segunda-feira, 17 de novembro de 2014

RESENHA: A Metamorfose/Um Artista da Fome/ Carta ao Pai

“E assaltado por remorsos e inquietude começou a subir por todas as paredes, todos os móveis e pelo teto, e finalmente, quando já a sala começava a dar voltas ao seu redor, deixou-se cair em desespero sobre a mesa.” (KAFKA, 2014 p.35)

E eis que tive meu primeiro contato com a obra de Franz Kafka e já não era se em tempo. Essa edição que reúne três textos do autor foi uma ótima maneira de começar.

“A Metamorfose”, a mais célebre obra de Kafka, é o conto que abre essa edição. A história de Gregor Samsa que em uma manhã como qualquer outra, após uma noite de sono inquieto, acorda transformado em um monstruoso inseto.

“A Metamorfose” é um daqueles textos que dá vontade de ler inúmeras vezes com a certeza de que cada leitura permitirá uma nova interpretação. Kafka inverte todas as convenções e faz com que o absurdo pareça normal e o normal pareça absurdo. De alguma forma o autor faz com que seja muito fácil para o leitor aceitar que Gregor acordou transformado em um inseto. O personagem fica chocado ao se deparar com sua nova situação, mas a aceita imediatamente, sem questionamentos, e o mesmo faz o leitor. O que espanta é a reação da família diante da sua nova condição. O inseto gigante e suas inúmeras patas descontroladas não são estranhos. Estranhos são os outros.

Nesse contexto, o porquê da metamorfose física não importa. O que importa é a metamorfose psíquica pela qual os personagens passam a partir da metamorfose física e as mudanças que suas vidas sofrem, já que fica claro que Gregor não era apreciado por ser filho ou irmão e sim por ser fonte de renda.

“Um Artista da Fome” é ainda mais breve que “A Metamorfose” (conta com meras 10 páginas) e é mais um exemplo do desespero e absurdo amplamente conhecidos como características do universo kafkaniano. A história de um artista que tem como talento jejuar e em seus jejuns de 40 dias encontra a glória, já que as pessoas cercam sua jaula para assistir o espetáculo, ou seja, garantir que não coma nada. Sua arte é tudo o que ele tem, mas perde o apelo para o público que, antes obcecado, perde o interesse com o passar do tempo. Ele sente que seu tempo ainda não acabou (porque jejuar apenas por 40 dias se pode continuar muito mais?), mas o público quer outra atração em seu lugar. Não é difícil fazer paralelos com a cultura de celebridades ou mesmo com o uso das habilidades de alguém para proveito próprio apenas enquanto isso é útil.

Por fim, ‘Carta ao pai” é um texto autobiográfico que relata a relação conturbada do autor com seu pai, um homem severo e crítico que moldou muitas de suas escolhas. Nele, o autor conta ao pai como se sentiu diante de diversas situações, as coisas que quis dizer e nunca disse e a maneira como enxerga o relacionamento que construíram. Das três obras foi a que menos gostei, mas é a mais carregada de sentimentos.

“Carta ao pai” conta com um prefácio escrito pelo tradutor desta edição, Torrieri Guimarães, que comenta sobre o quanto é possível entender de Kafka, sua personalidade e obra, a partir da leitura deste texto.

Eu tinha a equívoca impressão que Kafka devia ser um autor complicado e foi uma surpresa constatar o quão simples e fluido é seu texto. As três obras apresentadas nessa edição abordam temas contundentes e levam à reflexão, mas todas têm textos simples. A complexidade fica a cargo das idéias. Uma ótima introdução ao universo kafkaniano.

Título: A Metamorfose / Um Artista da Fome / Carta ao Pai (exemplar cedido pela editora)
Autor: Franz Kafka
Nº de páginas: 112
Editora: Martin Claret

14 comentários:

Rubro Rosa disse...

Engraçado que nunca li nada de Kafka. Não por também achar que ele era complexo e confuso, mas creio que questão de oportunidade mesmo. Nunca coloquei a mão num livro dele..e agora me pego sendo curiosa e buscando a história do autor..e a densidade dos seus contos.
Amei a resenha acima e mesmo sendo um livro curto, deu pra perceber que é intenso..e lerei com certeza!!!
Beijo

DESBRAVADORES DE LIVROS disse...

