Quando li “O casal que mora ao lado”, livro de estreia de Shari Lapena, encontrei a cura para uma ressaca literária. Foi com o mesmo intuito que li “Uma estranha em casa”, seu segundo livro.
Quando Tom chega em casa e a encontra vazia porém com a porta aberta, não demora até que perceba que algo está errado. Karen, sua esposa, não está em lugar nenhum, mas sua bolsa e seu celular estão no quarto. Logo ele descobre que ela sofreu um acidente de carro na região mais perigosa da cidade e agora está no hospital, sem nenhuma memória do que aconteceu naquela noite. Para piorar as coisas, um homem foi assassinado e Karen passa a ser suspeita do crime.
O livro é narrado em terceira pessoa, mas intercala os pontos de vista de Tom, Karen, Brigid (a vizinha do casal, sempre atenta às movimentações da casa) e dos policiais que estão no caso. Como cada personagem vive um lado do caso, o recurso funciona bem, mostrando a angústia de Karen por não lembrar do que aconteceu e pelas suspeitas que recaem sobre ela e também os questionamentos que invadem Tom a respeito da mulher com quem vem dividindo a vida nos últimos anos, afinal, ele a ama, mas já não tem certeza do quanto a conhece.
Seguindo a regra dos típicos page-turners, a autora dispensa contextualizações e dá início à trama já com o acidente de Karen e a chegada de Tom em casa. O que importa é o que acontece a partir deste episódio e é assim que os problemas da trama têm início.
Infelizmente, "Uma estranha em casa" não se sustenta e a culpa disso é dos próprios personagens. Isso porque, a partir do momento do acidente, as personalidades de Karen e Tom se anulam. Não conhecemos nada sobre ela, nem sobre ele, nem mesmo sobre eles dois como casal. São apenas estereótipos. Ela, uma mulher que perdeu a memória; ele, homem que não sabe no que acreditar e quer proteger a esposa; eles um casal que se ama, mas que está balançado pela situação.
Por mais que o mistério do que aconteceu naquela noite intrigue, é preciso mais do que isso para envolver o leitor, afinal, pouco me importa o que acontecerá com essa mulher ou os motivos dela para ter cometido (ou não) um crime se eu não sei nada sobre ela, se ao invés de se tornar tridimensional ela passa a ser apenas um rótulo. É preciso contexto, bagagem. É possível perceber que a autora quis fazer sua protagonista misteriosa, principalmente a respeito de seu passado, mas se não a conhecemos no presente, por que seu passado teria algum impacto? Além disso, os mesmos problemas se aplicam a Tom, mostrando que essa falta de profundidade é a maneira como Lapena desenvolve seus personagens e não simplesmente uma forma de fazer suspense.
“Ele se sente péssimo quando pensa na policia investigando sua mulher, detesta a si mesmo pela desconfiança cada vez maior que sente. Agora esta sempre vigiando-a, imaginando o que ela terá feito.” (LAPENA, 2018, p. 86)
A trama também deixa a desejar. Os acontecimentos em si são poucos, porque não há desdobramentos nem ramificações. O caso todo é tão raso e linear que vamos das primeiras as últimas páginas exatamente com as mesmas perguntas: o que Karen estava fazendo naquele lugar? Foi ela quem matou o homem? O que ela esconde sobre seu passado?
E temos ainda Brigid, a vizinha. Ela não está no centro dos acontecimentos como Tom e Karen, o que deixa claro desde início que seu ponto de vista não é relevante e que, portanto, seu destaque na narrativa é suspeito. Seu relacionamento com o casal, suas atitudes e sua participação no suposto cliffhanger do desfecho são totalmente novelescos.
E falando em desfecho, a autora usa um artificio que já havia me incomodado em seu primeiro livro que é revelar nas últimas páginas informações que escondeu durante toda a história, apenas para tentar surpreender no final. A meu ver, não há mérito nenhum em surpreender com uma informação que ninguém poderia ter. Mérito é deixar a verdade escondida nas entrelinhas e fazer o leitor perceber que ela estava ali o tempo todo, mas que ele foi tão manipulado que nem percebeu.
Em seu segundo livro, Shari Lapena repete seus erros e deixa para trás seus acertos. Se “O casal que mora ao lado” havia sido um entretenimento eficiente, embora não um livro que marcasse, nem isso se pode dizer de “Uma estranha em casa”.
Autora: Shari Lapena
N° de páginas: 265
Editora: Record
Exemplar cedido pela editora
6 comentários:
Mesmo sem ter lido O Casal Que Mora ao Lado, li muita coisa positiva na época do seu lançamento, talvez por isso, tenha se criado uma expectativa grande em relação a este novo trabalho da autora e pelo que li acima, não se sustentou.
Tudo bem começar a história do meio da história, mas que houvesse um aprofundamento não só nos personagens, como também nas situações.
Um bom livro de suspense é construído página a página, como pequenas gotinhas até o desfecho final.
Mesmo com tantos pontos negativos, se puder, quero ler, nem que seja para me arrepender depois..rs
Beijo
Oiii mari
Eu tenho uma relação estranha com essa autora, eu até gosto das tramas dela, me mantém entretida mas não me surpreenda, não consigo morrer de amores pelos livros nem pelos personagens. Com esse até me surpreendi com o final, mas ao mesmo tempo fiquei com a sensação de que poderiam ter tido mais elementos que surpreendessem e deixassem a história mais intrigante.
Beijos
www.derepentenoultimolivro.com
Oi, Mari
Ainda não li nada da autora, porém tenho muito interesse nos dois livros da mesma.
A premissa do livro é legal, só que ao meu ver a autora poderia ter inserido na trama elementos da vida do casal quando eram solteiros, a relação deles (mesmo que alternasse entre passado e presente), algo que faça você conhecer os mesmos.
Apesar dos pontos negativos quero ler o livro.
Beijos
Comecei a resenha achando que fosse um grande suspense e vi que é um grande fracasso. Pena que a autora não repetiu os acertos e nem aprendeu com os erros, Mari. Enfim, ótima resenha.
Beijos!
A perda de memória é um elemento que dá um gás a história. E, nota-se que foi utilizada nessa história para trazer mais mistério à trama, além de envolver o leitor. Afinal, as evidências transparecem conforme o desenrolar do livro. Somado tudo isso, acredito que livros assim, trazem questionamentos de quem realmente somos ou se realmente conhecemos aqueles que estão ao nosso redor. Mas isso são suposições minhas quanto a thrillers em geral e, pelo que li, a autora insiste em erros passados e não acerta na narrativa. Uma pena!
Mari,
fiquei curiosa para saber do final, não parece ser aquele superlivro, mas um livro básico, mais pra ler pra passar o tempo, uma leitura despretensiosa pra relaxar.
Não é meu gênero, mas leria.
bjs
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