domingo, 24 de novembro de 2019

Por que tantos autores recorrem a pseudônimos?

O primeiro livro de um autor concede a ele uma liberdade que se perde na última página. A partir do momento que o leitor finalizar este primeiro livro, ele terá um conceito do autor. Com isso, ele passa também a ter expectativas. A partir deste primeiro livro, o leitor sabe qual o tipo de tramas esse autor escreve (dentro de determinados gêneros), o tipo de personagens que constrói (Gillian Flynn, por exemplo, é especialista em personagens femininas fortes), entre uma série de outros aspectos. Além, claro, de já esperar que uma nova leitura seja boa ou ruim com base nesta experiência prévia.

Acredito que seja por isso que tantos autores recorrem a pseudônimos. Pela liberdade de escrever um “novo primeiro livro”. Agatha Christie já foi Mary Westmacott, Stephen King já foi Richard Bachman, JK Rowlling está desenvolvendo uma série policial sob o pseudônimo de Robert Galbraith. Será que eles não venderiam mais usando seus próprios nomes, já tendo uma legião de fãs? É provável que sim, mas como a Dama do Crime escreveria romances? Alguém iria aceitar? Quando Rowling lançou seu primeiro livro após Harry Potter, a maioria dos leitores (dentro os quais não me incluo) torceu o nariz para “Morte Súbita” por ele ser muito diferente dos livros do nosso amado bruxo. Mas não é injusto tirar do autor a liberdade de se reinventar?

Na arte não existe certo nem errado. Um autor pode ser maravilhoso escrevendo thrillers psicológicos e também ser muito bom escrevendo ficção científica. Uma coisa não exclui a outra e ninguém é obrigado a trilhar o mesmo caminho a vida inteira. Usando novamente o exemplo de Rowling, alguém acredita que dentro do gênero fantasia ela possa escrever algo tão bom, tão rico e de tanto impacto quanto Harry Potter? É bem improvável. Sendo assim, não faz todo o sentido ela se aventurar em outros gêneros?

Acredito que se torne meio inevitável esperar de autores que conhecemos que eles nos entreguem exatamente aquilo que conhecemos deles. Estive pensando sobre isso recentemente quando li “Macbeth”, uma releitura da tragédia de Shakespeare escrita por um dos meus autores policiais favoritos: Jo Nesbø. Nela, Nesbø traz a história do ambicioso general para um ambiente que lhe é familiar: os corredores da polícia. Até aí a proposta é promissora. O que eu me dei conta é que costumo ter um pé atrás com releituras e, caso esta não tivesse a assinatura de Nesbø, não sei se eu teria me interessado em ler. Quando o fiz, foi esperando encontrar as características que me atraem nos livros do autor e me decepcionei com as escorregadas que ele dá na condução da história. Tudo porque eu esperava um Nesbø. Mas o que, exatamente, é “um Nesbø”?

Já falei antes aqui sobre a influência da expectativa na experiência de leitura, então talvez essa coluna de hoje seja um complemento àquela. É impossível jogar fora a bagagem que temos com os autores, mas cada livro é um livro. Cada primeira página é exatamente isso: a primeira página e talvez eu esteja escrevendo esta coluna para lembrar a mim mesma de que esta primeira página deve ser sempre o marco zero, o início de uma nova jornada. O pseudônimo é justamente isso: a mais em branco das primeiras páginas. A reconquista da liberdade do autor de experimentar ser algo que ele ainda não foi e que, por algum motivo, ele quer ser. Afinal, criar arte (seja literatura, cinema, ou o que for) não é exatamente isso? Inventar coisas que não existem e, justamente assim, torná-las reais?


14 comentários:

Sil disse...

Olá, Mari.
Adorei a postagem e seus questionamentos. Mas também dai entra a questão: o pseudônimo funcionou? Pelo menos dois citados por você na postagem comigo não funcionou. Quando li O Retrato da Agatha assinando como Mary eu não gostei. E também não gosto dos livros da JK assinados como Robert. Acho que quem é fã mesmo, vai querer ler mais do mesmo que está acostumado a ver do autor. Eu como não sou leitora assídua do Nesbø gostei da releitura. Por isso que sempre vejo o povo reclamando do Rick Riordan que ele não desapega, mas os fãs com certeza estão adorando. A conclusão que eu chego é que os autores não tem liberdade para escrever o que querem e sim o que os fãs desejam hehe.

Prefácio

Gabriela CZ disse...

Texto bem reflexivo, Mari. Às vezes nem nos damos conta da expectativa em massa que assola os autores. E claro que não podemos esperar que sejam sempre os mesmos, afinal nós não somos sempre os mesmos. E o controle de nossas expectativas é algo a ser feito diariamente. Ótimo post.

Beijos!

Rubro Rosa disse...

Um post incrível, só para variar e que faz a gente se questionar o tempo todo.
Triste que eu penso que tudo isso começou numa época antiga, onde as mulheres não podiam escrever e para serem lidas, tinham que usar pseudônimos masculinos.
Graças a Deus tudo mudou de lá para cá e sinceramente me espanta isso de autores renomados partirem para essa troca de nomes apenas para evitarem as críticas sobre a diferença nos gêneros.
Isso tinha que ser muito amplo, mas convenhamos, há leitores críticos demais né? E mentes fechadas demais.
Mas...sei lá.rs talvez continuem acreditando que isso de certa forma os dê uma liberdade, ao menos até que descubram quem de fato são rs
beijo

Angela Cunha Gabriel/Rubro Rosa/O Vazio na Flor

Ludyanne Carvalho disse...

