quinta-feira, 14 de fevereiro de 2019

RESENHA: O Milagre

O Milagre / Emma Donoghue
O Milagre” é um livro que jamais teria atraído a minha atenção se não fosse por Emma Donoghue, autora de “Quarto” que há alguns anos inspirou o triste e sensível “O Quarto de Jack”. Não tendo lido o livro, mas ficado impactada com o filme quis dar uma chance a autora.

Na Irlanda de 1859, Anna O’Donnell, uma menina de onze anos, tem provocado polêmica. Há meses ela se recusa a comer, dizendo estar sendo alimentada pelo maná dos céus. Logo começam a correr boatos de que ela seria especial e não demora até que o vilarejo, fervorosamente católico, atribua sua sobrevivência a um milagre. Para descobrir se o estranho acontecimento é resultado de fraude ou de um ato divino, uma jovem enfermeira, Lib Wright, e uma freira, irmã Michael, são contratadas para se revezarem em uma vigília à menina.

Narrado em primeira pessoa, mas com foco no ponto de vista de Lib, “O Milagre” é um livro de ritmo lento e capítulos longos. Por ser inglesa, é preciso que a enfermeira se habitue ao vilarejo ao chegar na Irlanda e essa adaptação cabe muito bem ao leitor que também se familiariza com os costumes e a mentalidade local junto com a personagem.

Embora se vista de romance histórico, vejo “O Milagre” como um suspense. “O que vem acontecendo com Anna?” e “o que irá lhe acontecer se continuar nesse caminho?” eram as principais perguntas que eu me fazia durante a leitura e cujas respostas ficam para as últimas páginas.

Os perigos do extremismo religioso são o tema central da obra. Até que ponto uma pessoa é capaz de chegar e que perigos está disposta a correr quando acredita cegamente que uma força maior a protege? Eventualmente, o corpo de Anna começa a se deteriorar e os sinais de sua fraqueza são visíveis, mas seu pensamento é: “se ela não precisou de alimento até ali, por que precisaria agora?”

“Como era possível a criança suportar não apenas a fome, mas também o tédio? O resto da humanidade usava as refeições para dividir o dia, percebeu Lib – como recompensa, como divertimento, como o badalar de um relógio interno. Para Anna, durante esta vigília, cada dia só poderia passar como um momento interminável.” (DONOGHUE, 2018, p. 69)

Anna é uma menina doce, acostumada com poucos recursos, vive com os pais e sente falta do irmão que morreu. Embora a presença de Lib signifique que há quem a veja como mentirosa, a menina recebe com carinho a enfermeira e lida com sua presença melhor que os adultos que a cercam. Porém Anna também é irritante em sua teimosia e fé absurdas, se tornando uma personagem enfadonha em muitos momentos.

Descrito pelos veículos de comunicação com palavras intensas como “desolador”, “transcendente”, “fascinante” e “magistral”, devo dizer que não aplico nenhuma delas a “O Milagre” e que a leitura não funcionou para mim. Embora o desfecho traga respostas surpreendentes e uma nota da autora no final explique que a trama foi inspirada em acontecimentos reais de pessoas que alegavam viver sem alimentos entre os séculos XVI e XVII, achei tudo arrastado demais. É compreensível, afinal, o corpo de Anna precisa tempo para se manifestar, o problema é que isso é tudo que acontece: esperamos um sinal de que a menina esteja comendo escondida ou que esteja passando mal. Para mim, foi pouco para manter a minha atenção.

Ao final da leitura há uma interessante nota da tradutora explicando as peculiaridades do texto de Donaghue e coisas que, infelizmente, eram impossíveis de serem traduzidas para o português. Uma lembrança válida da importância do tradutor na experiência de leitura e da sensibilidade que esses profissionais devem ter para preservar ao máximo a obra original, entregando o mais próximo possível do que o autor quis levar para o seu leitor (ritmo, sonoridade, duplos sentidos, poesia...) apenas em outro idioma.

