quarta-feira, 24 de maio de 2017

RESENHA: Um Estranho Numa Terra Estranha

“— Jill, não sabemos muita coisa sobre Marte, mas sabemos que marcianos não são humanos. Imagine que você apareceu numa tribo tão perdida nas profundezas da selva que eles nunca viram sapatos antes. Você saberia participar de toda a conversa fiada que só é aprendida após uma vida inteira imersa naquela cultura? E essa é uma analogia fraca; a verdade é pelo menos 60 milhões de quilômetros mais estranha.” (HEINLEIN, 2017, p. 40). 

***

Robert Heinlein é considerado um dos mais importantes autores da ficção cientifica, sendo que Um Estranho Numa Terra Estranha é sua obra-prima e serviu de fonte de inspiração para inúmeros escritores. 

A Envoy foi a primeira expedição humana enviada a Marte, sendo que a última mensagem enviada pela tripulação foi antes de pousarem. Assim, ninguém sabe o que aconteceu com os tripulantes, se ainda estão vivos ou não. Quase trinta anos depois, uma nova expedição é enviada ao planeta vermelho e a tripulação se surpreende ao encontrar um sobrevivente: Michael Valentine Smith é um humano que nasceu em Marte e foi criado por marcianos. Ao ser trazido para a Terra, tem um choque com os comportamentos e a cultura dos terráqueos. 

O primeiro aspecto que me chamou atenção durante a leitura foi a fluidez do texto de Heinlein. Mesmo escrito em 1961, Um Estranho Numa Terra Estranha tem ritmo e agilidade, e em poucos capítulos faz o leitor mergulhar nesse novo mundo. O autor foi particularmente inteligente em acrescentar altas doses de ação no início do livro, pois creio que se focasse apenas na adaptação de Mike e no choque cultural, a estória se tornaria monótona. 

O título do livro não poderia ser mais propício. Mike é a personificação da dualidade: nunca foi completamente marciano, nunca será completamente humano. O leitor sente na pele todo o estranhamento do personagem por que também não reconhece o cenário, visto que os avanços tecnológicos e políticos transformaram completamente a Terra que conhecemos. Porém, confesso que Mike me pareceu um protagonista um tanto distante do leitor, e talvez essa realmente fosse a intenção do autor: manter uma barreira por que não conseguimos entendê-lo por completo. 

Mas o ponto alto do livro certamente são as provocações e reflexões que Heinlein faz ao longo da estória. Mesmo em uma sociedade evoluída tecnologicamente, a moral e os costumes sofreram poucas alterações, de modo que o ser humano, sua forma de pensar e suas atitudes permanecem as mesmas. Assim, o autor aproveita a estória para questionar e criticar diversos aspectos da nossa sociedade, como democracia, guerras, religião, puritanismo e tantos outros.  

Porém, nem tudo são flores e houve dois momentos que me fizeram torcer o nariz. O primeiro trata-se de um trecho em que uma personagem mulher diz que “Nove em cada dez vezes, se uma garota é estuprada, é parcialmente culpa dela” (p. 392). Em outro momento, um personagem diz que homens se beijavam, mas que “não era um gesto aviadado” (p. 462). Nos dois trechos, me espantei com o preconceito das afirmações. Acho que não é demais salientar que a culpa nunca é da vítima e que homens podem se beijar de forma tão aviadada quanto quiserem. 

Na segunda metade do livro vemos Mike explorando o mundo, tentando entender os costumes terráqueos. Seu modo de pensar marciano o faz refletir sobre cada experiência de forma distinta, o que acaba resultando na criação de uma “filosofia de vida” que rompe com paradigmas e coloca em xeque os padrões que reputamos ser “normais”. Por isso mesmo, me causou muito estranhamento ver esse preconceito escancarado em uma obra que tem um argumento tão liberal. Me pareceu que o autor ou teve medo de bancar a ideia até o fim, ou que no fim das contas ele não era tão “mente aberta” assim. De qualquer forma, a incoerência não tem justificativa. 

O final é morno. Quando o livro empolga tanto por contar uma estória original, tão única que o leitor simplesmente não consegue imaginar que rumo o autor irá seguir no capítulo seguinte, se espera que o desfecho esteja a altura. A meu ver, o final foi um tanto blasé e não combinou com o tom de todo o restante do livro.

Ainda assim, é preciso reconhecer que Um Estranho Numa Terra Estranha é um livro genial. Não conta apenas com bons personagens e uma estória interessante, mas também apresenta um tom filosófico e reflexivo que não encontrava há muito tempo. Apesar do texto fluido e envolvente, as ideias são densas e por isso mesmo ainda pretendo relê-lo a fim de “grokar em plenitude”. 

Título: Um Estranho Numa Terra Estranha
Autor: Robert Heinlein
N.º de páginas: 569
Editora: Aleph
Exemplar cedido pela editora

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16 comentários:

Lana Silva disse...

Que livro incrível, fiquei completamente estática com sua resenha, primeiro porque nunca li nada parecido, e totalmente original, o que já me cativou, além do mais e uma estória cheia de filosofias, que nos faz refletir. Uma pena que o autor não conseguiu sustentar a crítica, ou melhor tema até o final, fazendo com a finalização da estória fosse um blefe. Mesmo assim irei dar uma chance a essa leitura.

Sora Seishin disse...

Oi Alê!
Estava pensando em comprar esse livro :)
Pena que o final não foi tão bom, mas ainda assim vale a pena ler né?

