Acredito que qualquer um que leia “O Tempo e o Vento” confiará de olhos fechados na habilidade de Erico Verissimo de criar personagens apaixonantes, já que muitos dos Terra-Cambará ficarão guardados no coração dos leitores eternamente. Mas, aparentemente, ninguém é infalível. Nem mesmo Verissimo.
Uma moça se atira de um prédio no centro de Porto Alegre e é testemunhada, de maneiras diferentes, por sete pessoas que nada tem a ver umas com as outras. A partir disso, vemos como esse episódio afeta a vida dos que, mesmo indiretamente, entraram em contato com essa tragédia.
A ideia do livro surgiu de uma vivencia do próprio Erico Verissimo que testemunhou o suicídio de uma moça nas mesmas condições que o de Joana Kerewska, personagem que dá início a “O Resto é Silêncio”. Perturbado e levando consigo uma vaga sensação de responsabilidade, como revela no prefácio, o autor usou do episódio para dar início a uma trama muito promissora, cuja a intenção não é abordar a história do suicídio ou os motivos que levaram a moça a se matar, mas sim o impacto disso na vida dos que testemunharam essa morte. Joana nem mesmo é uma personagem. Quem dá vida a “O Resto é Silêncio” são os outros.
Achei a premissa genial, mas me decepcionei com o que encontrei. O próprio Erico, crítico severo de sua própria obra, reconhece (também no prefácio) que falta calor a “O Resto é Silêncio” para que este seja de fato um bom livro. Concordo. Temos bons personagens (verossímeis, cheios de defeitos e angústias), mas lhes falta carisma. Isso é um grande problema porque o livro gira em torno exclusivamente das reflexões deles a partir do suicídio de Joana. Eles passam a pensar sobre a vida, sobre o passado, sobre erros cometidos, anseios, carreira, família, entre tantas outras coisas, mas não há uma trama para o livro ou mesmo uma história para esses personagens viverem. Não vejo nisso um problema se os personagens em questão fossem interessantes a ponto de se sustentar com base apenas nisso e não é o caso, afinal, se eles não nos cativam, que interesse temos em suas angústias?
“Lançou um olhar para o meio da rua. Foi ali que caiu a moça...Sacudiu a cabeça. Uma desgraçada a menos. Mas o mundo não ia acabar, nem melhorar, nem piorar por causa daquilo. Mais gente morreu em Canudos. Mais gente estava morrendo na Europa, naquele mesmo instante.” (VERISSIMO, 2008, p. 157)
Outro problema é que Verissimo não tem uma das narrativas mais objetivas que já conheci. Isso não atrapalha uma trama como a de “O Tempo e o Vento” em que cada detalhe nos encanta porque ajuda a desenhar um cenário, uma situação ou conhecer um pouco mais de um personagem cheio de vida. Mas em “O Resto é Silêncio” incomoda porque o autor não está nos levando a lugar algum. O engraçado é que, mesmo que nos sejam dados tantos detalhes, ainda parece que conhecemos esses personagens apenas à distância. Sabemos o que pensam, o que sentem, mas não sentimos que estamos com eles em nada.
Algo que gostei foi do caráter cíclico que o autor deu à história. Se todos os personagens se uniram, de certa forma, por um mesmo acontecimento e isso que testemunharam os fez pensar sobre suas vidas, as cenas finais também os colocam em uma mesma situação (um concerto) e o que testemunham no palco do teatro os faz chegarem a conclusões sobre as coisas que vinham pensando nos últimos dias (a história toda se passam em um final de semana). A mesma coisa os leva a refletir e a mesma os leva a concluir.
Dizer que “O Resto é Silêncio” não é o melhor do seu autor seria declarar o óbvio, mesmo se eu não tivesse lido o livro. Alguns autores tem uma obra a qual nada que escrevam, antes ou depois, pode se comparar. É o caso de J.K. Rowling e seu “Harry Potter”. É o caso de Erico Verissimo e seu “O Tempo e o Vento”. O que “O Resto é Silêncio” faz é demostrar o estilo do seu autor e sua habilidade de contar milhares de histórias concomitantemente. Mas lhe falta intensidade e por isso torna-se enfadonho na maior parte da leitura.
Autor: Erico Verissimo
N° de páginas: 392
Editora: Companhia das Letras
Exemplar cedido pela editora
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9 comentários:
Oi Mari, não li ainda esse livro do Érico, mas acredito que cada autor tenha um livro que não seja na mesma dimensão do outro como uma qualidade igual de escrita até porque somos seres diferentes ao longo do tempo, mas foi bom saber sua opinião sobre esse livro! Adorei
Nada a dizer além de que é uma pena, Mari. A premissa realmente é ótima, mas se falta intensidade perde muito da intenção. Não sei se lerei. Ótima resenha.
Beijos!
Oi, Mariana.
O contexto do livro foi bem idealizado em centrar a atenção do impacto que a morte, nesse caso, suicídio, pode gerar na vida de quem presenciou... E não só na vida dis familiares da vítima.
Afinal, ao meu ver, isso é algo bem traumático.
Mari!
Até os grandes escritores tem o direito a um deslize em sua carreira e acredito que esse seja o caso de Veríssimo com esse livro, que por sinal, ainda não li...
Falar sobre as consequências de quem assistiu a um suicídio, a princípio seria um bom plot a ser desenvolvido, pena que não há empatia com os protagonistas...
Bom final de semana!
“Os lírios não bastam. As leis não nascem das flores. Meu nome é luta, e escreve-se na história.” (Luciana Maria Tico-tico)
cheirinhos
Rudy
TOP COMENTARISTA MARÇO: 3 livros + vários kits, 5 ganhadores, participem!
BLOG ALEGRIA DE VIVER E AMAR O QUE É BOM!
Oie Mari =)
É complicado quando esperamos algo de um obra e ela acaba nos decepcionando =/
Do Erico li algumas coisas nos tempos de faculdade, mas nada que impacta-se em minha vida.
Espero que a sua próxima leitura seja mais proveitosa.
Beijos ;***
Ane Reis | Blog My Dear Library
Oi Mari!
É difícil ler algum livro bom de qualquer autor que seja e criar altas expectativas pois muitas vezes acabamos nos decepcionando com alguma outra obra.
Realmente concordo com a questão de não nos prendermos nas angústias se não somos cativados pelos personagens. Uma pena que faltou um pouco mais de calor, como você falou.
Bjs
Oi!
Com certeza esse prefacio nos deixa bem interessado, pois é diferente não temos o foco na historia do suicídio e sim nas pessoas que viram o fato, assim pode ser qualquer pessoas que gera impacto em cada uma e afeta cada uma de uma forma diferente, mas pelo que vi parece que o autor se perde muito nas suas próprias memorias, não dado voz aos seus personagens, mas fiquei interessada para poder ler e conhecer a historia !!
Oi Mari,
não conhecia esse livro do Erico, mas quero muito ainda ler algum dele.
A história parece muito boa e com várias reflexões, esse cenário do testemunho da jovem se suicidando é realmente angustiante até pra gente que ainda não leu o livro, imagino como deve ter sido o desenrolar da história para os personagens.
Vou querer ler sim!
bjs
Eu me decepcionei também com esse livro do Erico. Já li poucos mas bons livros dele e esse me fez tirar vários cochilos com sua linguagem cansativa e complexa. Nao é um livro que eu recondaria
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