sexta-feira, 5 de junho de 2015

RESENHA: A Queda

“Bosh balançou a cabeça, mas franziu o rosto ao mesmo tempo. Não estava gostando. Para ele, soava exatamente como o que era. Uma história inventada para fazê-los passar por aquela porta. Um juiz talvez autorizasse o mandado de busca, mas teriam de encontrar um que fosse amigável. Ele queria algo à prova de balas. Algo que qualquer juiz assinaria e que se sustentaria contra subsequentes objeções legais.” (CONELLY, 2014, p. 263)

***

Quem acompanha o blog há algum tempo sabe o quanto gostamos dos livros de Michael Connelly. Personagens bem construídos, tramas intrincadas, reviravoltas de tirar o fôlego e, sobretudo, verossimilhança em todos os aspectos que se analise. Assim, quando comecei a leitura de A Queda, sequer passou pela minha mente que poderia me decepcionar.

O detetive Bosh, que trabalha na Unidade de Abertos/Não Resolvidos, recebe um exame de DNA que reabre a investigação de um brutal assassinato que ocorreu em 1989. Porém, a evidência encontrada imputa um homem que hoje tem 29 anos, de modo que seria apenas uma criança quando do homicídio. Além disso, Bosh é requisitado para investigar a morte do filho do vereador Irvin Irving, com quem teve problemas no passado. 

O que na teoria parece interessante, na prática não funcionou. É evidente que qualquer policial da vida real não se dedica exclusivamente a uma investigação, de modo que deveria ser natural ver Bosh trabalhando em casos distintos. O problema é que os casos pouco se relacionam, então, é como se o livro tivesse dois começos, com duas investigações paralelas e em fase inicial, de modo que a estória demora mais do que o comum até engrenar. 

Mas o maior problema do livro atende pelo nome de Bosh. O detetive durão — que já encontrei em outros livros como Echo Park e O Mirante, e nunca me incomodou —, se tornou a pedra no meu sapato durante toda a leitura. Não sei se nos outros livros não reparei no fato ou se neste livro Connelly pesou a mão, mas a verdade é que em A Queda Bosh se mostrou como um indivíduo com um complexo de superioridade severo.

O desprezo de Bosh por seus chefes, colegas, parceiro, testemunhas e suspeitos não tem limites. Ele simplesmente presume que sempre está certo, que tudo o que pensa vale ouro e que as demais pessoas sempre estão erradas. Mas o que realmente me incomodou foi o desprezo de Bosh pela lei. Para que respeitar as garantias constitucionais de qualquer país que se denomine democrático, se jogando as regras pela janela o trabalho é feito mais rápido? E mais: Bosh não segue as leis, mas, depois de quebrá-las, quer evitar a qualquer custo que o ato que ele praticou, à revelia da lei, seja invalidado, forjando o que for necessário para isso. 

As estórias, embora interessantes, não empolgam. Uma delas, que se mostrou com maior potencial para isto, é claramente subaproveitada, e os elementos explorados são fracos. Por sua vez, a outra trama dá voltas e mais voltas para terminar em uma solução simplista. Ao fim da leitura ficou claro que Connelly não tinha estória suficiente para um livro, e ao invés de encontrar um caso digno de Harry Bosh, limitou-se a juntar duas ideias fracas e insossas, que talvez servissem para um bom conto, mas não para um bom livro. 

Embora a narrativa de Connelly seja dinâmica, preciso ressaltar que em alguns momentos os diálogos não funcionaram, parecendo artificiais. Talvez o problema dos diálogos resida na tradução, visto que a língua inglesa consegue reproduzir de forma mais natural a informalidade e a fluidez de uma conversa, A tradução, ao tentar imitar tais características, se torna um português "descolado" demais, que não estamos acostumados a encontrar na literatura. 

No fim das contas, apenas posso dizer que o saldo final de A Queda é positivo por que me lembrou da razão pela qual tenho orgulho de ser advogado criminalista. O título do livro em inglês, The Drop, se refere a um programa de aposentadoria tardia e, depois de dezessete livros, creio que já passou da hora de aposentar o detetive Bosh. 

Título: A Queda
Autor: Michael Connelly
N.º de páginas: 311
Editora: Suma de Letras

21 comentários:

Maria Cecília Vieira disse...

Amo livros policiais porque amo estudar criminologia, por mais que saiba que as coisas andam longe de ser como nos livros. De qualquer forma, esse não me empolgou tanto, acho que justamente por conta do autor ter pesado a mão no personagem. E se já tá mesmo na hora de aposentá-lo, não custava nada ter feito isso de uma forma mais digna, porque ele já rendeu excelentes tramas anteriores. Uma pena.

Unknown disse...

Oii ! Sou daqueles que julga o livro pela capa e não me interessei muito nessa !
haah ' Já a resenha eu adorei, porém não sei se leria, pq n faz mto meu estilo!

Abraço

mundoemcartas.blogspot.com.br

Maurilei Teodoro disse...

Connelly e Donato Carrisi são meus escritores preferidos do gênero. Dos quatro livros que li por enquanto de Michael Connelly dou nota dez para todos. Da série do detetive Bosh li apenas o primeiro, Loira de Concreto. Uma pena este não ser tão bom.

bomlivro1811.blogspot.com.br

Gabriela CZ disse...

