“A cada tentativa aparentemente infrutífera de escrever algo que fosse mais que um romance policial, ele conseguiu expandir os limites do que é possível se conseguir dentro do gênero e, ao fazê-lo, transformou-o em arte.” (WILLIAMS, p.10, 2014).
Foi apenas há pouco tempo, com o lançamento de uma nova coleção pela editora Alfaguara, que o nome de Raymond Chandler começou a aparecer mais no Brasil. Ainda assim, aparece pouco para um autor de sua importância e genialidade. Por outro lado é compreensível. Raymond Chandler não é para todos. Suas tramas não são lineares como as de tantos outros autores policiais e seu texto é lento e altamente descritivo em alguns momentos, o que faz com que muitos leitores o considerem enfadonho. O que esses leitores não percebem é que são justamente esses momentos que carregam o brilhantismo do autor e o tornam único. Ninguém soa como Raymond Chandler e é preciso saber ler nas entrelinhas para apreciá-lo. Quem consegue, aplaude. Sou uma dessas e como fã do autor, fiquei imediatamente interessada em sua biografia.
A carreira de Raymond Chandler como autor de histórias policiais começou, relativamente, tarde. Seu primeiro conto, “Chantagistas não atiram”, foi publicado quando ele tinha 45 anos. Antes disso, suas atividades foram várias. Por essa razão, Tom Williams percorre um longo caminho nesta biografia até de fato chegar aos anos mais interessantes da vida do autor.
Os primeiros capítulos nos apresentam sua infância e juventude. A criação rígida, os problemas com o pai alcoólatra, a coragem da mãe de recomeçar a vida sozinha em outro lugar (algo admirável para uma mulher no início do século XX), os tempos de escola e a dificuldade de se enturmar com os colegas internos (já que voltava para casa no final do dia e nunca podia compartilhar as mesmas experiências), a nacionalidade não definida (nascido nos Estados Unidos, mas criado na Inglaterra), as primeiras tentativas de escrever (para a minha grande surpresa, seus primeiros textos foram poesias e ele jamais havia cogitado se aventurar na literatura policial) e seu relacionamento com Cissy Pascal (mulher dezoito anos mais velha, com quem foi casado até a morte dela). Chandler também desenvolveu problemas com álcool, o que o afastou do emprego em uma empresa petrolífera, levando-o a dar início a carreira como escritor.
Apesar de reveladores de muitos aspectos da personalidade do autor e que até mesmo ajudam a entender algumas características de sua criação mais importante, o detetive Philip Marlowe, confesso que esses primeiros capítulos não me cativaram da maneira como eu esperava. Foi só quando o Williams começou a abordar os anos de Raymond Chandler como escritor que eu realmente me envolvi com o livro, e a partir deste momento não queria parar de ler.
Williams analisa obra por obra de Chandler, desde os contos até os romances, de forma que é possível entender o contexto no qual o autor as produziu, as intenções que tinha, a maneira como via cada texto, sua evolução como escritor e a recepção do público. É interessante que Chandler nunca quis ser um autor policial. Sua ambição era escrever algo mais significativo. E é justamente essa ambição que fez suas histórias redefinirem o gênero. Com Chandler, os personagens e a atmosfera importam muito mais do que os crimes e as respostas dadas a eles. Os personagens que o autor cria vivem em um mundo de crimes e é por isso que temos crimes em suas páginas, mas isso está em segundo plano.
Ao fazer esta análise, Williams destaca trechos dos textos de Chandler e essa foi uma das coisas que eu mais gostei nessa leitura. Quando se lê um livro, estamos presos à trama e à sequência dos acontecimentos. Mas ao lermos esses trechos avulsos, o brilhantismo de Chander se destaca ainda mais. É possível ver como, do seu jeito muito peculiar, o autor nos revela muito sobre seus personagens mesmo que não estejamos acompanhando a história e saibamos quase nada sobre eles. Isso é o que eu mais admiro em Raymond Chandler.
Dotado de uma personalidade por vezes difícil (e muito disso devido ao álcool) é possível perceber que Chandler era exigente, detalhista e nunca estava totalmente satisfeito. Também por isso, suas incursões em Hollywood sempre foram conturbadas. Ainda assim, delas saíram clássicos como o roteiro do ótimo “Pacto de Sangue”, em parceria com Billy Wilder, e de “Pacto Sinistro”, com Hitchcock.
A biografia de Tom Williams é uma leitura interessante sobre um homem complicado e genial, mas, a meu ver, só faz sentido para quem já está familiarizado com a obra de Raymond Chandler. Eu, que já li todos os seus romances e vários de seus contos, fiquei com vontade de reler todos, agora que sei um pouco sobre como eles foram escritos. A biografia também me levou a uma conclusão: eu sempre disse que Raymond Chandler é um dos meus autores favoritos, mas percebi que, na verdade, não é tanto de suas histórias que gosto e sim de seu estilo. É por isso que agora uso a palavra “admiração”. Raymond Chandler é um dos autores que mais admiro.
Autor: Tom Williams
N° de páginas: 456
Editora: Benvirá
18 comentários:
Olá, Mari.
Tenho um livro de contos do Chandler, mas nunca o desbravei. Acabo sempre o deixando para depois.
Não sabia dessas características da escrita do autor: tramas não lineares e escrita mais lenta. Gosto desses elementos, se o autor souber utilizar bem, o que parece ser o caso.
