domingo, 23 de março de 2014

RESENHA: O Ladrão do Tempo

“Vi muitas mortes ao longo da vida, algumas naturais, outras nem tanto, mas elas nunca deixam de me surpreender. Uma parte de mim não consegue entender de jeito nenhum porque os corpos das outras pessoas as abandonam com tanta frequência enquanto o meu é tão incrivelmente fiel a mim.” (BOYNE, pag. 137, 2014)

“O Ladrão do Tempo” tem uma daquelas premissas que cativam imediatamente. Diferente, curiosa e com muito potencial para ser explorado. Livro de estréia do aclamado John Boyne, esse foi um dos meus primeiros contatos com o autor, de forma que o li sem a expectativa gerada por sucessos posteriores. Terminada a leitura acredito que comecei a entender o porquê do sucesso.

Matthieu Zela é um alto executivo da televisão. Tem alguns casamentos fracassados no currículo, já enfrentou perdas de pessoas próximas e já morou nas ruas. Já foi cineasta, engenheiro e investidor. Conheceu Charlie Chaplin, viu a morte de Luis XVI e a queda da Bolsa de Valores de 29. Isso porque Matthieu tem 256 anos. Enquanto todos ao seu redor envelhecem e, eventualmente, morrem, ele não apenas continua a viver como permanece com a aparência de um homem bem apessoado de meia idade. Sua vida é mil histórias em uma.

Várias sinopses de John Boyne já me despertaram interesse e algo que me chama a atenção na obra do autor é a inserção das tramas em meio a eventos históricos reais. Com “O Ladrão do Tempo”, o autor faz um excelente trabalho neste sentido, pois consegue transitar por inúmeros episódios importantes da história mundial e incorporá-los com naturalidade às situações em que os personagens se envolvem.

O ano é 1999, mas a história começa em 1758 e é através das lembranças do protagonista que a conhecemos. Boyne intercala passado e presente e escolhe com cuidado os episódios que contará, não os estendendo a ponto de torná-los monótonos, nem encurtando-os a ponto de o leitor não ser capaz de vivenciá-los junto com o protagonista.

Devido à passagem do tempo, há uma rotatividade de personagens coadjuvantes que faz com que o narrador esteja cercado por personagens diferentes dependendo da fase da história. Dentre eles, os mais interessantes são os seus sobrinhos Thomas/Tom/Thomy (que sempre morrem tragicamente antes de chegarem aos 25 anos, mas nunca se despedem do mundo sem deixar um descendente de mesmo nome) e Dominique, seu único verdadeiro amor. É devido à importância de Dominique na vida de Matthieu que a divisão do livro em passado e presente pode ser também classificada como o período da adolescência do protagonista – ou seja, o período em que conviveu com ela - e a idade adulta até o presente.

O autor dá destaque aos anos de adolescência do personagem, interrompendo-os e estendendo-os ao longo de todo o livro, como se a vida de Matthieu fizesse mais sentido naqueles primeiros anos e depois fosse composta apenas de fases e episódios, mas nenhuma emoção pode-se comparar ao que ele sentiu por Dominique. Também é interessante que, com mais de 200 anos de intervalo entre uma fase e outra, é como se elas fossem vividas por dois homens diferentes.

Independente da fase, é muito bom poder acompanhar Matthieu que mesmo sendo alguém que já viveu muitos anos, não soa como um velho e sim como alguém que viu e viveu muita coisa. Alguém que, longe de estar cansado da vida, apenas segue vivendo e aproveitando da melhor maneira.

“O Ladrão do Tempo” é uma história em que o importante não são os porquês e sim os o quês. Não importam as explicações e sim os acontecimentos e emoções. Reconheço que foi apenas ao ver o autor explicar a condição do protagonista que eu percebi que não me importava com ela. Matthieu é um personagem tão carismático e que acompanhamos por tanto tempo com tanto prazer que nos envolvemos com sua história e esquecemos o quão bizarra ela é. Ainda assim, me alegra que o autor tenha conseguido encontrar uma resposta satisfatória mesmo para as perguntas que – diante de sua habilidade em nos contar uma história inusitada - quase perderam seu contorno de questionamento.

Imagine, de tempos em tempos, perder todos os seus amigos, seus colegas, seus familiares, continuar vivendo, criar novos vínculos, sofrer todas as perdas novamente e continuar vivendo para fazer tudo de novo.Imagine ter o tempo de se tornar o melhor em algo e depois abandonar tudo para se dedicar a outra coisa simplesmente por já ter atingido o auge e querer mais. É uma existência incrível porque permite evoluir como ser humano, aprender com seus erros, ajudar a corrigir os dos outros, descobrir coisas novas ao seu redor, mas também é infeliz pois, em uma vida onde tudo é efêmero, a solidão parece ser quase inevitável. É por isso que “O Ladrão do Tempo” diverte, envolve e faz pensar: “Para quantas coisas queríamos ter todo o tempo do mundo, caso pudéssemos?”

