Após um divórcio conturbado e anos de silêncio, Ilana contata Alex, seu ex-marido, em virtude de recentes eventos envolvendo Boaz, o problemático filho do casal. Diante da situação tensa, o atual marido de Ilana, Michel, e até mesmo o advogado de Alex se vêem envolvidos.
A caixa-preta é um livro epistolar, de modo que o leitor encontra uma colcha de retalhos: são cartas, telegramas e trechos de anotações que mostram os mais diversos pontos de vista de uma complexa relação. O grande mérito do autor certamente é sua capacidade de criar vozes completamente diferentes e únicas para cada um dos personagens.
E não apenas isso: através de cada carta conseguimos vislumbrar traços de personalidade de cada um deles. Assim, é nas entrelinhas que percebemos que Ilana escreve de forma aleatória, divagando entre lembranças e acusações, tentando disfarçar sua necessidade de manter contato com Alex. Ele, por sua vez, é objetivo e absurdamente honesto, sem se preocupar em medir as palavras. Michael disfarça seus interesses mesquinhos por trás de uma fachada religiosa, enquanto Boaz se vê perdido na vida.
O mais curioso é perceber como esta colcha de retalhos, com múltiplas vozes e pontos de vista, se junta de forma coerente. Minhas experiências com livros epistolares nunca foram positivas por que nenhuma delas conseguiu chegar perto do desenvolvimento e da profundidade que Oz consegue dar aos personagens e as relações entre eles.
"Com todo respeito a Tolstói, eu digo que o contrário é o correto: os infelizes na maioria estão imersos em sofrimentos convencionais, vivem numa única rotina estéril entre quatro ou cinco clichês de miséria gastos. Enquanto a felicidade é um objeto fino e raro, uma espécie de vaso chinês, e os poucos que chegam a ele cinzelaram-no traço por traço durante anos, cada um a sua imagem, cada um segundo as suas medidas, portanto não há uma felicidade que se pareça com a outra." (OZ, 2007, p. 142)
Outro ponto interessante são as críticas que o autor faz à intolerância e ao fanatismo religioso, mostrando como muitas religiões se assemelham neste aspecto. Além disso, o autor traz à tona a discussão do empoderamento feminino em virtude do tratamento de inferioridade que é dado a Ilana por sua condição de mulher tanto em seu divórcio, quanto por seu submetimento a Michel. O livro, publicado pela primeira vez em 1987, já se propunha a debater esse assunto que está tão em voga atualmente.
O desfecho não conta com grandes reviravoltas e o final é um tanto abrupto. Oz não coloca todo os pingos nos is, de forma que não sabemos como a vida desses personagens continuará. Assim A caixa-preta é um recorte para vida deles: vemos a retomada de contato, as guinadas que ocorrem, entendemos o passado, os segredos e as mentiras, e tudo o que os levou àquela situação. Mas o futuro fica em aberto.
Apesar de ter me surpreendido com a capacidade do autor em criar um drama tão profundo a partir de cartas, tive a sensação de que o livro perdeu um pouco de sua força da metade para o final. Talvez por que já havia desvendando o passado deles, talvez por que as cartas tenham se tornado um pouco maçantes. Ainda assim, A caixa-preta mostrou o talento singular de Amós Oz em criar tramas complexas, com uma narrativa rica, além de personagens vívidos a ponto de suas personalidades transparecerem a cada vírgula. Assim, não tenho dúvidas que explorarei outras obras do autor.
Autor: Amoz Oz
N de páginas: 301
Editora: Companhia das Letras
Exemplar cedido pela editora
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7 comentários:
Admito que não conhecia o livro e nem entendo isso de leitura epistolar. Mas gostei da forma como assuntos pesados foram tratados no livro. Tanto pela parte das cartas, que devem sim, trazer a personalidade de cada personagem inclusa ali,mas também do fanatismo religioso que sim, poda muitas pessoas ainda neste século e da forma como a mulher era e infelizmente ainda é tratada.
Não sei se será um tipo de leitura que me agradará, mas se puder, quero sim, ler!
Beijo
Oiii ❤ Não tenho costume de de ler livros espistolares, não me lembro de já ter lido algum, então fico um pouco com o pé atrás de fazer essa leitura. Apesar de que a história parece muito boa.
Gosto de saber que o autor conseguiu criar personagens tão diferentes e com personalidades próprias, acho isso muito importante num livro.
Outra coisa que me agrada é o livro falar sobre fanatismo religioso, ter uma religião é um direito de todos, mas extrapolar a beira do exagero, é um problema.
Obrigada pela dica de leitura ❤
Olá! Nossa, achei bem relevantes os temas que o livro aborda, como o empoderamento feminino e a intolerância religiosa, temas tão atuais e que precisam ser trabalhados.
Achei genial o autor ter criado vozes únicas para cada um dos personagens, gosto bastante quando os personagens tem personalidades bem diferentes entre si.
O que me incomodou bastante foi o autor não ter colocado os pingos nos is, gosto de finais bem definidos, em que temos certeza da situação em que os personagens se encontram ao final do livro.
Espero ter a oportunidade de fazer a leitura do livro! Muito obrigada pela indicação!
Beijos! ♡
Que bacana conhecer esse livro!
Amo quando há cartas na história, e sendo todo narrado dessa maneira me chama muita atenção.
Beijos
Oi, Alê.
Achei bem confuso e chatinho esse.
Apesar de que fiquei curiosa por falar sobre fanatismo religioso.
Mas sinceramente não é o meu tipo.
Bjs
Olá, Alê
Não conhecia o livro e nem o autor.
Já li livros que tem cartas ou e-mails, mas todo o enredo baseado em cartas ainda não li e tenho muita vontade de ler algum livro assim.
E nessa obra, fala tanto de amor de uma maneira que nos aproxima das dores, dos afetos, das virtudes e dos defeitos de cada personagem.
Quero poder ler o livro, beijos!
Li poucas obras epistolares mas gosto do estilo, Alê. O que mais gostei foi Lady Susan, da Jane Austen. Esse parece interessante, quero ler. Ótima resenha.
Beijos!
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