Não é com frequência que eu uso essa frase e nas vezes em que a ouvi, não foi sempre que concordei que ela cabia à situação, mas aqui vai: “Diário de uma Escrava” é para quem tem estômago forte.
Essa é a história de Laura, mas poderia ser a história de milhares de meninas e mulheres que são sequestradas e usadas como escravas sexuais. Neste diário ela conta em detalhes os horrores pelo qual passa sob o domínio de Estevão, um homem a quem ela apelidou de Ogro e que a mantém em cativeiro há quatro anos.
Não é difícil imaginar que um livro com essa temática será pesado e violento. Mas mesmo que você se prepare para isso é impossível não ficar chocado com muitas das cenas, mesmo que não causem surpresa algumas das humilhações pelas quais Laura passa. Mierling já joga o leitor de cara nessa situação e, dali para frente, não alivia em nenhum momento. A tensão é tanta que até esquecemos que esse é um daqueles livros que contam com a interação de apenas dois personagens. A narrativa é quase hipnótica e mesmo que o conteúdo seja repugnante, você simplesmente não consegue desgrudar os olhos.
A maior parte do livro é o diário de Laura e o que acontece diretamente a ela (incluindo algumas memórias de antes do seu sequestro), mas também há trechos em que acompanhamos a vida de Estevão e suas outras vítimas. Essas nos são apresentadas de maneira mais breve do que Laura, mas em nada menos intensa.
Além da violência física, é marcante a violência psicológica pela qual a personagem passa, chegando a duvidar da própria sanidade. Em alguns momentos, Laura quer morrer, em outros tenta elaborar planos para fugir e se salvar. Em alguns momentos odeia seu captor, em outros é grata a ele por pequenos momentos de “bondade” que a fazem se sentir humana novamente. Ela só quer que tudo pare. Ela só quer uma folga das coisas horríveis que ele faz e qualquer meio de conseguir isso, nem que seja por um breve momento, se torna válido para ela.
“Unindo todas as experiências que vivi nos anos trancada nesse buraco, com a certeza de que não fui a primeira e com a impressão de que o Ogro sempre pode ficar mais cruel do que antes, sei que vou morrer aqui. Então, para que lutar? Para que resistir?” (MIERLING, 2016, p. 41)
Há trechos que, a meu ver, ficaram um pouco deslocados, mas também são importantes para vermos um outro lado dessa situação: o dos que ficam sem saber o que aconteceu com essas meninas. Nesse caso, os pais e o namorado de Laura que continuam sem respostas e querem manter viva a esperança, ao mesmo tempo que querem retomar suas vidas, de um jeito ou de outro. Nesse sentido, algumas escolhas da autora me soaram um tanto forçadas, mas as considero compreensíveis diante do que Mierling quis construir e da mensagem que quis passar com a história.
O final é absolutamente chocante. Conforme eu me aproximava das últimas páginas e sentia o tom que o desfecho adotaria, eu me peguei querendo frear a leitura para não ver ela acabar daquela forma. Impossível não aplaudir a autora pela coragem.
Rô Mierling é uma ghost-writer e fica claro sua pesquisa sobre o assunto e sua tentativa de inserir nesse livro os milhares de erros que essas meninas cometem dando chance ao perigo e às horrendas consequências que eles podem ter. Inclusive, ao final do livro há um apêndice com pequenos relatos sobre casos reais dos quais podemos ver reflexos ao longo do livro.
Alguns autores querem chocar apenas para mostrar que podem. Outros chocam para mostrar que o mundo é cruel e que são as pessoas que o tornam assim.“Diário de uma escrava” é uma leitura envolvente sobre um tema horrível, que não poupa seu leitor e certamente se encaixa na segunda categoria. Longe de ser perfeito, o livro escorrega em alguns momentos ao forçar certas coincidências, mas todas necessárias para cumprir o seu propósito: mostrar que são muitos os níveis de maldade que um ser humano pode infligir a outro, que a nossa humanidade não é à prova de balas e que para alguns caminhos não há volta. Leia se for capaz de encarar.
Autora: Rô Mierling
N° de páginas: 220
Editora: Darkside
Editora: Darkside
22 comentários:
Esse livro despertou minha atenção desde o começo, mas uma outra resenha que li, expôs fatos que me incomodaram bastante. Como a autora usar Estocolmo para justificar algumas ações da personagem que para mim não são aceitáveis. Depois de ver duas resenhas tão diferentes fico na dúvida se leio ou não, pq gostei do que vc expôs sobre o livro
Oi, Mari!
Realmente esse livro é pra quem tem estômago forte. Eu não curti a leitura; achei que a autora quis chocar demais.
Beijos
Balaio de Babados
Promoção Quatro Anos de Minhas Escrituras
Olá Mari, tudo bem?
Eu quero muito ler esse livro, mas realmente não sei se tenho estômago pra isso.
Até agora só vi resenhas positivas...
Beijos!
http://excentricagarota.blogspot.com.br
Oi, Mari!!
Que livro com tema mais forte!! Sem dúvida é muito triste que isso ocorre com mais frequência do que imaginamos !! Gostei bastante da resenha!!
Beijoss
Oi Mari!
Quero muito ler esse livro pois ser tão forte e nacional. Talvez essa parte da violência me choque muito mas faz parte hahah. Adorei a resenha!
Abraços!
http://leituraforadeserie.blogspot.com/
Oi, Mari. Tudo bem?
