segunda-feira, 8 de abril de 2019

RESENHA: Noite do Oráculo

Noite do Oráculo / Paul Auster
Às vezes você não tem a menor ideia de qual tipo de livro está a fim de ler. Foi em um desses momentos que decidi passear com calma pelo catálogo da Companhia das Letras e me deparei com um autor que há tempos não lia: Paul Auster. Pronto! A coisa certa estava ali.

O escritor Sidney Orr acabou de sair do hospital e, por alguma razão, sente despertada novamente sua vontade de escrever. Compra um caderno azul em uma pequena papelaria e, para a sua surpresa, a nova história começa a fluir com muita naturalidade. Mas será que o que ele escreve poderia ser capaz de influenciar a realidade em que vive?

Sabe quando você pega um livro para ler alguns capítulos antes de dormir? Pouco recomendável fazer isso com “Noite do Oráculo”, já que ele exige atenção total do leitor. Isso porque Auster brinca de boneca russa, colocando uma história dentro da história, dentro de outra história, pulando de uma para outra sem muito aviso. Nesse caso, temos a história de Sidney que começa a escrever a história de Nick Bowen (inspirado em uma pequena cena de “O Falcão Maltês”, clássico de Dashiell Hammett) que lê a história do manuscrito de Silvia Maxwell (uma escritora já falecida). Não bastasse isso, a história de Sidney ganha a inclusão de diversas notas de rodapé (que, muitas vezes, se estendem por 2 ou 3 páginas - ao terminar a nota, você volta páginas para continuar a leitura onde a nota havia sido inserida) e que funcionam como histórias de bastidores da própria história. Além disso, os personagens que Sidney cria são inspirados em pessoas que ele conhece, então muitas vezes temos personagens “parecidos” em contextos diferentes. Exige atenção para não se tornar confuso.

“Não queremos saber quando vamos morrer ou quando as pessoas que amamos vão nos trair. Mas somos ávidos para conhecer os mortos antes de estarem mortos, de nos relacionarmos com os mortos quando vivos.” (AUSTER, 2004, p.115)

“Noite do Oráculo” um livro que vale mais pela experiência de leitura, do que pela história (ou histórias) em si. Sidney e sua esposa Grace são um casal apaixonado que já viveu dias melhores. Grace é a luz da sua vida, sua inspiração, mas algo a está deixando infeliz. Já Nick é um sujeito que interrompe sua vida, deixa para trás sua esposa, e vai em busca de algo diferente. Temos ainda a história do soldado do manuscrito. Olhando em retrospecto, parece que nenhuma das tramas sofre um grande desenvolvimento (tanto que é mais relevante comentar a estrutura narrativa do livro do que a história em si), mas durante a leitura os acontecimentos se dão de forma tão orgânica que até esquecemos que existem tramas paralelas. Esquecemos até que Nick é apenas invenção da imaginação de Sidney (que por sua vez também é fruto da imaginação de Auster, mas não vamos enveredar por esse caminho). O fato é que vejo “Noite do Oráculo” como um livro sobre a importância das histórias e das palavras. Elas criam. Elas transformam a realidade. Elas criam a realidade. Pode até não ser real, mas basta escrever para que se torne.

Essa parece ser uma temática recorrente na obra de Auster (sobre a qual, confesso, não tenho tanto conhecimento). Quando li “Homem no Escuro” fui totalmente fisgada por aquela trama que se passa em uma única noite em que um homem sem sono, e sem poder sair da cama, cria mentalmente uma história para se distrair. Quando li “A Trilogia de Nova York”, fiquei admirada de ver tudo que havia nas entrelinhas dos três contos que compõem o livro (considerado uma das obras-primas do autor). De um jeito ou de outro, Auster parece sempre querer mostrar que nada é totalmente real e que, em algum nível, tudo foi inventado por alguém. Nem que seja por nós mesmos, a cada decisão que tomamos.

“Oráculo da Noite” não é para qualquer leitor e sua história é só um pretexto para contar outra maior. Em um certo momento, um personagem diz: “Todo mundo faz palavras”. É isso que o leitor precisa entender: no mundo de Auster, palavras não são um adereço. São o instrumento que cria a realidade.

Título: Noite do Oráculo
Autor: Paul Auster
N° de páginas: 224
Editora: Companhia das Letras
Exemplar cedido pela editora

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8 comentários:

Rubro Rosa disse...

Vou admitir que não conheço as letras do autor. Talvez seja isso de jogar o leitor numa trama que exige muito não só da atenção, mas também da entrega dos personagens.
Tipo, não é algo que eu leia com frequência!
Mas como tudo que me tira da zona de conforto, chama minha atenção, com certeza, quero sim em algum momento, poder conferir algo tão denso e reflexivo!!!
Beijo

Luana Martins disse...

Oi, Mari
Ainda não conheço nada do autor, é a primeira resenha que leio desse livro.
Mas adorei a ideia de construir história dentro de história que faz parte de outra história...
Parece uma leitura que você fica perdido não sabendo se é passado, presente ou futuro.
Gostei da trama com esse ar de mistério, espero ter oportunidade de ler Paul Auster um dia.
Beijos

Gabriela CZ disse...

Não conhecia esse livro, Mari. A premissa é bem diferente, e interessante. Mas não sei se seria pra mim, não sei se conseguiria me concentrar. Mas tentaria. Ótima resenha.

Beijos!

RUDYNALVA disse...

Mari!
Nada li do autor ainda, mas gostei da forma diferente de escrita dele e sei do risco que pode ocorrer ao ler, porque podemos nos perder em tantas tramas paralelas, mas fiquei tão curiosa...
cheirinhos
Rudy

Ana Paula Santos Moreira disse...

Sinceramente achei confuso. Não conhecia o livro, mas não curti muito, creio que não seja o livro para mim, gosto de livros fàceis sem complicações.

Ana I. J. Mercury disse...

Não conhecia o livro, nem o autor.
Achei meio confuso, mas ao mesmo tempo, fascinante!
Agora quero ler, mas tô com medo de não entender bem, rsrs
bjs

Maxwell F. Dantas disse...

No último parágrafo de sua (boa) resenha, você troca o nome do livro: em vez de Noite do Oráculo, você escreve Oráculo da Noite. Isto é totalmente compreensível. Mas o curioso é que isso também aconteceu em outra resenha que li desse livro (No blog: Bons Livros pra Ler), em vários parágrafos. Será a influência sobrenatural do livro agindo ? kk

Maxwell F. Dantas disse...

Vale salientar que existe um livro chamado Oráculo da Noite (do neurocientista brasileiro Sidarta Ribeiro).

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