Amei o post!
Conheço poucos autores que utilizaram/utilizam pseudônimos, mas hoje consigo entender.
Harry Potter é um fenômeno (mesmo que eu não tenha lido), e acaba criando uma pressão em cima da autora em relação aos outros livros.
De certa maneira, é injusto tirar o nome do autor por conta das críticas ou de fãs exigentes, mas também acaba sendo libertador criar sem a pressão do sucesso que o nome tem.

Beijos

RUDYNALVA disse...

Mari!
Acho que é bem esse o sentido mesmo de usar um pseudônimo: ser um comppleto desconhecido, seja em que setor for, agora quanto aos motivos, talvez porque se tendo outro nome, a pessoa sinta-se outra que não ela mesma e se permita errar, acertar, não ser descoberto, vai saber...
Meu pai se chamava Franklin, mas tinha o nome artístico de Rudy, acreditava que tinha mais impacto na profissão de astrólogo, vai entender...
cheirinhos
Rudy

Rayssa Bonai disse...

Olá! ♡ Ótimo post, Mari! ♡
Acho que os autores deveriam escrever sobre o que quiserem sempre, se quiserem escrever dentro de outros gêneros devem fazer isso, mas entendo a questão do pseudônimo, já que o mesmo traz sim certa liberdade.
Eu amo a escrita da J.K Rowling, ela é incrível escrevendo Harry Potter, mas também sou apaixonada pelos livros dela como Robert Galbraith, a pegada é completamente diferente de Harry Potter, mas ainda assim é fascinante.
Eu não acho ruim quando um autor decide inovar, eu gosto bastante, mesmo que ame os livros escritos dentro do gênero em que o autor se consagrou ♡
Beijos!

Elizete Silva disse...

Olá! Acredito que também seja uma oportunidade do autor se reinventar ou até mesmo lidar com um público diferente, que é caso da Meg Cabot, que possui vários livros destinados ao leitor mais jovem, e como Patricia Cabot, explora o universo de Romances de época, com uma pitada hot, comparações e criticas a escrita desses autores consagrados são realmente inevitáveis, principalmente pelos fãs mais calorosos, daí a utilização desse recurso para poder explorar outros gêneros sem ter a pressão de agradar determinados públicos, mas pensando pelo lado bom, temos a oportunidade de conhecer, e nos encantar, com as várias facetas de um mesmo autor (❤❤JK Rowlling❤❤).

Fabiolla Devenz disse...

Nunca parei para pensar e procurar se o livro que estou lendo é escrito por um pseudônimo.
De certa forma sempre temos um preconceito quando fazemos a leitura de um autor que adoramos e a obra não é aquilo que esperamos (tudo baseada na leitura anterior), seja pela história não ser impactante ou até mesmo se tratar de outro gênero, mesmo isso sendo injusto com o autor.

Giovanna Talamini disse...

Oi!
Nunca havia pensado por esse lado. Sempre tive a dúvida de, se você é famoso, qual o motivo de tentar começar do 0 com um nome que não é seu?! Mas agora faz todo sentido. As pessoas por natureza julgam e criam expectativas demais...

Ana Paula Santos Moreira disse...

Faz todo o sentido muitos escritores usarem pseudônimos. Ja li alguns livros de Meg Cabot e Nora Roberts com pseudônimos, e realmente mudam algumas características dos conhecidos escritores. Amei esse post.

Rayane B. de Sá disse...

Oiii ❤ Verdade, depois de lermos pela primeira vez um livro de determinado autor, o que acharmos desse livro será o conceito que temos dele.
Essa série da J.K Rowling como Galbraith é maravilhosa, admiro muito a autora por ser incrível tanto escrevendo fantasia como escrevendo suspense. Gosto quando autores se aventuram em outros gêneros.
Acho que os autores podem e devem escrever o que quiserem, não é certo que os leitores os limitem, não queiram que o autor escreva sobre coisas diferentes.
Beijos ❤

Luana Martins disse...

Olá, Mari
Eu adorei essa reflexão que você trouxe com esse post.
Não li nada de JK Rowling pelo seu pseudônimo mas como adoro suspense, investigação penso que vou gostar dessa nova série dela.
Mas como leitora não posso ficar pressionando os autores para escrever o de sempre em seus livros se nem eu continuo a mesma de alguns anos atrás.
Beijos

Ana I. J. Mercury disse...

Oi, Mari
Adorei sua opinião, também acho que os autores têm todo o direito de escreverem o que quiserem e da maneira que quiserem.
Mas entendo o uso do pseudônimo.
Eu já deixei de ler livros porque não sabia que sob o pseudônimo de um autor preferido.
Bjs

Marta Izabel disse...

Oi, Mari!!
Gostei muito do post, é acho valido os autores usarem pseudônimo pois eles tem mais liberdade de criar e também de errar pois normalmente os autores são muitos cobrados para escreverem melhor e quando eles arriscam mudar de o foco da escrita pode ser que eles sejam julgados pelos livros que eles já escreveram.
Bjs

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