“Se eu me sinto arrependido? Se é isso que você quer saber – não. Não sinto nada. Bem que eu queria. Mas nada daquilo me incomoda nem um pouco. Meia hora depois que acabou, Dick já estava fazendo piadas e eu já estava rindo delas. Talvez nem eu nem ele sejamos humanos. Sou humano o bastante para sentir pena de mim mesmo. Pena de não poder também sair andando daqui quando você for embora. Mas é só isso.” (CAPOTE, 2016, p. 359)
Há anos eu tinha curiosidade de conferir “A Sangue Frio”, a obra-prima de Truman Capote, marco do Jornalismo Literário, que relata o massacre dos quatro membros de uma família brutalmente assassinados por dois jovens, sem motivo nenhum, em uma pequena cidade do estado do Kansas, em 1959. Mas só agora tive aquele estalo que diz “é esse o momento para a leitura”. Resultado: aproveitei cada segundo e apreciei cada página.
A história narrada em “A Sangue Frio” é verídica, por isso Capote batizou o gênero de “romance de não-ficção” ou “romance sem ficção”. Jornalista e autor de alguns contos e romances (entre eles “Bonequinha de Luxo”, mais conhecido pelo filme estrelado por Audrey Hepburn) o autor percebeu imediatamente, ao ler a notícia sobre o massacre nos jornais, que ali havia material para um livro revolucionário. Por isso, Capote foi para o Kansas, entrevistou os envolvidos no caso e na investigação e, eventualmente, conseguiu acesso a Perry Smith e Richard “Dick” Hickcock, os dois assassinos. Durante seis anos o autor trabalhou em “A Sangue Frio”, alegando que não poderia terminar o livro sem que o destino dos criminosos estivesse selado. Eventualmente, a aproximação de Capote com os criminosos foi tamanha que ele revelou sofrer para escrever as últimas páginas na qual aborda a execução de Smith e Hickcock e testemunhas o viram chorando nos dias seguintes às mortes (isso tudo é revelado em um posfácio, já que durante a leitura Capote se mantém invisível).
Comento isso não apenas para explicar o processo de produção de “A Sangue Frio”, mas também para mostrar como o livro não pinta heróis ou vilões. Fica clara a monstruosidade e a banalidade do ato cometido por Perry e Dick (e em nenhum momento simpatizamos com os dois), mas nessa história todos são humanos. Capote não tenta (nem poderia) justificar o crime e também não tenta fazer o leitor torcer pelos criminosos. Tudo que ele quer, como bom jornalista, é relatar os fatos. Da mesma forma, ele consegue fazer com que nos importemos com a família Clutter, com que sintamos o absurdo, a injustiça e o horror de suas mortes sem que para isso precisemos nos sentir apegados a eles.
Com uma narrativa neutra, mas recheada de detalhes, “A Sangue Frio” é lento, mas em nenhum momento enrolado. É bastante descritivo, mas sem ser cansativo. Capote leva tempo introduzindo o leitor na vida de Holcomb, a cidade de interior onde o crime ocorreu, apresentado a família, relatando o último dia da vida de cada uma das vítimas e também dos criminosos. Não temos pressa de chegar ao crime, pois já sabemos que ele irá acontecer. Não temos pressa de ver a investigação se desenrolar, pois já sabemos que, eventualmente, Perry e Dick serão capturados. Não temos pressa de ver a execução, pois sabemos que, mesmo depois de algumas apelações e adiamentos, ela irá ocorrer. Por isso, por mais que gire em torno de um crime e de uma investigação, “A Sangue Frio” está muito longe de ser um livro policial, pois não há suspense. O que há é expectativa. O grande acontecimento é a morte da família Clutter, mas Capote consegue criar uma atmosfera rica ao redor de todos os elementos e pessoas envolvidas, deixando o leitor ávido por detalhes.
