“Pensei que L. havia percebido meu ponto de demência e que a recíproca era verdadeira.
Talvez, inclusive, seja isso um encontro, amoroso ou amigável: duas demências que se reconhecem e se cativam.” (VIGAN, 2016, p.96)
Após o grande sucesso de seu mais recente livro, uma história autobiográfica que explora dramas familiares, a escritora Delphine se vê diante do dilema do próximo livro. O que ela pode escrever que esteja a altura de tanta expectativa? Fragilizada pela pressão, ela enfrenta um bloqueio criativo que nunca a havia cometido com tanta intensidade antes, chegando ao ponto de nem mesmo conseguir responder um email. Para piorar, ela tem recebido cartas violentas com críticas severas sobre seu livro de sucesso. É neste contexto que Delphine conhece L., uma ghost-writer com quem desenvolve uma amizade instantânea e, aos poucos, uma relação de dependência.
Narrado em primeira pessoa por Delphine e composto em sua maioria por trechos curtos, “Baseado em fatos reais” é um livro intenso desde as primeiras páginas, graças à atmosfera de perigo criada pela autora e é um daqueles livros que funciona mais pela habilidade narrativa com a qual é conduzido do que pelos acontecimentos. Quando somos apresentados à história, todos os eventos já aconteceram e tomamos conhecimento deles a partir do relato de Delphine que agora os enxerga com um olhar muito diferente do que tinha quando de fato ocorreram. Agora ela vê as atitudes de L. com desconfiança, enxerga potencial de perigo em cada uma delas, o que faz com que o leitor veja as coisas da mesma maneira. Caso acompanhássemos os eventos enquanto eles aconteciam, com certeza a história seria muito diferente. Não conhecemos L. diretamente, mas já a vemos surgir como uma personagem perigosa e misteriosa porque é assim que Delphine a revela para nós. Por isso, a protagonista é uma espécie de narradora não-confiável que apresenta a história para o leitor através de seu olhar totalmente contaminado pelas consequências daqueles episódios.
L. é uma personagem misteriosa (e em muitos momentos lembra a perturbada Anne Wilkes de “Misery”) que deixa o leitor na expectativa, mas também ressabiado, para descobrir o que ela irá fazer. Parece que sempre temos um pé atrás com L., que devemos desconfiar de cada uma das suas ações e esperar qualquer coisa dela. Paira a sensação de que a enxergamos melhor do que a própria Delphine, mas a verdade é que é apenas pelos olhos de Delphine que a conhecemos. Por isso, certezas não existem. Por um lado, sentimos que há alguma coisa muito errada na ânsia de L. de estar disponível e ser prestativa. Por outro, parece que tudo o que ela quer é que Delphine escreva o melhor livro que é capaz de escrever. Aos poucos, testemunhamos como L. entra dentro da mente de Delphine, como se torna necessária, mas não sabemos seus motivos já que não temos acesso direto a ela.
“Baseado em fatos reais” é aquele tipo de livro envolvente que, não precisando, o leitor não larga. O curioso é que não são muitos os acontecimentos que se desenrolam e na maior parte da trama a sensação que se tem é que o território está sendo preparado para alguma coisa que eventualmente vai acontecer, mas que nada está acontecendo no momento. Ainda assim, o livro não é arrastado (e Vigan acerta em fazê-lo curto) e prende o leitor pelo magnetismo de sua narrativa e pela atmosfera de perigo que cria, provocando um efeito muito mais satisfatório do que milhares de reviravoltas (que tantas vezes soam forçadas).
Me lembrando um pouco o excelente “No Escuro” (um dos meus thrillers psicológicos favoritos), “Baseado em fatos reais” manipula muito bem seu leitor, escondendo o jogo ao mesmo tempo em que revela suas cartas. Sabemos de onde vem o perigo, sabemos que aquela situação não irá acabar bem, só não sabemos todos os detalhes do caminho.
Ao longo do leitura tentei prever o desfecho, pois me parecia que a história poderia se encaminhar para milhares de soluções diferentes, todas potencialmente interessantes. Fiquei muito satisfeita em constatar que uma das minhas teorias estava certa, mas ainda assim a autora conseguiu me surpreender. Vigan fez algo que eu aprecio muito em livros de suspense: plantou pistas muito discretas e deu as chaves para as respostas, sem se dar ao trabalho de explicar tudo para o leitor.
Em uma época em que thrillers psicológicos têm me decepcionado, “Baseado em fatos reais” foi uma grata surpresa e deixa a expectativa para os demais livros da autora.
Autora: Delphine de Vigan
N° de páginas: 254
Editora: Intrínseca
16 comentários:
"L" + mistério já me lembro de Death Note, desculpa, mas não consegui fazer outra associação kkkk. Gostei muito da proposta do livro, percebe-se que o suspense está mais do que presente a cada página. Parece ser ótimo não conseguir prever o desfecho, faz tempo que não tenho essa sensação com algum livro que eu leio. Vou procurar saber mais sobre o livro, inclusive se acho alguns preços bacanas pra comprar.
