“Durante toda a vida, Peter havia pensado no Tempo de Antes como algo que já houvesse desaparecido. Era como se uma lâmina tivesse caído sobre o próprio tempo, dividindo-o em dois: o que veio antes e o que veio depois. Não existia ponte entre essas duas metades. A guerra fora perdida, o Exército não existia mais, o mundo para além da Colônia era a sepultura aberta de uma história que ninguém ao menos lembrava.” (CRONIN, p. 364, 2013)
Até o ano passado, ficção cientifica não me atraia. Mas, por algumas razões, passei a ver o gênero com outros olhos e desde então acredito que seja um dos mais inteligentes e difíceis de serem escritos (bem, escritos pelo menos). Qualquer dificuldade que exista, Justin Cronin tira de letra ao apresentar em “A Passagem” um ótimo livro que dá início ao que promete ser uma ótima série.
Um experimento científico realizado pelo exército norte americano dá errado e as cobaias - homens que estavam no corredor da morte - se transformam em seres extremamente fortes, sensíveis à luz e com (a mais preocupante de todas as características) sede de sangue. A intenção era criar o soldado perfeito, mas ao invés disso criou-se algo com potencial para destruir a humanidade. Esse terrível evento tem início quando, após uma quebra de segurança nas instalações militares, as cobaias fogem, infectando milhares de pessoas e matando outras tantas. A partir desse momento, o mundo jamais voltará a ser o mesmo e uma era de medo tem início.
É em pequenas coisas que um escritor se revela um grande escritor. Em “A Passagem”, Cronin tem 815 páginas (não que 815 páginas possam ser consideradas uma “pequena coisa”) para provar isso, e o faz em cada uma delas. Vou exemplificar isso partindo do princípio que você começa a ler um livro porque se interessou pela sinopse, então espera ansioso que o livro lhe entregue a história prometida. Porém imagine que essa história que você espera só tem início nas proximidades da página 200 e até lá tudo pode ser considerado uma longa introdução. Ainda assim você fica fissurado pela leitura, mais envolvido a cada frase e sentindo que conhece os personagens profundamente a cada página. Foi o que aconteceu comigo ao ler “A Passagem” e foi assim que eu soube que tinha em mãos o livro de um grande escritor.
O primeiro e o segundo capítulos narram, respectivamente, o mundo como o conhecemos e as consequências imediatas à fuga dos prisioneiros/cobaias. Depois disso, cada capítulo é uma surpresa. Vale ressaltar que esses dois primeiros (que como falei são uma espécie de introdução longa) são extremamente envolventes e repletos de personagens bem construídos. É impossível não sentir que se conhece cada um deles de longa data e não se deixar envolver por suas histórias. É como se cada um fosse protagonista de uma mini-história dentro de uma maior. Mas se as primeiras duzentas páginas tem uma característica familiar, as outras 600 reservam muitas surpresas. A partir do momento em que o mundo passa a ser assombrado pelo o catastrófico experimento, o autor consegue enveredar por caminhos que jamais imaginamos e eu me pegava constantemente perguntando: “Ele vai levar para esse lado? É isso que vai acontecer?” ou me admirando com coisas como: “Que ângulo interessante de ser explorado!” Por se tratar de ficção cientifica é normal que seja difícil prever o que poderá acontecer - visto que qualquer território pode ser válido -, e o autor faz uso desse princípio, tornando “A Passagem” um suspense elegante. Nada daquele suspense óbvio que você sabe onde vai parar. A cada novo capitulo são abertas novas possibilidades, afinal, a boa ficção cientifica deve deixar o leitor cheio de perguntas e fazer brotar em suas páginas cenários jamais imaginados.
Devo confessar, porém, que houve um momento em que perdi um pouco da conexão com a história. Com o surgimento de muitos personagens novos em um determinado trecho, demorei a sentir que conhecia esse novo grupo da mesma maneira como conhecia aquele primeiro (aquele dos dois primeiros capítulos). Analisando em retrospecto, porém, acredito que isso possa ter sido uma estratégia do autor e que essa estranheza e mudança de tom é proposital. Afinal, o mundo já não é o mesmo e a mudança da narrativa é uma maneira de fazer o leitor sentir isso por reflexo. Independente de a minha teoria estar correta ou não, posso dizer que mesmo sofrendo um leve declínio pontual “A Passagem” não decepciona. Bons personagens, bons conflitos, suspense bem dosado e uma abordagem vampiresca que foge do lugar comum (e que dá para engolir) tudo isso em um cenário apocalíptico instigante e amedrontador. Isso é o que permeia todas as páginas. Não entrarei em maiores detalhes para evitar qualquer tipo, mesmo pequeno, de spoiler, basta dizer que ao me acostumar com o novo ritmo, voltei a me envolver com a história e assim foi até o final.
Gostaria de comentar ainda que a capa dessa nova edição lançada pela Editora Arqueiro é muito mais adequada (além de mais bonita) do que a anterior e transmite com facilidade a solidão e devastação desse novo mundo.