Título: O Milagre
Autora: Emma Donaghue
N° de páginas: 264
Editora: Verus
Exemplar cedido pela editora

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9 comentários:

Rubro Rosa disse...

Tenho lido muita coisa sobre este novo trabalho da autora e não é mesmo tão positivo..
Não li O Quarto, mas também vi o filme e claro que ele foi um dos melhores que já vi.
Talvez tenha se criado uma expectativa em relação a este novo trabalho.
O tema é forte, pouco usado até, mas talvez, só talvez tenha sido narrado de forma a não prender o leitor.
O fanatismo religioso ainda é algo desconcertante e uma garotinha tão nova, pode sim, estar sendo influenciada pelos pais ou por ela própria.
Mesmo com estes pontos negativos, quero sim, ter a oportunidade de conferir!
Beijo

De repente, no último livro disse...

Oiii Mari

A premissa é bem legal e o fato de haver sido baseado em fatos reais é surpreendente, jamais teria imaginado, uma pena que a leitura me si não fluiu bem, realmente é o tipo de história que pode se tornar arrastada se o autor não conseguir conduzir muito bem o desenrolar dos fatos na história. Uma pena de verdade, fiquei curiosa com o inicio da resenha narrando a história, mas tendo em vista a lentidão da trama tb acho que não funcionaria pra mim

Beijos

www.derepentenoultimolivro.com

Espiral de Livros disse...

Oi Mari, tudo bem? Que pena que a leitura não funcionou para ti, mas pelo menos foi uma leitura interessante. Eu tenho interesse em histórias com premissas desse tipo, mas tenho consciência de que não conseguem impor um ritmo mais acelerado à leitura o que acaba, por vezes, provocando o desinteresse. No momento eu não conseguiria me focar em uma narrativa desse tipo, mas nem por isso deixou de me instigar.
Beijos, Adri
Espiral de Livros

Unknown disse...

Olá!
Não sabia que a autora dessa livro é a mesma de "quarto", socorro! Achei a premissa muito interessante, acho que eu daria uma chance para esse livro. Que pena que com você não funcionou, ouvi muitos comentários positivos a respeito dessa obra. O ritmo mais lento me preocupa, isso desanima, né? Mas não custa eu dar uma chance haha
Abraços
Our Constellations

Ludyanne Carvalho disse...

Eu achei a premissa do livro interessante.
Mas por outros comentários que já li, a narrativa não seria muito agradável para o meu gosto.

Beijos

Gabriela CZ disse...

Devo dizer que ao menos a capa é bem atrativa, Mari. Embora esteja pensando que ela não combine com a trama, pois parece ser de um livro de fantasia. E o enredo até é curioso, uma pena que o desenvolvimento seja lento e não envolve. Enfim, ótima resenha.

Beijos!

Priih disse...

Oi Mari, tudo bem?
Adorei a sinceridade da resenha. Apesar do tema interessante e da crítica ao extremismo, eu acho que não funcionaria pra mim também. Como você disse, a grande questão do livro parece pouco instigante pra me manter lendo essa obra (suponho).
Beijos,

Priih
Infinitas Vidas

Luana Martins disse...

Olá, Mari
Ainda não li nada da autora e nem assisti ao filme.
O livro tem uma capa tão linda que chama muito atenção, não sabia que era baseado em fatos reais. Uma pena alguns trechos ser impossível traduzir para o português.
Li algumas resenhas e os comentários são mais negativo que positivos, mesmo sendo uma leitura arrastada com capítulos grandes, espero ter oportunidade para ler.
Beijos

Ana I. J. Mercury disse...

Oi, Mari.
Pela sua resenha e outra que li desse livro, já sei que não vou gostar nada, nada.
Apesar de ter gostado bastante de Quarto (menos do final), achei esse livro muito doido e enfadonho, embora eu sei que é importante falarmos mais sobre fanatismos religiosos, sei lá, não vou querer não, parece ser cansativo e no fim, nem tem grandes e boas revelações.
bjs

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