terça-feira, 5 de fevereiro de 2019

RESENHA: Gabriela, Cravo e Canela

gabriela cravo e canela
Meu primeiro contato com Jorge Amado foi com o livro Capitães da Areia, que foi um das minha melhores leituras de 2015, e desde aquela época tinha muita vontade de conferir outras obras do autor. A escolhida da vez foi Gabriela, Cravo e Canela, um dos livros mais conhecidos de Jorge Amado, tendo sido adaptado para televisão e cinema. 

Em Ilhéus de 1925, a palavra da vez era progresso. E o jovem exportador Mundinho Falcão lidera um grupo que deseja modernizar a cidade e torna-la ainda mais próspera, porém, os velhos coronéis que mandavam e desmandavam na cidade não ficam satisfeitos com suas ideias. É nesse contexto político turbulento que se desenvolve a história de amor de Nacib e Gabriela. 

No primeiro capítulo, o narrador afirma que “foi a história dessa doida paixão o centro de toda a vida da cidade naquele tempo”, entretanto, não foi essa a minha percepção durante a leitura. A meu ver, o embate político foi mais desenvolvido ao longo da estória, sendo inclusive mais interessante

E apesar de ser a protagonista e até mesmo dar título ao livro, minha sensação foi de que Gabriela era uma ilustre desconhecida durante a maior parte da estória. Sua primeira aparição se dá por volta da página 100; ela faz participações mais constantes até a página 300, porém, sem ganhar muito destaque; e apenas nas últimas 100 páginas o relacionamento dela e de Nacib se torna o foco da estória. 

O desenvolvimento do romance entre os personagens não me convenceu. Logo que Gabriela começa a trabalhar para Nacib, eles consumam o relacionamento, mas não parece haver nada muito além de sexo, afinal, eles mal se conhecem. De repente, Nacib começa a sentir ciúmes da atenção que outros homens dão a Gabriela, para logo em seguida se dizer apaixonado por ela. E além de ser tudo muito rápido, senti que não vemos o lado de Gabriela dessa história, não vemos a evolução de seus sentimentos e, sinceramente, tenho dúvidas se havia tantos sentimentos assim da parte dela. 

“Paixão... Amor... Lutara contra aquelas palavras durante dias e dias, a pensar na hora da sesta. Não querendo medir a extensão de seus sentimentos, não querendo encarar de face a realidade das coisas. Pensava ser um xodó, mais forte que os outros, mas que logo iria passar. Mas nunca pensará tanto em um xodó, jamais sentira tais ciúmes, esse medo, esse pavor de perdê-la.” (AMADO, 2008, p. 221).  

Outro fator que me deixou extremamente incomodado é que Gabriela é praticamente a personificação de um ideal masculino. Muitas vezes ela é descrita como uma mulata, sensual e fogosa, mas também é submissa, faz todas as vontades do parceiro, temendo que a menor de suas atitudes pudesse ofender a Nacib. Esse tipo de pensamento e de atitude me deixou com a impressão de que a protagonista sofria de um complexo de inferioridade, pois sempre se rebaixava e sempre endeusava aos homens. 

Em certo trecho do livro, Gabriela argumenta em favor da liberação sexual, do direito da mulher dormir com quem quiser, o que me impressionou bastante visto que o livro foi publicado em 1958. Entretanto, logo em seguida ela fala que sendo mulher casada, nada disso é possível, que apenas o homem casado poderia trair, o que deixou escancarado o machismo da época. Depois, até fiquei me questionando se os pensamentos sobre a liberação sexual não seriam, mais uma vez, um idealização masculina acima de qualquer outra coisa. 

Como disse, a luta de Mundinho Falcão pelo progresso de Ilhéus me pareceu muito mais interessante do que o romance de Nacib e Gabriela. No entanto, apesar de tal arco da trama contar com inúmeras reviravoltas, não foi o suficiente para sustentar o livro por suas 400 páginas

Encerrei a leitura de Gabriela, Cravo e Canela bastante decepcionado. É claro que entendo que, naquela época, as pessoas viviam em outro contexto e que a dinâmica dos relacionamentos era diferente. Ainda assim, a construção da protagonista e o desenvolvimento do romance deixaram muito a desejar, mesmo que se leve em conta esse contexto. . 

Título: Gabriela, Cravo e Canela
Autor: Jorge Amado
N.º de páginas: 415
Editora: Companhia das Letras
Exemplar cedido pela editora

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6 comentários:

Rubro Rosa disse...

Tempo. Tempos diferentes! Teve uma época que acabei lendo muitas obras de Jorge e realmente, Capitães também é minha favorita até hoje, até o filme é belíssimo!
Gabriela eu li tem séculos e sinceramente, muitos detalhes foram até perdidos com o tempo,mas sim, o machismo,a submissão, o ser bonita e sensual apenas para agradar o parceiro era algo comum e oh, em muitos livros da época.
Talvez isso que seja estranho hoje em dia, pois vivemos uma era totalmente diferente, ou ao menos, tentamos viver.
É um clássico, um dos grandes clássicos e sim, mesmo com esse nó na garganta, deveria ser lido por quem ainda não conhece a obra!
Beijo

Ludyanne Carvalho disse...

Quero muito ler algo de Jorde Amado, mas Gabriela não me desperta interesse.
Quero mesmo é iniciar com Capitães de areia.

Beijos

Gabriela CZ disse...

Não sei se um dia conseguiria ler esse livro pois desde a infância tenho trauma da música tema das adaptações, Alê. Todo mundo me cantava aquela música, e eu detestava. E sempre tive a impressão de que a personagem era uma típica idealização masculina, então vendo que é isso mesmo fico com ainda menos vontade de ler. Enfim, ótima resenha.

Beijos!

Ycaro Santana disse...

Eu li Gabriela, Cravo e Canela a época da escola por conta de uma apresentação de teatro, na época achei um livro bom, mas nada mais que isso, na verdade a escrita do Jorge Amado é que compensa a leitura, seu bom humor com toques de reflexão são incríveis. Entretanto, me incomodei bastante com a leitura, o machismo é absurdamente grande, além de outros pontos conflitantes.

Luana Martins disse...

Oi, Alê
É uma vergonha, confesso que ainda não li nada de Jorge Amado.
Quero mudar isso,um livro do autor que me deserta interesse no momento é Capitães de Areia (li várias resenhas).
Assisti algumas adaptações do livro e não tenho tanto interesse em ler, só que não descarto a possibilidade de uma dia conseguir ler.
Em relação aos costumes da época algumas coisas mudaram, o machismo ainda é grande e idealizar uma pessoa para a sua satisfação estão presentes nos dias atuais.
Beijos

Ana I. J. Mercury disse...

Fazia tempo que eu queria ler esse livro, por conta do hype de sempre kkkkkk
Nossa, mas não imaginava que era tãooooo chato assim.
E com bastante machismo, pelo jeito.
Ai perdi a vontade, não lerei não.
Mas ainda quero ler alguma coisa do Jorge Amado (nunca li nada dele).
bjs

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