“A Passagem” é um ótimo primeiro livro de série. Apresenta com clareza a história que pretende contar e o contexto em que será ambientada, cativa o leitor e o deixa curioso para saber o que vem pela frente (talvez curioso seja um eufemismo. Eu fiquei com o coração na mão ao ler as últimas frases, lendo e relendo, querendo que não fosse verdade). Com certeza Justin Cronin tem muito o que explorar nos próximos dois livros e deixou claro que os leitores não perdem por esperar.
“Os Doze”, sequência de “A Passagem” já foi lançado pela Editora Arqueiro esse ano e “A Cidade dos Espelhos”, livro final da trilogia, está previsto para 2014 nos Estados Unidos.
Título: A Passagem (exemplar cedido pela Editora Arqueiro
Autor: Justin Cronin
Nº de páginas: 816
Editora: Arqueiro
Até o ano passado, ficção cientifica não me atraia. Mas, por algumas razões, passei a ver o gênero com outros olhos e desde então acredito que seja um dos mais inteligentes e difíceis de serem escritos (bem, escritos pelo menos). Qualquer dificuldade que exista, Justin Cronin tira de letra ao apresentar em “A Passagem” um ótimo livro que dá início ao que promete ser uma ótima série.
Um experimento científico realizado pelo exército norte americano dá errado e as cobaias - homens que estavam no corredor da morte - se transformam em seres extremamente fortes, sensíveis à luz e com (a mais preocupante de todas as características) sede de sangue. A intenção era criar o soldado perfeito, mas ao invés disso criou-se algo com potencial para destruir a humanidade. Esse terrível evento tem início quando, após uma quebra de segurança nas instalações militares, as cobaias fogem, infectando milhares de pessoas e matando outras tantas. A partir desse momento, o mundo jamais voltará a ser o mesmo e uma era de medo tem início.
É em pequenas coisas que um escritor se revela um grande escritor. Em “A Passagem”, Cronin tem 815 páginas (não que 815 páginas possam ser consideradas uma “pequena coisa”) para provar isso, e o faz em cada uma delas. Vou exemplificar isso partindo do princípio que você começa a ler um livro porque se interessou pela sinopse, então espera ansioso que o livro lhe entregue a história prometida. Porém imagine que essa história que você espera só tem início nas proximidades da página 200 e até lá tudo pode ser considerado uma longa introdução. Ainda assim você fica fissurado pela leitura, mais envolvido a cada frase e sentindo que conhece os personagens profundamente a cada página. Foi o que aconteceu comigo ao ler “A Passagem” e foi assim que eu soube que tinha em mãos o livro de um grande escritor.
O primeiro e o segundo capítulos narram, respectivamente, o mundo como o conhecemos e as consequências imediatas à fuga dos prisioneiros/cobaias. Depois disso, cada capítulo é uma surpresa. Vale ressaltar que esses dois primeiros (que como falei são uma espécie de introdução longa) são extremamente envolventes e repletos de personagens bem construídos. É impossível não sentir que se conhece cada um deles de longa data e não se deixar envolver por suas histórias. É como se cada um fosse protagonista de uma mini-história dentro de uma maior. Mas se as primeiras duzentas páginas tem uma característica familiar, as outras 600 reservam muitas surpresas. A partir do momento em que o mundo passa a ser assombrado pelo o catastrófico experimento, o autor consegue enveredar por caminhos que jamais imaginamos e eu me pegava constantemente perguntando: “Ele vai levar para esse lado? É isso que vai acontecer?” ou me admirando com coisas como: “Que ângulo interessante de ser explorado!” Por se tratar de ficção cientifica é normal que seja difícil prever o que poderá acontecer - visto que qualquer território pode ser válido -, e o autor faz uso desse princípio, tornando “A Passagem” um suspense elegante. Nada daquele suspense óbvio que você sabe onde vai parar. A cada novo capitulo são abertas novas possibilidades, afinal, a boa ficção cientifica deve deixar o leitor cheio de perguntas e fazer brotar em suas páginas cenários jamais imaginados.
Devo confessar, porém, que houve um momento em que perdi um pouco da conexão com a história. Com o surgimento de muitos personagens novos em um determinado trecho, demorei a sentir que conhecia esse novo grupo da mesma maneira como conhecia aquele primeiro (aquele dos dois primeiros capítulos). Analisando em retrospecto, porém, acredito que isso possa ter sido uma estratégia do autor e que essa estranheza e mudança de tom é proposital. Afinal, o mundo já não é o mesmo e a mudança da narrativa é uma maneira de fazer o leitor sentir isso por reflexo. Independente de a minha teoria estar correta ou não, posso dizer que mesmo sofrendo um leve declínio pontual “A Passagem” não decepciona. Bons personagens, bons conflitos, suspense bem dosado e uma abordagem vampiresca que foge do lugar comum (e que dá para engolir) tudo isso em um cenário apocalíptico instigante e amedrontador. Isso é o que permeia todas as páginas. Não entrarei em maiores detalhes para evitar qualquer tipo, mesmo pequeno, de spoiler, basta dizer que ao me acostumar com o novo ritmo, voltei a me envolver com a história e assim foi até o final.
