procurando algum livro do autor, um amigo me indicou O Centauro no Jardim e sua premissa imediatamente me interessou. 

Em 1935, no interior do Rio Grande do Sul, nasce Guedali, um bebê-centauro. Após o choque inicial, a família aceita o destino e faz de tudo para proteger seu novo membro. O centauro cresce, preso em casa e sem companhia que não a família, muitas vezes se perguntando por que é do jeito que é. Quando não aguenta mais, foge e conhece uma centaura, Tita, por quem se apaixona. Anos depois, os dois embarcam em um navio rumo a Marrocos, onde serão submetidos a uma cirurgia que os transformará em pessoas normais. 

A narrativa é feita em primeira pessoa por Guedali que, ao completar trinta oito anos de idade, rememora todos os capítulos de sua vida. Apesar da linguagem um tanto rebuscada, a narrativa é fluida e de fácil entendimento. Me causou certa estranheza a pouca utilização de diálogos, mas nada que o leitor não se acostume com o passar de algumas páginas. 

O fato do protagonista iniciar suas divagações no presente e então voltar no tempo tem como consequência a eliminação de algumas surpresas, visto que, de certa forma, já sabemos como a estória termina. Ainda assim, O Centauro no Jardim é o tipo de livro que se lê para acompanhar a jornada do protagonista e entender seus conflitos e lutas, e não para descobrir como a jornada irá acabar. 

O que me chamou atenção ao ler a sinopse do livro foi o potencial de reflexão que premissa oferecia. Qual seria a identidade de um ser metade homem, metade cavalo? E o que aconteceria após a cirurgia que o transformaria em um homem? Ao extirpar a parte equina, não estaria extirpando parte de sua identidade? Não estaria negando a natureza do seu ser? 

Embora tais questões estejam presentes, mesmo que nas entrelinhas, a meu ver Scliar deixou de aproveitar o que a estória tinha de melhor. Fiquei frustrado ao perceber que o autor não as abordaria diretamente, mesmo quando o protagonista se encontrava em uma profunda crise de identidade, momento ideal para isso. Fiquei ainda mais frustrado quando vi que tal crise se resolveu de forma superficial, sendo que todas as suas dúvidas existenciais desaparecem de uma hora para outra. 

Por outro lado, me ocorreu que a intenção do Scliar, ao não se aprofundar nestas questões, tenha sido permitir que cada leitor tirasse suas próprias conclusões, o que seria uma opção interessante. Mas, a meu ver, a crise existencial de Guedali somente seria resolvida se enfrentasse seus conflitos internos abertamente, e não é o que acontece. 

O final apresenta uma deliciosa ambiguidade, sendo possível fazer duas interpretações distintas do livro, ficando a cargo do leitor escolher qual delas seria a verdadeira. Entretanto, não espere encontrar reviravoltas ou grandes surpresas, pois se trata de uma trama simples e linear, com um desfecho coerente com o desenvolvimento do livro. 

O Centauro no Jardim se encontra no limiar da realidade com a fantasia, contando com inúmeras metáforas e personagens intrigantes. Apesar de ter me decepcionado em determinados aspectos, certamente lerei outros livros de Moacyr Scliar. 

Título: O Centauro no Jardim (exemplar cedido pela editora)
Autor: Moacyr Scliar
N.º de páginas: 233
Editora: Companhia das Letras

28 comentários:

Unknown disse...

Olá, Alê. O Centauro no Jardim é uma leitura nova para mim, conhecia o autor, mas não o livro. Com uma história um tanto fantasiosa unida a mitológica, o livro apresenta um ser de identidade "estranha". Gostei das questões abordadas pelo autor sobre a identidade de Guedali, mas me frustrei com as poucas respostas e o final previsível. Fiquei em dúvida sobre o livro.

O Menino e O Livro disse...

Oi Alexandre, tudo bem?
Olha, eu gostei bastante da capa e da premissa, mas fiquei com receio em relação a linguagem e sobre essa superficialidade, acho que isso seria decepcionante. Porém parece ser uma leitura bem agradável, vou dar uma chance.
Beijão,

Vinicius
omeninoeolivro.blogspot.com

Alessandra Fernandes disse...