Ainda não li nada do autor, acredita? Mas pretendo ler algo em breve e sua resenha me deu uma boa ideia de por onde começar.
Adorei a resenha e espero gostar desse livro.


M&N | Desbrava(dores) de livros - Participe do nosso top comentarista de novembro

Milena Soares disse...

Li “A Metamorfose” de Kafka e é mesmo uma obra excelente, fiquei bastante interessada em ler também essas outras duas.

Gabriela CZ disse...

Quero muito ler algo do Kafka, Mari. Os comentários que leio sobre suas metáforas me deixam muito curiosa. Tinha pensado em comprar uma edição de Metamorfose, mas acho que vou procurar por essa com os três contos. Ótima resenha.

Abraço!
http://constantesevariaveis.blogspot.com.br/

Loly Fonseca disse...

Ainda não li nenhuma obra do Kafka, apesar de já ter estudado muito sobre "A Metamorfose"... Acredito que mais cedo ou mais tarde terei o contato com esse autor, mas por enquanto não é algo que queira ler... Interessante essa "Carta ao Pai", provavelmente seria a que eu mais gostaria, por ser a que mais envolve os sentimentos do escritor...
Kisses =*

Silviane Casemiro disse...

Eu poderia jurar que já tinha comentado nesse post, mas enfim... :\

Eu não sou muito fã de contos, então não acho que me interessaria em ler essa obra. Porém gostei do plot de Um Artista da Fome, talvez em alguma outra ocasião eu leia em algum pdf.

Beijos.
Blog Cantar Em Verso

Girlene Viey disse...

Quando comecei a ler a resenha chei que livro teria mais pagina, pois a historia
parenta ser tão longa... pelo menos e o que senti. Sinceramente o livro não me chamou muito atenção. Mas não foi longo de cara, foi quando eu comecei a entra fundo na resenha e conhece aida mais a historia!

Vitória Pantielly disse...

Oii Mari :}
Eu precisei ler A Metamorfose para um trabalho de faculdade, e confesso que não tinha dado nada pra história quando comecei! Nem sei explicar como fiquei presa nessa história, eu adorei, até então eu não conhecia outras obras do Franz Kafka, mas pelos comentários que você fez, elas valem com certeza se perder na leitura !
Bjs

RUDYNALVA disse...

Então Mari...
Kafka não tem uma escrita complicada, é fácil a leitura. O que complica são as filosofias existenciais que seu livros tratam e pelo menos para mim, por vezes paro a leitura para uma reflexão sobre o que ele tenta passar em seus escritos.
É uma leitura profunda do ponto de vista de reavaliar os posicionamentos de vida.
Cheirinhos
Rudy
http://rudynalva-alegriadevivereamaroquebom.blogspot.com.br/

Nardonio disse...

Por mais comentados que o Kafka e sua obra "Metamorfose" sejam, ainda não tive oportunidade de conhecê-los. Por serem contos bem reflexivos, imaginava que ele tinha uma linguagem um pouco mais rebuscada. Que bom saber que são de leitura simples. Vou correr pra conhecer essas obras.

Seguidor: DomDom Almeida
@_Dom_Dom

Ingrid Moitinho disse...

Ainda não li nada do Kafka, mas tenho bastante curiosidade e vontade de ler uma obra dele, me interessei muito por essa, é bom saber que não é uma leitura complicada.

Unknown disse...

Nunca li nada do Kafka e acredito ter as mesmas impressões que você tinha antes de ler alguma obra dele. E me surpreendi ao gostar tanto de A Metamorfose, da inversão de acontecimentos, do que se passa na cabeça do Gregor ao sofrer a metamorfose. Já vou adicionar na minha lista de desejados ((:

Adriana disse...

Já li A metamorfose, e confesso que antes de ler, tinha muito medo de me deparar com algo muito dificil, uma leitura complicada e não foi nada disso, eu gostei muito e achei uma leitura relativamente facil! Quero muito ler outras obras de Kafka! Excelente resenha! :)

Anônimo disse...

Realmente são obras fantásticas, leitura leve e que provocam reflexões profundas. Foi meu primeiro contato com Kafka; e comecei a ler O Processo ontem.

Carta ao Pai, por outro lado, é pesada, muito pesada. Não pela linguagem, mas pelo rancor, pelos sentimentos indefinidos. Explica muito sobre o autor ser como é.

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