Beijos,
Sora | Meu Jardim de Livros

Gabriela CZ disse...

Por ser um livro muito comentado há tempos tenho vontade de lê-lo, Alê. E depois que li Tropas Estelares então minha curiosidade só aumentou, assim como pelas demais obras de Heinlein. Seus comentários só contribuíram em elevar meu interesse, mesmo um tanto receosa com o final. Acho interessante quando histórias abordam a questão de que a moral humana não evolui ao mesmo passo que a tecnologia, tenho a impressão que os trechos que você mencionou refletem isso. Mas como não li o livro não vou afirmar, vou esperar para tirar minhas conclusões. Ótima resenha.

Beijos!

Kézia Martins disse...

Adorei a capa do livro. E a historia parece muito boa.
Flor você resenha ebooks nacionais tbm? Eu tenho um :D
Caso tenha interesse...
http://b-uscandosonhos.blogspot.com.br/

Na Nossa Estante disse...

Oi Ale, tudo bem? Achei o enredo bem interessante e Mike mais ainda! Essa dualidade me chama atenção! Mesmo com o final morno, fiquei bem curiosa!

Bjs, Mi

O que tem na nossa estante

RUDYNALVA disse...

Alê!
Temos que obsevar a época em que o livro foi escrito, pois há mais de 55 anos atrás o preconceito era grande, tanto em relação a mulher, como em relação aos relaciomentos de pessoas do mesmo século. Não acredito que o autor tenha sido preconceituoso, apenas enfatizou um comportamento de sua época, mesmo escrevendo um livro futurista e com visão aberta para outros aspectos.
“A solidão é a mãe da sabedoria.” (Laurence Sterne)
Cheirinhos
Rudy
TOP COMENTARISTA DE MAIO 3 livros, 3 ganhadores, participem.
http://rudynalva-alegriadevivereamaroquebom.blogspot.com.br/

Luli Ap. disse...

Olá Alê
Sua resenha me deixou instigada, o livro tem um plot inusitado, uma segunda expedição enviada a Marte para saber o que aconteceu com a primeira enviada 30 anos antes e encontram um rapaz que nasceu lá!
Ainda mais curiosa fiquei com ele vindo para a Terra. Poderia ser metade humano-metade marciano, mas ... ele não se sente nem um nem outro.
Agora estarrecida fiquei mesmo com os trechos que vc selecionou e que com maestria comentou, o pensamento machista de 1961 ainda encontra resquícios em pleno 2017, vide noticiários.
Siiiiiiiiim nunca é demais salientar que vítimas nunca são culpadas e homens podem se beijar da forma que bem entenderem.
Respeito é tudo.
Pena que o final deixou a desejar, mas vale muito a pena a reflexão que proporciona e é claro um sci-fi de primeira grandeza.
Parabéns pela resenha.
Bjs Luli
Café com Leitura na Rede

Luiza Helena Vieira disse...

Oi, Alê!
Amei essa vibe Woodstock da capa hahahaha Mas não sei se leria o livro... Não por agora, pelo menos.
Beijos
Balaio de Babados
Sorteio Dois Anos de Família Hallinson

Márcia Saltão disse...

Olá.
Sua resenha está muito bem escrita e detalhada na medida certa.
O livro tem um enredo até interessante, mas no momento não me chamou a atenção. Talvez de uma chance a ele, se surgir uma oportunidade.
Abraços.

Ariane Gisele Reis disse...

Oie Alê =)

Acho que não me incomodaria com um final morno se o desenvolvimento da história possui-se um bom ritmo e fosse envolvente. Algo que pelo que li na sua resenha acontece aqui.

Confesso que não conhecia o livro e a sua é a primeira resenha que leio dele. Porém gosto muito de enredos que por mais que tenha essa pegada mais leve e descontraída ainda conseguem passar uma mensagem importante.

Dica anotada ;)

Beijos;***
Ane Reis | Blog My Dear Library.

Maah disse...

Oi Alê.
Gostei bastante da premissa e achei uma pena ver comentários tão preconceituosos em um livro tão interessante, uma pena realmente essa capa é linda, mas não sei se leria.
Bjs.

Adriana Holanda Tavares disse...

Gente, como ainda não li esse livro? Tsc tsc. Sou do tipo de leitora que ama livros que a maioria não gosta. Esse eu vou ler com toda certeza do mundo

Carolina Garcia disse...

Oi, Alê!!!

Eu estou louca para ler esse livro há um bom tempo, mas tenho certeza que vou ODIAR chegar nessas quotes que você citou no texto. Um absurdo total.
Mas ainda sou muito curiosa por essa história. Já está na minha lista! :)

Bjs!!

http://livrosontemhojeesempre.blogspot.com.br

Unknown disse...

Oi Alê, tudo bem?
Eu estava gostando muito do livro até você citar aqueles quotes horrorosos. Odeio quando vejo essas afirmações preconceituosas, e acho que isso me incomodaria um pouco na leitura. Por enquanto não pretendo ler o livro, mas achei bem legal esta proposta e o título realmente faz jus ao que o personagem passa em sua vida.
Beijos

Ketellyn Amorim disse...

Infelizmente o livro não chamou a minha atenção, e saber que apesar do livro ser bom o final não foi me desanimou :(

Marta Izabel disse...

Oi, Alê!!
Adorei a resenha, fiquei bem empolgada para fazer a leitura dele, mas infelizmente o meu entusiasmo murchou completamente quanto li alguma partes não tão legais sobre o livro!!
Beijoss

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