Quanto ao livro resenhado, em específico, parece ser uma ótima leitura, mas não a faria agora. Acredito que seria mais proveitoso se eu tivesse um conhecimento maior das obras do Chandler.
De toda forma, excelente dica.
Desbravador de Mundos - Participe do top comentarista de maio. Serão três vencedores!
Pelo visto é uma biografia muita bem elaborada e escrita, Mari. O que para mim importa tanto quanto a personalidade que está tendo sua vida contada. Mas como bem lembrasse, preciso ler algumas obras de Raymond Chandler antes de sua biografia. De qualquer forma achei ótima sua resenha.
Beijos!
Não conhecia o autor. Mas adoro livros policiais, sempre cheio de suspense, ação e tudo mais. Ele realmente começou mais tarde hein.. Acho que conseguiu mais experiencia para suas historias, por assim dizer.
Percebi que ele teve um começo de vida bastante difícil, uma pena para uma criança. Dá pra perceber de onde veio a má influencia.
Que bom que a vida deu uma reviravolta hein.. Essa é uma biografia muito bem feita!!
Oie...
É vergonhoso, mas, eu não conhecia o autor :(
Achei bem interessante esse exemplar e fiquei com vontade de ler, pois, assim poderei expandir meu conhecimento sobre autores de livros policiais.
Vou pesquisar um pouco mais sobre "Chantagistas não atiram", acho que deverá ser uma boa leitura.
Beijos
http://coisasdediane.blogspot.com.br/
Gostei da resenha Mari. Confesso que não conhecia o autor e com a sua descrição a respeito, fiquei bem curiosa quanto as suas obras. Beijo!
www.newsnessa.com
Oi, Mari!
Shame on me que eu não conhecia o autor.
Infelizmente eu não sou muito fã de biografias.
Beijos
Balaio de Babados
Olá, Mari.
Prefiro ler ficção e raramente leio biografias. Mas conforme você foi falando do livro na resenha, foi me dando muita vontade de conferir. Só que no final você falou que é mais para quem está familiarizado com suas obras e como nunca li nada dele, fiquei na dúvida. Acho que vou ter que ler algo dele antes. Ainda mais depois de tantos elogios.
Blog Prefácio
Oi Mari, tudo bem?
Ótima resenha! Não gosto de biografias, mas achei interessante ler seu ponto de vista sobre esse autor. Talvez um dia eu busque uma biografia pra ler, vai que eu mude minha opinião sobre elas?
Beijos,
Priscilla
Infinitas Vidas
Já conhecia as obras do autor, mas não sabia muito sobre ele. Bem interessante sua resenha.
Gostei de conhecer mais.
Beijos
neversaynever-believe.blogspot.com.br
Me sentindo envergonhada aqui por não conhecer o autor. Vou agora mesmo procurar algo dele para ler. Até salvei seu post nos favoritos hahaha.
Indo me redimir kkkk
>> Vida Complicada <<
Oie Mari =)
Eu gosto bastante de ler biografias, pois acredito que sempre podemos aprender um pouco com a história e experiências de outras pessoas. Dica anotada!
Beijos;***
Ane Reis.
mydearlibrary | Livros, divagações e outras histórias...
@mydearlibrary
É muito bom ler uma biografia ou assistir um documentário de um/uma autor/autora que gostamos, né? Dá vontade de reler os livros e aproveitar novamente aquele universo.
Senti isso com J. K. Rowling e Tolkien. Acho isso muito interessante.
Não tenho contato com as obras de Raymond Chandler então eu prefiro aguardar um pouco antes de ler sua biografia.
Estou desejando no momento a biografia do Douglas Adams que a Aleph lança agora. *-*
Bjs
livrosontemhojeesempre.blogspot.com.br
Oi, Mari! Tudo bem? Nunca li nada do Raymond Chandler, então acho que seria interessante ler essa obra. Espero lê-la em breve e gostar dela tanto quanto você gostou! :)
Abraço
https://tonylucasblog.blogspot.com.br/
Eu não conheço nada do Raymond Chandler, vou procurar por suas obras.
Que bom que gostou da leitura!
Oi!
Ainda não li nada do Raymond Chandler, mas para os quem é fã dos seus sempre é interessante poder conhecer um pouco mais da vida e obra, achei bem interessante essa analise que o Williams fez das obras !!
Conheço o Chandler só de nome, mas depois de ler sua resenha, muito apaixonada, deu pra ver o quanto os livros dele te fascinaam!!
Fiquei curiosa, além de ter achado essa biografia bem legal e completa.
Confesso que não gosto muito de biografias, pois a maioria que li - de cantores, foi bem curta, focada apenas em um ponto da vida do cantor, e essa do Chandler parece ser bem completa e focada.
bjss
Saber mais sobre o autor que mais admiramos é gratificante, poder acompanhar sua jornada, saber pelo que eles passaram e finalmente chegar ao momento em que se tornam autores como é narrado nesse livro sobre Chandler, ele realmente conseguiu escrever algo significativo e marcante, tanto que é admirado e ainda será por muito tempo.
Li apenas dois livros do autor e pretendo ler todos e depois a biografia, espero que goste tanto quanto você.
Legal ver a nova geração se interessando pela obra do Chandler,eu como sou um "pouco" mais velho já perdi a conta de quantas vezes li os romances dele,que infelizmente foram poucos.
Alguém tem algum autor de romances policiais novo pra indicar?Os que eu tentei ler nao me agradaram.
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