É triste quando um autor que costuma ser sinônimo de qualidade literária escreve algo que nos decepciona, Alê. Ainda mais em um livro de uma série que adoramos. Mas é bom ver que ainda assim conseguiu tirar alguns pontos positivos, mesmo que poucos. E não perdi a vontade de ler algo de Connelly. Ótima resenha.

Abraço!
http://constantesevariaveis.blogspot.com.br/

Unknown disse...

A capa eu não gostei muito, mas o enredo me pegou! O único problema é ser mais uma série!
Bjs

Leandro de Lira disse...

Oi, Alê!
Eu não pretendo ler este livro. A premissa não me interessou, sabe? Ao menos não me deixou curioso. Não sei se leria. No momento, passo a leitura.
Eu também detesto personagens que têm complexo de superioridade. É ridículo.
Abraço!

"Palavras ao Vento..."
www.leandro-de-lira.com

Luis Carlos disse...

Ao ler a resenha, fiquei bastante empolgado para ler esse livro, pois eu adoro livro de investigações. Mas vi que o livro não é tão empolgante e, por conta disso, não sei se valeria a pena comprar ou não. Adorei a resenha!

Anônimo disse...

Oi, Alê!

Eu simplesmente amei a forma como você terminou a resenha, rs. Super divertida!
Ah, é decepcionante ter nossas expectativas destruídas. Sempre ouvi e li comentários positivos acerca do autor, mas parece que ele não foi feliz ao escrever esse livro.
Adoro romances policiais, mas detetives com ar de superioridade me tiram do sério - aliás, qualquer personagem que tenha uma atitude dessas irá me incomodar.
Ótima resenha!

Beijocas.
http://artesaliteraria.blogspot.com.br

Pâm Possani disse...

Advogado criminalista?
UAU
acredita que nao li nada do autor?
mas pena que não foi tããão empolgante poxa... que a proxima leitura seja mais intrigante!!

aah mari, vc ja leu silencio dos inocentes?? nao curtiu??? omggg
gone girl é mesmo <33
Um beijo!
Pâm - www.interruptedreamer.com

Carolina Santos disse...

A capa eu não gostei muito, mas o enredo me pegou! O único problema é ser mais uma série!

Inês Gabriela A. disse...

Olá,
Nossa, não sabia que você era advogado criminalista, isso já explica metade de seu gosto literário, rsrs. Confesso que esse tipo de livro não me agrada muito, por isso não me interessei.
Beijos.
Memórias de Leitura - memorias-de-leitura.blogspot.com

Maisanara F. disse...

Amo livros policiais e ele é sempre melhor se tem bastante detalhes sobre o cenário e os personagens. Nossa, odeio quando isso acontece. Não acredito, pela sinopse e pelas suas resenhas de outros livros do autor, que o livro tenha sido ruim. Bjus.

Casos Acasos e Livros disse...

Que pena que não superou suas expectativas, Alê.
Triste quando isso acontece.
Pelo menos no fim das contas o saldo foi positivo, mesmo com o protagonista te incomodando, hehe.
Isso das investigações paralelas fica meio estranho se não está interligado. Tudo bem que na vida real é assim, mas nem sempre a vida real funciona na literatura.

Beijoooos

www.casosacasoselivros.com

rafaela disse...

Eu ainda não li nenhum livro do Michael Connelly, mas não fiquei com muita vontade de ler esse livro não. Já não gostei de saber que a história demora a engrenar e que os casos não se relacionam, mas acho que o pior é o protagonista, ele parece ser bem chato e já não gostei dele kkkk
Quando eu for ler algum livro do autor, com certeza não vai ser esse...
Beijos!

Anônimo disse...

Putz eu nunca tinha ouvido falar do livro e muito menos do escritor. E por um lado acho bom. Que qualquer pessoa que se ache demais como esse ai, deve ser totalmente estressante. E cara advogado criminalista hein ha, ha. Muito bacana.

Inquietudes Secretas

Karina Valshe disse...

Uma pena a leitura no ter sido como imaginava e apesar de gostar de livros do gênero, não arriscarei a ler este. Seria um péssimo primeiro contato com o autor e seu personagem.
Mas procurarei saber sobre outros dele.

Nardonio disse...

Ao apresentar esse Bosh, você descreveu um dos tipos de personagem que odeio. O pior é que essa personagem é o protagonista desse livro, ou seja, decepção me define. Quando isso acontece, a narrativa do autor deve se desdobrar em mil para que eu possa gostar do livro. Mas já sei que, quando for ler algo do Connelly, esse não será o escolhido.

Seguidor: DomDom Almeida
@_Dom_Dom

Unknown disse...

Olá!
Não conhecia o autor nem o livro.
Não gosto muito desse gênero e juntamente com os pontos levantados não me interessei pelo livro.
Também não gostei do protagonista e de suas atitudes mencionadas na resenha.

Ana I. J. Mercury disse...

Não conhecia o autor também, e pareceu ser uma trama bem complicada rsrsrs
Mas vou procurar mais para conhecer o autor.
bjs

Unknown disse...

Comecei lendo tua resenha bem animada com o livro, Alê, pois gosto de tramas policiais, mas devo confessar que em alguns momentos fiquei pouco desestimulada em ler o livro, principalmente quando você disse que as estórias não empolgam e que os diálogos são superficiais.

Karolyne K. disse...

Tenho vontade de ler um livro do Michael Connelly, sempre são bem elogiados.
Uma pena que esse não foi tudo o que você esperava. Vou escolher outra obra do autor para ler e conhecer sua escrita.

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