Gostaria de comentar ainda que a capa dessa nova edição lançada pela Editora Arqueiro é muito mais adequada (além de mais bonita) do que a anterior e transmite com facilidade a solidão e devastação desse novo mundo.
“A Passagem” é um ótimo primeiro livro de série. Apresenta com clareza a história que pretende contar e o contexto em que será ambientada, cativa o leitor e o deixa curioso para saber o que vem pela frente (talvez curioso seja um eufemismo. Eu fiquei com o coração na mão ao ler as últimas frases, lendo e relendo, querendo que não fosse verdade). Com certeza Justin Cronin tem muito o que explorar nos próximos dois livros e deixou claro que os leitores não perdem por esperar.
“Os Doze”, sequência de “A Passagem” já foi lançado pela Editora Arqueiro esse ano e “A Cidade dos Espelhos”, livro final da trilogia, está previsto para 2014 nos Estados Unidos.
Título: A Passagem (exemplar cedido pela Editora Arqueiro
Autor: Justin Cronin
Nº de páginas: 816
Editora: Arqueiro
13 comentários:
A principio não me chamou muito a atenção, mas a parte que disse que a deixou com o coração na mão me deixou com uma vontadezinha.
Mari, eu adoro ficção científica. Mas, de fato, são poucos os enredos bem escritos que prendem a atenção do leitor de verdade. A Passagem é apaixonante desde a sinópse... eu o comprei no ano passado, e li as primeiras 100 páginas, mas precisei parar porque acabei ficando sem tempo, e este com certeza eu quero ler com toda a atenção do mundo. Enfim...
Amei demais a sua resenha, Mari. Só me deu mais certeza do quanto não me arrependerei em ler essa trama. ;)
Um abraço!
http://universoliterario.blogspot.com.br/
Oi Mari!
Eu também não tenho muita curiosidade por ficções científicas, contudo, esse chama a atenção principalmente por parecer ser uma excelente história que não se perde em seu tamanho. É bom ver quando as páginas realmente são aproveitadas, sem deixarem aquela sensação de estarem "enchendo linguiça".
Uma pena que em determinado momento você tenha perdido a conexão com a história; de qualquer forma, isso não pareceu tirar o brilho do livro!
Beijão!
Não estava animada com a leitura, principalmente pelo tanto de páginas, mas estou muito impressionada com a forma como o livro foi escrito. Muito conteúdo, surpresas, rumos inesperados. Estou interessada de verdade e pretendo ler a obra.
obs: Também nunca fui fã do gênero, mas alguns livros tem me conquistado. E neste caso, como é bom, melhor ainda é saber que tem continuação.
bjs
GFC: Ana Paula Barreto
Ando tentando correr o mais longe possível de séries..rsrs
Não sou fã mas, gosto de ler livros de ficção cientifica mas a história narrada em "A passagem" não me atraiu...
O livro pelo que você descreveu parece ser bom, mas deixarei ele fora da minha lista de desejos.
GFC: Manuela Cerqueira
Vi muitos comentários sobre esse livro, mas até agora não sabia sobre o que ele era. Apesar de ser um série, o que eu estou evitando ler, fiquei curiosa com a temática.
Não tenho muita curiosidade com ficção científica!
O livro parece ser otimo, mas não me interessei muito por ele.
É a primeira vez que ouço falar no livro, e como gosto muito de vampiros então me interessei pela história e espero poder lê-la em breve :D
GFC: Rossana Batista
A capa é linda mesmo.
Nossa, eu gostaria de ler, mas fiquei meio assim depois de saber que a história mesmo só começa depois das 200 páginas, será que vou gostar ?
GFC: Roberta Moraes
Nossa! 815 páginas?!?! Dá até medo de olhar. Rsrsrs
No meu caso, acho que o início iria ser um pouco massante. Praticamente 200 páginas de "introdução" é complicado. Pelo menos as demais são muito boas. Mas até que gostei.
Seguidor: DomDom Almeida
@_Dom_Dom
Eu tbm não gosto de muitos personagens, me confundo com poucos, muitos então é realmente um problema. Eu sinceramente não leio muito ficção científica, não sei se cheguei a ler ao menos um, mas imagino que deve ser bem difícil de escrever, de escrever bem.
Esse não é o tipo de livro pra mim, o segundo saiu faz pouco tempo, se eu não me engano essa é a capa da segunda edição, porém eu não me interessei muito.
Você é persistente viu! Introdução até a página 200... eu teria abandonado a leitura, rsrs.
Ficção cientifica não chama muita a minha atenção sabe.
A continuação só em 2014... tadinho dos fãs...
GFC: Gladys.
Nossa se você ficou com o coração na mão no final do livro, creio que vale a pena ler ao livro.
Que pena que a sequencia só será lançada em 2014, os fãs ficaram com o coração na mão, isto é péssimo.
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