Uma das coisas que mais gosto em Lionel Shriver é como ela se reinventa a cada trama. Com Shriver, cada livro é um gênero novo dentro da sua obra. Se “Precisamos falar sobre Kevin” é seu thriller; “O mundo pós-aniversário”, seu romance; “Tempo é Dinheiro”, seu livro sobre doença; “A Nova República” é seu livro político.
Edgar Kellogg passou a vida se inspirando nos outros para saber o que queria ser. Até que ele decide desistir de sua bem sucedida carreira como advogado em Nova York para se tornar jornalista (exatamente como um dos seus ídolos de adolescência, um colega de colégio a quem ele recorre para conseguir uma vaga em um jornal). Edgar dá sorte. Barrington Saddler, um correspondente internacional que cobria os conflitos terroristas de Barba, Portugal, desapareceu sem deixar vestígios, abrindo espaço para que Edgar dê início a sua nova carreira. Mas substituir o lendário, amado e detestável Barrington não vai ser tarefa fácil.
Shriver tem uma habilidade que poucos autores têm: com poucas páginas já nos faz conhecer profundamente personagens tridimensionais. No caso de Edgar, bastou um capítulo (cinco páginas) para que eu já estivesse fisgada a conhecer a história desse sujeito que resolveu mudar completamente sua vida, que viveu desde a adolescência querendo ser outra pessoa, avaliando suas conquistas e objetivos com base nos de outros.
Além de Edgar, e das mudanças pelas quais ele vai passar, temos ainda Barrington. Mesmo sem estar fisicamente presente nos eventos, o jornalista desaparecido é tão protagonista quanto Edgar. O personagem que nem o leitor nem o protagonista conhecem é quem coloca toda a trama em movimento. Tudo acontece a partir dele. O cargo que ele ocupa, a casa onde mora, seu círculo de amigos. Tudo passa a ser de Edgar e Edgar quer ser Barrington. Quer provocar nas pessoas o efeito que ele provoca. Conquistar o que ele conquista.
“A maior preocupação de Edgar em relação a seu caráter era não ser original. Nem sabia como se tornar original, a não ser imitando outras pessoas que eram.” (SHRIVER, 2012, p. 45)
É através de Edgar e Barrington que a autora brilha neste livro. Edgar passou sua vida toda querendo ser admirado. Querendo chegar em casa e encontrar a secretária eletrônica cheia de recados. Querendo que as pessoas sentissem sua falta quando não estivesse e que seus rostos se iluminassem quando ele chegasse. Mas sua ânsia em ser popular o deixou sempre na sombra dos populares. E aí ele abandona sua vida e se depara com o fantasma de Barrington que, mesmo ausente, continua sendo tudo aquilo que ele sempre quis ser e nunca conseguiu.
Com relação a Barrington, o mais interessante é que só o conhecemos através das percepções das pessoas que conviveram com ele e mesmo assim sua presença é palpável. Através dele Shriver nos faz questionar a maneira como vemos as pessoas e se isso é condizente com quem elas realmente são. Nos faz pensar sobre tudo que congelamos em nossa memória, acreditando que pessoas, lugares e situações permanecem sendo como lembramos delas, mesmo quando nós mesmos mudamos.
Apesar dos muitos aspectos positivos, “A Nova República” foi o primeiro livro de Shriver a me decepcionar. Isso porque tramas que envolvem política tendem a me entediar (até Erico Verissimo em seu inesquecível “O Tempo e o Vento” provocou esse efeito em alguns momentos dos últimos volumes). Para mim, política simplesmente não cativa, não intriga. Não funciona. As bombas, as intrigas, as pecuinhas, tudo que acontecia em Barba eram apenas obstáculos que eu precisava transpor para entender o que realmente me interessava: os personagens. Mas acredito que isso possa ser uma percepção puramente pessoal e que o mesmo talvez não aconteça com outros leitores já que a trama é muito bem construída. Curiosamente, “A Nova República” quase foi o primeiro livro que li da autora há anos. Por sorte optei por “Precisamos falar sobre Kevin”. Caso contrário, talvez tivesse perdido de conhecer melhor uma autora que adoro.
“A Nova República” é um livro inteligente e bem construído que pode funcionar totalmente para alguns leitores e não tanto para outros. Nenhum autor tem uma obra impecável, mas Lionel Shriver é uma que chega muito perto.
Autora: Lionel Shriver
N° de páginas: 384
Editora: Intrínseca
Exemplar cedido pela editora
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5 comentários:
Eu acredito que seria um tipo de livro que não funcionaria para mim.
Também sou meio que avessa a assuntos políticos e normalmente os enredos tem o grande poder de me deixar entediada(igual assistir jornal no meio de semana a noite)
Só li Precisamos Falar Sobre Kevin e foi uma leitura maravilhosa na época, tanto que a adaptação também é incrível.
Não digo que nunca lerei este, mas...
Beijo
Ainda não li nada da Shriver e nem conhecia esse livro, Mari. Achei a trama muito interessante, mas como também não sou grande fã de política acho que o deixarei mais pra frente. Ótima resenha.
Beijos!
Oi, Mari
Ainda não li nada da autora, apenas conheço seus livros pelas resenhas.
Gostei da premissa do livro apesar de não gostar tanto assim de política.
Mas como tenho curiosidade para conhecer a escrita da autora não descarto a possibilidade de ler o livro.
Beijos
Não é do meu estilo, e achei meio confusa a trama.
Não sei, não me chamou a atenção, mas tenho muita vontade de ler Precisamos falar sobre Kevin, esse ainda lerei!
bjs
sou fã de Lionel Shriver, comecei esse livro e não "me pegou" como os outros...agora resolvi retoma-lo.aguardemos...
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