“A Sangue Frio” é a dissecação de um crime brutal, narrado de forma a não mascarar a brutalidade dos eventos, mas também sem querer transformá-los em uma história sangrenta e sensacionalista. Capote faz um trabalho maravilhoso de pesquisa e relato (embora o posfácio revele que algumas pessoas o acusaram de tomar certas liberdades), conseguindo transmitir em cada sentença seu interesse e fascínio pessoal pelo caso. Diferente da ficção, a vida real não dá todas as respostas e as que dá nem sempre são satisfatórias, mas o que importa em um caso como esse é ir o mais fundo que se pode e isso, certamente, o autor conquistou. Um livro envolvente, violento, dramático e triste. Fascinante.
Autor: Truman Capote
N° de páginas: 440
Editora: Companhia das Letras
Exemplar cedido pela editora
Compre: Amazon
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11 comentários:
Oi Mari
Não costumo ler livros com este tema, mas fiquei interessada ao saber que a história é baseada em fatos reais, e pela pesquisa do autor deve ser um livro repleto de dados e informações.
Beijinhos
http://diariodeincentivoaleitura.blogspot.com.br/
Não posso dizer que lembro de ter ouvido algo sobre esse livro, Mari. Mas além de já ter curiosidade para ler algo de Capote, me interessei pela história. Ainda mais considerando o trabalho que envolveu. E com seus comentários sobre a veracidade da trama terei que ler mesmo. Ótima resenha.
Beijos!
Nunca li a respeito mas só de saber que é baseado em fatos reais já da vontade de comprar e ler logo adorei a resenha.
Abraços!!!
Mari!
Como ele era bom, né? Assisti o filme da vida dele e apesar de suas excentricidades, ele como jornalista não tinha igual.
Gostaria demais de poder apreciar a leitura dessa obra verídica e em forma do jornalismo imparcial, o que é muito difícil de ocorrer, principalmente pela quantidade de anos que ele teve contato com os assassinos.
Bom final de semana!
“A sabedoria é a única riqueza que os tiranos não podem expropriar.” (Khalil Gibran)
cheirinhos
Rudy
http://rudynalva-alegriadevivereamaroquebom.blogspot.com.br/
Eu simplesmente fui de imediato ver o preço do livro para comprá-lo. Não conhecia o livro, mas fiquei muito curioso através da sua resenha. É raro vermos livros jornalísticos ganharem resenhas nesse mundão de blogs literários.
Gostei muito!
Jônatas Amaral
alma-critica.blogspot.com.br
Violento, dramático e fascinante, uauu! Não conhecia, mas fiquei curiosa e é bom saber que é lento, mas não enfadonho, pq realmente uma coisa nem sempre tem a ver com a outra. Ótima resenha como sempre.
Bjs, Mi
O que tem na nossa estante
Sorteio A guerra que salvou a minha vida
Truman Capote tem uma arte de descrever eventos. Esse sangue jornalistico nele, é algo mais para esse livro e é algo incrível. Querendo muito ler este livro, do Capote, até agora só tenho Cães Que Ladram
Quero muito ler esse livro, parece ótimo, apesar de tratar de um tema tão duro e polêmico.
Quero ver se tomo coragem e leio logo.
Adorei a resenha,parabéns!
bjs
Oi, Mari!!
Não conhecia esse livro mais achei a história dele bem diferente de tudo que li na minha vida!!
Bjoss
Oi, Mari!!!
Eu li esse livro anos atrás por indicação de um professor da faculdade. Não foi um dos meus favoritos, mas achei bom. Na verdade eu tenho certa birra com o Capote porque ele não era um dos jornalistas mais confiáveis.
Também fiquei enrolando e nunca consegui terminar de assistir o filme inspirado no livro. Hahahaha
Mas ainda quero ler o livro que ele escreveu do Bonequinha de Luxo. Só não sei quando conseguirei! Hahahaha
Bjs
http://livrosontemhojeesempre.blogspot.com.br
Quero muito ler esse livro,estou sempre adiando colocando outros na frente mais depois dessa resenha quero ler imediatamente rsrs.
Beijão!
https://euhumanaefinita.blogspot.com.br
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