Alê, a premissa de O Centauro no Jardim me mostrou ser bem interessante e diferente, primeiro por ter um ser mitológico em sua narrativa e segundo sobre o final o autor deixar duas interpretações distintas para o leitor escolher.
Não conhecia essa obra de Moacyr Scliar, mas gostei muito e espero poder lê-lo.
Bjs!

Diane disse...

Oi...
Valeu pela dica! Estou justamente em busca de um nacional rsrs...
Achei a premissa muito interessante e com certeza vou ler :)
Beijos

http://coisasdediane.blogspot.com.br/

Inês Gabriela A. disse...

Olá,
Adoro esses finais subjetivos, que podem ocasionar em diferentes interpretações, entretanto confesso que não fiquei especialmente interessada no livro, apesar de, se tiver oportunidade, adoraria realizar a leitura.
Beijos.
Memórias de Leitura - memorias-de-leitura.blogspot.com

Tony Lucas disse...

Oi, Alê! Tudo bem? Achei a capa do livro linda e apesar de saber que a obra tenha te frustrado em alguns momentos, fiquei interessado em lê-lo. Ultimamente venho lendo muitos livros nacionais e quero continuar com o ritmo. Adorei a resenha! :)

Feliz natal!

Abraço

http://tonylucasblog.blogspot.com.br/

Denise Crivelli disse...

Oi
não conhecia esse livro, mais a história parece diferente e cheio de reflexões. muito boa a resenha e quem sabe se algum dia eu me deparar com ele eu leia.

momentocrivelli.blogspot.com.br

Diego disse...

Oi Alê. Tudo bom?
Muito boa sua crítica. Não conhecia o livro e apesar de suas palavras eu quero dar uma chance a ele, parece interessante. Adorei o quote inicial.

Abraço.
Diego, Blog Vida & Letras
www.blogvidaeletras.blogspot.com

Unknown disse...

Não conhecia esse livro, gostei da capa, e a história parece ser maravilhosa!

Unknown disse...

Oi!
Já conhecia o livro e a sinopse dele tinha me deixando bem interessada, também gostei dos questionamentos que o livro nos trás mesmo com uma historia tão fantasiosa !!

Caverna Literária disse...

Não gosto muito de livros antigos da literatura brasileira, mas sua resenha ficou maravilhosa, é uma história tanto com seus pontos negativos como positivos

xx Carol
http://caverna-literaria.blogspot.com.br/
Tem resenha nova no blog de "Jogador n°1", vem conferir!

Anônimo disse...

Oi Ale,

Dica anotada. Ainda não li nada do autor, mas gostei da premissa do livro e gostei bastante da sua resenha. Uma pena ele ter desapontado você em alguns aspectos, fiquei curiosa!

Beijos e boas festas
Cintia
www.devaneiosdeumacindy.blogspot.com.br

Luiza Helena Vieira disse...

Oi, Alê!
Eu já conhecia o autor, mas nunca li nenhuma de suas obras e não sei se leria essa... Não me chamou atenção suficiente.
Eu também estou em falta com a literatura brasileira. Boa parte dos clássicos estão na meta de leitura.
Beijos
Balaio de Babados

Unknown disse...

Eu adoro livros da literatura nacional, mas esse não me interessou tanto...

Beijos,
http://postandotrechos.blogspot.com.br/

Gustavo Gouveia disse...

Eu adorei a sinopse e a capa, e esse livro parece interessante, realmente me chamou a atenção, apesar de todos os pontos negativos.

www.cidadedosleitores.blogspot.com

Michael disse...

Oi,
A resenha está incrivel, porém o livro não faz meu estilo (aquele que não para de ler Harry Potter :()
http://blogmichaelvasconcelos.blogspot.com.br/

Sávio França disse...

Olá, Alê.
Não conhecia a obra, mas achei sua premissa bem interessante. O fato de contar a história de um centauro me empolgou bastante, pois quase não leio livros com esta temática. Ultimamente, estou lendo só livros nacionais, "O Centauro no Jardim" já está na lista.

Boas Festas,
http://tudoonlinevirtual.blogspot.com.br/

Leitora Cretina / Mônica disse...

Olá!
Vim aqui te desejar um ótimo Natal com muita paz, amor, saúde e felicidades! E avisar que te indiquei para responder uma TAG <3

Beijão e Boas Festas!
Leitora Cretina

RUDYNALVA disse...

