Charlie Gordon é submetido a uma cirurgia experimental para aumentar seu QI. Aos poucos, ele deixa de ser um adulto com uma grave deficiência intelectual e passa a absorver o conhecimento como se fosse uma esponja. Mas ao mesmo tempo em que se torna um gênio no que diz respeito ao conhecimento acadêmico, Charlie ainda conta com uma capacidade emocional pouca desenvolvida. E em meio a tantos aprendizados e a flashes sobre sua vida passada, ele tenta desesperadamente descobrir quem realmente é.
Por se tratar de um romance epistolar, ficamos restritos a visão do protagonista, o qual sofre de uma debilidade mental acentuada e que não consegue expressar todos os seus pensamentos e sentimentos no papel. O texto inclusive reflete as habilidades limitadas de Charlie, o que embora seja um recurso interessante, tornou a leitura um pouco cansativa. Porém, é incrível ver como o autor consegue fazer transparecer a evolução de Charlie por pequenos detalhes que aparecem no texto. E a partir do momento que sua inteligência começa a se desenvolver, a narrativa se torna mais fluída e envolvente.
E falando em inteligência, vemos desde o início a obsessão do protagonista em se tornar inteligente, pois acreditava que somente assim as pessoas gostariam dele. No entanto, quando começa a recuperar memórias antigas, Charlie percebe que era alvo constante de piadas por causa de suas limitações. Desse modo, a obsessão acaba dando espaço a paranoia, em alguns momentos justificada, em outros não.
O grande mérito de Keys é a profundidade psicológica que ele conseguiu dar para o personagem. É com dor no coração que acompanhamos as memórias da infância de Charlie, e vemos os abusos que sofreu nas mãos de sua família, que não conseguia aceitar suas diferenças e amá-lo incondicionalmente. E vemos que mesmo sem entender plenamente o que acontecia ao seu redor, Charlie carrega as cicatrizes desses traumas emocionais a vida toda.
“Apesar de sabermos que, no fim do labirinto, a morte nos aguarda (e isso é algo que nem sempre soube, até pouco tempo atrás, pois o adolescente em mim pensava que a morte acontecia só com outras pessoas), vejo agora que o caminho escolhido pelo labirinto me faz quem sou. Não sou apenas uma coisa, mas também uma maneira de ser — uma das muitas maneiras —, e saber os caminhos que percorri e os que me restam vai me ajudar a entender o que estou me tornando.” (KEYS, 2018, p. 204).
Durante a leitura de Flores para Algernon, foi impossível não lembrar de outro livro: Longe da Árvore, do jornalista Andrew Solomon. O autor escreveu um extenso trabalho sobre as identidades verticais, aquelas características que herdamos da família, e as identidades horizontais, que são estranhas a família, como síndrome de Down, surdez e transgêneros. Solomon reflete que há pais que tentam corrigir as “diferenças” do filho, enquanto existem outros que as celebram. Para alguns é doença e deve ser curada, para outros, é identidade e deve ser aceita.
E é justamente neste aspecto que as reflexões do livro mais se destacam. Charlie tem limitações, mas seu maior problema é falta de aceitação. Em vez de incentivo, encontra ameaças. Em vez de amor, crueldade e violência. Sua forma de ser e de se expressar é apenas diferente, mas é vista por muitos como errada. E o mais triste é perceber como as pessoas parecem descartar completamente sua existência antes da cirurgia, como se apenas agora ele fosse um ser humano.
Flores para Algernon mostra que não é a inteligência, mas sim nossas emoções e nossas relações afetivas com outras pessoas que nos tornam verdadeiramente humanos. Prepara-se para encontrar uma estória extremamente original, absurdamente profunda e um tanto quanto triste. Suas reflexões são o ponto alto e o mais interessante é perceber que mesmo passados mais de cinquenta anos de sua publicação, a obra continua atual e relevante.
Autor: Daniel Keys
N.º de páginas: 284
Editora: Aleph
Exemplar cedido pela editora
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10 comentários:
Quando li a primeira resenha deste livro e tive um pouco da noção do que o enredo trazia, foi meio que paixão a primeira letra!
O autor não somente conseguiu construir uma viagem ao interior do próprio personagem, mas fez com que todos os leitores conseguissem fazer esta viagem também!
Entender que para viver é preciso sentir..e isso nem sempre é bom. Ou até aceitável!
O ser humano pode ser cruel...ou não!
Está na lista de desejados e espero ler o quanto antes!
Beijo
Oi Alê. Parece ser uma leitura com significado... adorei a premissa da história, mas acredito que me sentiria incomodada com os abusos sofridos pelo protagonista! Vou anotar a dica, parece ser uma obra singular. Parabéns pela resenha.
Beijos, Adri
Espiral de Livros
Não conhecia esse livro, e fiquei surpresa com a premissa.
Confesso que não é uma leitura que me desperte interesse, mas é inegável que a história passa uma linda mensagem.
Aceitação é a palavra-chave, faz uma grande diferença.
E gostei de mostrar que por mais que seja bom ter uma inteligência, ter um equilíbrio emocional acaba sendo mais importante.
Beijos
Nunca tinha ouvido falar desse livro mas fiquei bem interessada, Alê. Parece profundo e reflexivo, do tipo que todo mundo deveria ler. Já quero. Ótima resenha.
Beijos!
Venho tendo muita vontade de ler esse bendito desde que vi num livro. Aí saiu essa edição, pessoal postando, trechos. Só dá mais vontade de conhecer.
E que história heim. Parece ser bem forte e gostei que tenha esses detalhes difíceis no começo, adoro quando passam as dificuldades e peculiaridades dos personagens pelo texto. Mas parece deixar uma tristeza na gente ir acompanhando a história do personagem. Tudo que ele passou e vai lembrando deve ser pesado. Mas gosto dessa lado emocional da trama e como isso pode ser profundo pra quem lê. Gostaria de conhecer.
Eu quero muito ler esse livro esse ano foi difícil ler muito,por causa da faculdade,mas assim que eu entrar de férias semana que vem ele vai ser o primeiro da lista.
Alê!
Deve ser um livro bem interessante, porque tudo que nos leva a analisar os ‘padrões sociais’ e que geram preconceitos, são livros muito bons e questionadores, que fazem mudarmos nossas premissas sobre muito aspectos.
cheirinhos
Rudy
Oi, Alê
Esse livro esta na minha lista de desejos desde seu lançamento.
Mesmo que foi escrito há muitos anos ainda é um tema válido nos dias de hoje, como o humano pode ser tão desumano, cruel.
Tirando os fatores genéticos muitos problemas mentais são causados por consumo de drogas e bebidas alcoólicas durante a gestação.
Quero muito ler esse livro,
Beijos
Pelo começo da sinopse, lembrei-me do filme "Lucy", que aborda a possibilidade de desbloquearmos mais do que os 10% da nossa mente os quais costumamos utilizar. Ia colocando o livro na lista de leitura, mas não sei se vou curtir o estilo de escrita do autor nesse livro.
Não é o tipo de livro que leio, mas é muito interessante e diferente.
Achei meio triste, e bem complexo.
Quero ler, só não sei se vou entender tudo. rs
bjs
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