Um abraço!
http://paragrafosetravessoes.blogspot.com.br/
Eduara falou o que passou pela minha cabeça logo de primeira. L = Death Note.
Bom, eu gastei pra caramba da sua resenha. A premissa do livro parece ser ótima, gosto desse tipo de atmosfera com personagens que são um tanto complicados/misteriosos. Vou ver se compro logo pq gostei para caramba :o
bjs, Carol | Espilotríssimo
http://carolespilotro.com
Oi, Mari!
Meu Deus, eu pensei a mesma coisa que a Carol ali em cima... L de Death Note hahahhahahha
Apesar das comparações, eu leria o livro sim porque gostei muito do que li na sua resenha. Sei que não irei me decepcionar.
Beijos
Balaio de Babados
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Oi, Mari!
Achei suuuuper interessante a premissa do livro.
Acho que nunca li algo assim, na verdade.
Se bem que você citou No Escuro, que adoro e fico triste por pouca gente conhecer. É um livro sensacional!
Adoro/odeio a sensação que você comenta, de que você espera algo ruim acontecer o tempo todo. Vai batendo uma ansiedade...
Beijooos
www.casosacasoselivros.com
Olá, Mari.
Quando vi o lançamento, não dei muita bola para a obra. Contudo, sua resenha mudou minha visão sobre o livro. Fiquei interessado, principalmente por causa do clima de suspense que parece transpassar o enredo.
Certamente darei uma chance.
Desbravador de Mundos - Participe do top comentarista de setembro. Serão três vencedores, cada um ganhando dois livros.
E a minha curiosidade por esse livro acaba de se transformar em interesse psicótico, Mari. Digo, nossa! Impressionante como uma biografia (é real mesmo né?) pode ser tão misteriosa. Quero ler. Ótima resenha.
Beijos!
Arrebatador, me senti dentro da cabeça da personagem só nessa resenha imagine quando eu ler! A capa por si só já é uma grande placa de o que veremos pela frente, uma mente dentro de outra e a falta da individualização. Quando vi de primeira pensei se tratar de uma personagem com esquizofrenia ou algo do tipo, múltiplas personalidades, mas vi que se trata de algo profundo e intenso como a dependência de alguém e o limite de como isso pode ser!
Mari!
Realmente é uma grata surpresa em saber que o livro é um thriller psicológico bom e envolvente.
No início da sua resenha fiquei um tanto confusa, porém aos poucos fui entendendo e me envolvendo e percebi que já estava interessada em saber como algo tão comum, sem tantas reviravoltas, pode conquistar e prender o leitor.
“A vida guarda a sabedoria do equilíbrio e nada acontece sem uma razão justa.” (Zíbia Gasparetto)
cheirinhos
Rudy
Oi Mari!
Parece mesmo ser um livro intenso, L parece ser um personagem complexo e a premissa é bem interessante. Bom saber que surpreende! Gostei da dica!
Bjs, Mi
O que tem na nossa estante
Oi Mari!
Achei essa premissa super interessante e quero muito le-lo. Essa capa é em intrigante e pelo jeito a leitura também.
Um abraço!
Guilherme - Leitura Fora De Série
Helloo, Mari! Tudo numa nice?!
Quando eu vi a capa desse livro antes não dei muita ligança, até porque achei meio esquisito o rosto sobreposto, mas com a sua resenha fez mais sentido agora. A premissa é interessante, mas eu sou meio ansiosa e não gosto de descobrir as coisas só no final. Já aconteceu de eu sonhar com um livro policial, acredita?! Sou anormal. Mas a sua resenha me conquistou e me deixou curiosa, é palpável o clima de perigo e tensão que você imprimiu bem no texto!!
Ótima resenha!
Beijin...
Pieces of Alana Gabriela
Gosto bastante de thrillers, mas não fiquei tão curiosa sobre esse. No entanto, seus comentários referentes à semelhanças entre a obra, Misery e No Escuro me deixaram mais empolgada para conferir esses dois últimos, que já tenho aqui. Beijos!
http://frases-perdidas.blogspot.com.br/
OI..
Ja tinha visto a capa do livro mas nao tinha parado pra ler nenhum resenha,e confesso que apesar de nao ler com frequencia thriller psicológico esse me deu muita curiosidade e quero muito ler..muito boa resenha.
Um abraço e muito sucesso :)
Olá!
Eu já havia visto a obre e me apaixonado pela capa e pelo titulo, porém esse lance de thriller psicológico sempre me decepciona.
Mas eu só vou saber se eu ler!!!!
Sua resenha me envolveu bastante e ele entrou para a lista de leitura, Obrigada Mari!!!
Olá.
É a primeira vez que leio uma resenha desse livro e adorei! Gosto muito de um bom mistério, então, com certeza vou querer conferir! Sua resenha está perfeita e me motivou a fazer a leitura. Obrigada. Beijos.
Nossa, é bem diferente do que estou acostumada a ler ultimamente, mas adorei a premissa + resenha.
Deu pra perceber que é uma trama bem bolada, escrita de qualidade e que nos deixa curiosos da primeira à última página!
Anotado aqui!
bjs
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