Lendo sua resenha do livro achei o enredo parecido com o de "Quarto", que é narrado por uma criança. Imagina esse que é narrado pela própria pessoa sequestrada? Deve ser muito mais intenso!
Beijos, Hel.
Quando li a sinopse já esperei que fosse intenso, mas quando vi seus comentários no post das melhores leituras de 2016 percebi que era mais que isso, Mari. Acho fabuloso, e necessário, quando escritores criam algo tão realista que nos faz pensar sobre questões de humanidade. Quero ler, mas já vi que preciso me preparar antes. Ótima resenha.
Beijos!
Oi Mari! eu não li porque não tenho estômago, mas me contaram o final e é chocante mesmo! De qualquer forma o tem chama bastante atenção e a edição parece ser linda!
Bjs, Mi
O que tem na nossa estante
Oi! Realmente o livro é muito forte, não sei se leria agora. Bjos <3
Click Literário
Mari!
Gosto dos livros que de forma crua e direta conseguem mostrar uma realidade, talvez não vivida por nos ou alguém que conhecemos, mas que sabemos existir bem perto...
Li algumas resenhas bem insatisfeitas com algumas situações que acontecem no livro, talvez sejam as que citou como 'forçadas', ainda assim, gostaria de fazer a leitura.
“O que sabemos, saber que o sabemos. Aquilo que não sabemos, saber que não o sabemos: eis o verdadeiro saber.” (Confúcio)
cheirinhos
Rudy
http://rudynalva-alegriadevivereamaroquebom.blogspot.com.br/
TOP Comentarista de JANEIRO dos nacionais, livros + BRINDES e 3 ganhadores, participem!
Gosto e muito de livros fortes mas como vi recentemente um post que falava de alguns "deslizes sobre a síndrome" que não vou falar aqui para não ser chata fiquei com um mega pé atrás com essa leitura. Acredito que deve sim ter seu público, mas não sou eu!
Não sabia que esse livro falava sobre esse tema! Gosto de livros assim diretos e objetivos, que não temem mostrar a realidade em todos os seus detalhes. Costumam ser histórias fortes e impactantes, e exatamente pelo choque se torna uma leitura intensa. Adorei a sua resenha, com certeza já adicionei o livro nos desejados!
xx Carol
http://caverna-literaria.blogspot.com.br/
Oi, Mari!!!
Imaginei que o livro seria bem pesado e, embora a temática me chame muito a atenção, confesso que não sei se terei estômago para essa história.
Sua resenha está ótima e o livro deve ser muito bom. O que me prende nesses tipos de histórias é o fato de que isso realmente acontece. Com milhares de mulheres. E continua acontecendo cada vez mais.
Eu confesso que sou meio paranoica com isso e tento ficar sempre atenta a tudo quando estou sozinha.
Bjs!!
http://livrosontemhojeesempre.blogspot.com.br
Olá, tudo bem? Esse livro parece ser muito bom, além de ter uma edição lindona, né?! Adorei sua resenha e pretendo me preparar psicologicamente antes de realizar a leitura, haha!
Beijos,
Duas Livreiras
Nossa, pra ler um livro assim tem que ter estômago forte mesmo. Não faço muitas leituras desse estilo que são em forma de diários de alguém que passou por tantas coisas ruins e dramas na vida. É daqueles livros pra ler no momento certo, com certeza.
Oii!
Nossa, não conhecia esse livro ainda, mas essa resenha me deixou completamente louca para ler ele. Não dava nada pela capa, se eu simplesmente a visse, não compraria, de jeito nenhum, mas lendo esse resumo e sua resenha, fiquei incrivelmente louca para ler.
A história é forte pelo jeito, mas infelizmente isso acontece com muitas pessoas e muitos nem imaginam isso (eu era uma dessas pessoas), imaginam que alguém some e esta mantida presa por anos. Apesar dele dar essas escorregadas que você disse, preciso ler esse livro para saber o desfecho.
Beijos!
Oi Mari
Este livro parece ser bem pesado, eu evito ler livros como este, mas penso que é importante refletir sobre o assunto.
Beijinhos
http://diariodeincentivoaleitura.blogspot.com.br/
Eu fico tão chocada com esse tipo de leitura também. Esses temas são muitos fortes. Eu fiquei com vontade de ler o livro para conhecer mais os dramas da protagonista. Mas já sei que vai doer bastante saber.
Já faz muito tempo que quero ler esse livro, só to me preparando!!!
Parece ser realmente uma história intensa, difícil, horrível, e de leitura, reflexão imprescindível!
Quero demais ler, mas e o medo? rs
Adorei a capa da Darkside.
bjss
"aqui vai: “Diário de uma Escrava” é para quem tem estômago forte." ok, já vi q nao é pra mim haha
infelizmente é um tema q precisa ser discutido amplamente na nossa sociedade!
nao sabia q a autora era ghost-writer!
Oi!!
eu gosto muito de livros q trazem uma tematica forte bem trabalhada, pq ajuda a conscientizar as pessoas, entende? Tipo, é claro q a gente sabe q tráfico de mulheres é horrivel e escravas sexuais sofrem, mas ler isso é vivenciar isso e a coisa toma uma outra perspectiva, entende?
Se vc curtiu esse livro recomendo menina morta-viva e amor amargo. Ambos é necessario ter estomago forte.
bjbj
Resenha magnífica Mari. Obrigada por compartilhar seus pensamentos sobre o livro, terminei ele há alguns dias e ainda não consegui me organizar pra dizer o que achei hahaha
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Desafio de leitura #12mesesdepoe
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