Título: O Ladrão do Tempo (exemplar cedido pela Editora)
Autor: John Boyne
Nº de páginas: 561
Editora: Companhia das Letras

11 comentários:

Gabi disse...

Oi,
Eu gostei bastante desse livro e concordo com os pontos que você comentou na resenha. Achei que iria desejar saber do motivo pelo qual Matthieu tem essa característica, mas logo no início percebi que não importava realmente o por quê, como você disse. Não é o meu favorito do autor, mas realmente é um ótimo livro de estreia. Você pode gostar de "O Palácio de Inverno" também!

Franciely disse...

Eu gostei muito da leitura tb ^^ Achei como vc que o que importava não era o por que de ele ter vivido 256 anos (apesar de q sabemos o porquê, mesmo q nao tenhamos explicações de como) e sim as coisas q passaram em sua vida durante esse tempo. O caráter dele, os momentos históricos presenciados... enfim. O autor deve ter tido trabalho hehehehe, mas concordo q este é um ótimo autor. Esse é o primeiro livro adulto q leio dele, já tinha lido o do Barnaby Brocket e o Tormento.

Kel Araujo disse...

Oi Mari, tudo bem?

Nossa, que tenso. É um ciclo bem triste mesmo, sempre perder aqueles que amamos. A história me pareceu interessante justamente por inserir fatos históricos. Adoro isso *-*

beijos
Kel
www.porumaboaleitura.com.br

Gabriela CZ disse...

Tenho bastante vontade de ler os livros do Boyne, mas confesso que desse não tinha nem lido a sinopse. Mas com tantos comentários positivos é impossível não se empolgar. Terei de ler, pois gosto e tramas que nos façam refletir. Ótima resenha.

Abraço!
http://constantesevariaveis.blogspot.com.br/

Unknown disse...

Nunca li um livro em que os porquês não fossem o foco da importância. Já estava com vontade de ler esse antes, por causa de outras resenhas que vi. Gosto muito desses livros intercalados entre passado e presente. Deve ser realmente complicado isso de perder todos que ama e continuar vivendo... me lembra alguns personagens que amo da Cassie Clare <3

Beijinhos
http://www.interacaoliteraria.com/

Jéssica Gomes disse...

Eu sinceramente não senti qualquer vontade de ler esse livro, a impressão que me deu é que ele é chato, daquele tipo de livro que me deixaria entediada. Sei que se começar nunca conseguirei terminar e acabarei o abandonando, por isto nem tentarei, mas parabéns pela resenha.

Blog: http://worldbehindmywall.fanzoom.net/
Twitter: https://twitter.com/Blog_WBMW

Ronaldo Gomes disse...

Oi, Mari :)
Agora sim eu fiquei claramente interessado pela obra. Parece-me uma história interessante e muito peculiar. Com 'O Menino do Pijama Listrado' a experiência foi muito legal - e parece-me também uma característica inerente do autor usar e abusar dessa interação entre História e ficção.
Assim que tiver oportunidade eu leio \õ

Abs,
Ronaldo Gomes
livrosobrelivro.blogspot.com

Nardonio disse...

Sempre leio elogios em relação aos livros do autor, pois suas tramas geralmente são repletas de reflexões interessantes. Outra coisa legal é essa junção de fatos históricos com ficção. Mais um que entrou pra minha listinha de próximas aquisições.

Seguidor: DomDom Almeida
@_Dom_Dom

Laura Zardo disse...

Já li dois livros do autor e realmente fico impressionada com sua capacidade de escrita e ideias, sempre impactantes e intensas. Admiro muito o autor e como ainda não li este livro em especial, vou tratar de procurá-lo logo, pois tenho certeza que não vou me decepcionar. =)

Anônimo disse...

Ainda não li nada do autor, e lendo descobri que ele é autor do O Menino de pijama listrado que é um livro que tenho na lista de desejados e espero poder ler em breve, curti a resenha do livro, e inclui e este também.Sua resenha esta super bem escrita e deixa a gente com uma "pulguinha " atras da orelha!!
Beijos!!

DESBRAVADORES DE LIVROS disse...

Só pelo fato de você colocar as características de Matthieu em evidência, já ganhou o meu carisma.
A obra parece um grande prisma, relacionando a ideia do mesmo livro do autor, O menino do pijama listrado, que com certeza merece destaque para sempre.
M&N | Desbrava(dores) de livros - Participe do nosso Top Comentarista

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