Há tempos eu queria conferir um livro de Cormac McCarthy que estava fora do catálogo da Alfaguara. Acabei optando por ler “A Estrada”, vencedor do Pulitzer, que conta uma história pós apocalíptica protagonizada por um pai e seu filho.
Um mundo devastado e duas pessoas em busca de sobrevivência. Essa é a premissa de “A Estrada”. Não sabemos o que aconteceu para que as coisas chegassem a esse ponto, nem mesmo nos importamos. A história não gira em torno de respostas porque, seja lá o que tenha ocasionado o fim da humanidade, não interessa. O que interessa é que temos esse homem e esse menino e eles precisam sobreviver. Aliás, “homem” e “menino” é como os conhecemos, já que em nenhum momento sabemos os seus nomes, suas idades, onde moravam ou o que faziam antes de tudo chegar ao fim. Nada disso importa. Agora eles estão reduzidos ao que são em essência: homem e menino. Pai e filho. E é assim que os conhecemos.
O livro não tem divisão em capítulos, apenas segmenta a narrativa em pequenos trechos. Isso porque nesta história não há interrupção. É tudo uma sequência, um dia após o outro por uma longa estrada. Outra coisa que pode desagradar alguns leitores é a falta de marcação de diálogos. Não temos travessão, nem aspas, nem mesmo indicação de quem fala. Afinal, estamos em um mundo sem regras. Um mundo em que não existe nada além de eles dois. Precisamos nos ater ao essencial e eliminar o supérfluo. Assim, o que vale para os hábitos, o autor transfere também à narrativa. Apesar disso, os diálogos não deixam dúvidas porque o McCarthy define com clareza as duas personalidades. Outro ponto de destaque da narrativa é que ela parece querer preencher com cores a falta de mundo. No cenário não há nada, mas o autor consegue tornar o “nada” vívido.
Livros com apenas dois personagens são sempre desafiantes porque a história pode facilmente se tornar cansativa, dependendo do contexto. Mas dois personagens em um mundo onde nada mais existe além deles e, consequentemente, tudo que eles fazem é andar e comer é um desafio gigante que McCarthy vence sem fazer o leitor sentir. Não temos grandes diálogos entre os personagens porque não há tanto sobre o que falar. Não há grandes situações porque dificilmente algo irá
acontecer se não tem mais ninguém lá para fazer acontecer. Ainda assim o autor preenche cada página com vida. Arrisco dizer que se McCarthy consegue fazer funcionar essa premissa, ele consegue fazer funcionar qualquer coisa.
"Quando todos tivermos morrido pelo menos não haverá ninguém aqui além da morte e seus dias estarão contados também. Ela vai estar aqui na estrada sem nada para fazer e sem ninguém a quem fazer. Ela vai dizer: Para onde foi todo mundo? E é assim que vai ser." (MCCARTHY, 2007, p. 143)
E a verdade é que “A Estrada” funciona muito bem. Mesmo tendo pouca ação, vamos nos apegando aos personagens de maneira que só queremos torcer por eles. Só queremos que eles fiquem bem, mesmo sabendo que a situação não permite que o bem perdure. Vamos nos apaixonando pela inocência desse menino e pelo amor que o pai tem por ele. Aliás, por falar em inocência, que personagem ímpar! Esse é um menino que apresenta a inocência típica da criança, mas também uma inocência que vai além disso porque ele não conheceu o mundo como era. Por outro lado, é uma inocência contaminada com a dureza desse novo mundo, com as coisas que ele já viu (corpos carbonizados, amputados, pessoas que comem pessoas para sobreviver). Há cenas de cortar o coração, mas que nunca se tornam apelativas. Como a cena em que o pai se obriga a ensinar o filho a colocar uma arma na própria boca e atirar para cima, caso eles sejam pegos (pegos por quem e o que aconteceria nessa situação são coisas que ficamos sem saber).
Para futuros leitores, dou uma dica: leia “A Estrada” em poucos dias. Como não há um desenrolar de eventos da maneira que estamos acostumados, isso pode dar a impressão de que nada acontece. Lendo mais rápido mergulhamos no que os personagens estão sentindo e é isso que faz valer a leitura.
Melancólico, triste, cheio de amor e de força. Esse é “A Estrada”. Um livro de poucas ações em busca da maior delas: sobreviver. Agora, estou torcendo mais do que nunca para que “Onde os velhos não têm vez” retorne logo ao catálogo da editora.
Título: A estrada
N° de páginas: 234
Editora: Alfaguara
Exemplar cedido pela editora
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7 comentários:
Mari!
Acredito que o livro é daquele tipo : ame-o ou deixe-o!
Acredito que traz um pouco a perda da humanidade a partir do momento que ele não dá nome as personagens, é impressão minha?
Parece um livro bem triste.
Desejo um mês abençoado !
“Se queres a verdadeira liberdade, deves fazer-te servo da filosofia.” (Epicuro)
cheirinhos
Rudy
TOP COMENTARISTA OUTUBRO - 5 GANHADORES –
BLOG ALEGRIA DE VIVER E AMAR O QUE É BOM!
Este sim é um livro que trouxe um enredo fora do normal,mas que funcionou muito bom.
O fato de apresentar somente dois personagens, com isso de não se ter muita explicação de como tudo ocorreu até chegar aquele momento, foi um acerto enorme do autor!
Se minha memória não estiver falha, tem também a adaptação que pelo que me recordo, é muito boa também!
Uma leitura recomendadíssima!!!
Beijo
Pelo visto esse livro não é pra mim.
Ficaria incomodada com a falta de detalhes sobre o passado dos personagens, sobre o nome e tudo mais. Gosto de profundidade.
A maneira que o autor escreveu, sem separar os diálogos também me incomodaria.
Mas acho legal quando entendemos a essência da história, isso nos faz entender a narrativa também.
Beijos
Confesso que sei pouco sobre o autor e que não conhecia o livro, Mari. Mas me faltam palavras pra dizer o quanto fiquei intrigada com seus comentários. Quero ler. Ótima resenha.
Beijos!
Não conhecia o autor e não sei se esse livro seria para mim. Mas acho complicado um livro somente com dois personagens. O livro é interessante, mas ainda não sei se leria.
Oi, Mari
Não conhecia o livro, lendo sua resenha lembrei do que o meu irmão me fala sobre apocalipse zumbi.
Gostei muito do livro, quero ler. É engraçado quando os personagens não tem nome, mas estão ligados pelos laços de sangue pai e filho (homem e menino).
Anotado na lista de desejos, beijos!
Oi, Mari,
então, vi o filme desse livro há alguns anos e achei bem pesado, triste e sem sentido.
Acho que era tipo um pós-apocalipse, algo assim, não entendi.
Mas foi triste. Não quero ler não, rs
bjs
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