Alê!
Fico me perguntando como uma premissa tão boa de ser desenvolvida, sim porque um Centauro tirar parte de sua própria existencial animal e se tornar um homem, digamos assim, é uma premissa fantástica, e, a torna rasa, sem abordar, principalmente os aspectos psicológicos do enredo... Uma pena!
“Não esqueça que Natal não é do Papai Noel tão pouco para ganhar presentes materiais, mas é a data que recebemos o melhor presente para nossa existência, Jesus!” (Rogério Stankewski)
cheirinhos
Rudy
http://rudynalva-alegriadevivereamaroquebom.blogspot.com.br/
Participem do nosso Top Comentarista de Dezembro, serão 6 livros e 3 ganhadores!

Sil disse...

Olá, Alê.
Eu não conhecia esse livro ainda, nem o autor. Mas infelizmente eu não me interessei por ele. Não é um livro que eu leria. As vezes acontece isso mesmo do autor deixar para o leitor tirar suas próprias conclusões, mas pelo que entendi do que você falou, nessa questão em especial ele deveria ter feito diferente hehe.

Blog Prefácio

Gabriela CZ disse...

Confesso que não conhecia o livro, Alê. Achei a premissa bem interessante e deve mesmo ser bem reflexivo, apesar dos poréns que você apresentou. Quero ler. Ótima resenha.

Abraços!
http://constantesevariaveis.blogspot.com.br/

Patrini Viero disse...

Scliar é um autor gaúcho com o qual tive algum contato desde o ensino médio, talvez pela tendência em sempre procurar escritores que tivessem essa proximidade geográfica, que de alguma forma conseguissem personificar o nosso universo em seus livros. O Centauro no Jardim é um livro que eu sempre tive interesse em ler, mas que ainda não tive oportunidade. Confesso que é um tanto quanto decepcionante ver muitas das questões que consideramos cernes de uma trama não sendo respondidas, mas apesar disso acredito que valha a pena ler o livro e conhecer esses personagens, exatamente por essa mistura tão profunda entre fantasia e realidade que o autor faz.

Carla disse...

Oi, Alê!
Às vezes também me pego com essa dívida com a literatura brasileira... Logo eu, que amo Machado de Assis! Mas novidades estrangeiras vão chegando em altas doses e a gente acaba se rendendo, né?!
Já tinha ouvido falar do Scliar, mas ainda não li nada dele. A história me pareceu atrativa pela parte da crise do personagem, justamente o que você disse que o autor não trabalhou tanto... Pena!


Beijos, Entre Aspas

Carolina Garcia disse...

Oi, Alê!!

Eu também super pegaria um livro só porque foi escrito por Moacyr Scliar. Hahaha
Uma pena que foi decepcionante. Passei por isso com um livro do Neil Gaiman semana passada, mas ainda bem que um autor não é formado de uma única obra, né?

Acredito que a gente deve sempre dar uma outra chance para o escritor antes de desistir de vez dele. Então que bom que irá ler outros livros dele! :)

Bjs

livrosontemhojeesempre.blogspot.com.br

Unknown disse...

Achei a história bastante interessante, gostei do fato de o livro abordar um tema que estamos acostumados a ver em livros mitológicos. Fique muito curiosa para saber mais sobre essa história. Muito boa a indicação de autores nacionais.

Unknown disse...

Achei a história bastante interessante, gostei do fato de o livro abordar um tema que estamos acostumados a ver em livros mitológicos. Fique muito curiosa para saber mais sobre essa história. Muito boa a indicação de autores nacionais.

Anônimo disse...

Oi, Alê!

Não conhecia este livro, mas já ouvi muitos comentários positivos sobre o autor. Fiquei curiosa para saber como foi o final ambíguo e a jornada do centauro, parece ser uma história tão instigante e interessante - mesmo que tenha um ou outro aspecto decepcionante.
Ótima resenha!

Beijocas. Feliz 2016 para você e a Mari!
http://artesaliteraria.blogspot.com.br

Baseado em Livros disse...

Alê, você acredita que nunca li nada do Moacyr Scliar? Tenho até vergonha de admitir isso assim, em público.
Me interessei bastante por esse livro, adorei a resenha! Já entrou pra minha wishlist!
Beijos!
Fê Cardoso.
www.baseadoemlivros.blogspot.com.br

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