"Quem vem para o jantar?" é a coluna mensal do Além da Contracapa em que um jantar fictício se torna a ocasião em que personagens e autores interagem em encontros inusitados.
Para sediar a festa do nosso aniversário de quatro anos, escolhemos um lugar com o qual há muito sonhávamos: A Ilha do Negro, cenário de uma das nossas histórias favoritas de Agatha Christie.
— Infelizmente, crianças, a casa tem infraestrutura para apenas dez pessoas. Vocês terão que selecionar muitos bem seus convidados.
O problema era que os nossos convidados nos selecionavam também, exatamente como no ano passado. Percebemos isso quando Jane Austen respondeu nosso convite:
O problema era que os nossos convidados nos selecionavam também, exatamente como no ano passado. Percebemos isso quando Jane Austen respondeu nosso convite:
— Por que vocês insistem em escolher lugares assombrosos? Ano passado o Hotel Overlook, agora isso...
Já Stephen King nos mandou uma mensagem empolgadíssima, contando que era seu sonho de infância conhecer a Ilha do Negro.
É claro que, estando onde estaríamos, mal podíamos esperar para receber a Dama do Crime, mas infelizmente, ela nos avisou que não poderia comparecer, desculpando-se por estar envolvida com as inúmeras homenagens que vinha recebendo pelos seus 125 anos.
Mas a lista de convidados não contaria com nomes menos ilustres. Bernhard Schlink, Liane Moriarty e Charlotte Brontë logo confirmaram suas presenças, assim como Harper Lee, Haruki Murakami e George Orwell.
Logo que chegamos na Ilha do Negro, percebemos que Agatha tinha feito questão de preparar o local para nos receber dando seu toque na decoração: no centro da mesa estavam os tradicionais dez negrinhos de porcelana que todos imediatamente reconheceram como saídos do livro.
O grupo se dispersou rapidamente, pois todos queriam deixar suas bagagens nos quartos e se refrescar antes do nosso jantar. Estávamos na cozinha, cuidando dos últimos preparativos, quando ouvimos um grito digno de um filme de Hitchcock.
Subimos a escadaria correndo e vimos que o alvoroço se formava na porta do quarto de Charlotte Brontë.
— O que aconteceu? O que aconteceu? — perguntamos quase em pânico.
Foi King quem respondeu:
— Ela deve ter escorregado no banheiro e batido a cabeça. Vocês sabem, ela já não tem idade para ficar entrando e saindo de uma banheira sem ajuda.
No canto, Jane chorava copiosamente, amparada por Liane, que tentava consolá-la. A festa estava encerrada e agora éramos, de certa forma, responsáveis pela morte de um dos maiores nomes da literatura inglesa. O que mais poderia acontecer? Se um dia você se encontrar em uma situação parecida, nunca faça esta pergunta.
Tentamos contatar o marinheiro que nos trouxe até a ilha e que nos buscaria na manhã seguinte, mas ainda não conseguíramos completar a ligação quando ouvimos um estrondo ecoar pela mansão. O barulho vinha da sala de estar e quando chegamos lá vimos o corpo de Haruki Murakami estendido no chão, com o lustre cravado em sua cabeça. George Orwell correu em seu auxílio, mas chegou tarde demais. Apenas nos lançou um olhar triste e balançou a cabeça. Em seguida, disse:
— Precisamos ir embora, antes que mais alguma desgraça aconteça.
Logo, os convidados que estavam no andar de cima chegaram a sala. Bernhard Schlink, ao ver a cena, caiu de joelhos e vomitou. Jane, que ainda não tinha se recuperado do baque anterior, começou a hiperventilar.
Nos olhamos sem saber como agir e sem ousar anunciar que estávamos incomunicáveis, pois os telefones não funcionavam.
Nos olhamos sem saber como agir e sem ousar anunciar que estávamos incomunicáveis, pois os telefones não funcionavam.
— Acho que precisamos nos acalmar. — sugeriu Orwell. — Vou ver se encontro uma garrafa de rum na dispensa.
Quando voltou, serviu a cada um dos presentes uma dose generosa, menos a King. Bebemos em silêncio, sentindo a presença da morte ao nosso redor.
Orwell foi o primeiro a terminar sua dose e quando preparava-se para se servir de novo, o copo se espatifou no chão, e ele colocou a mão no pescoço, como se não conseguisse respirar. Ele caiu no chão e, rapidamente, nos reunimos ao seu redor, mas era tarde demais.
Ainda estávamos ao redor do corpo já azulado quando Harper Lee disse:
— Os senhores perceberam isto?
Ela olhava fixamente para um pequeno quadro, pendurado na parede da sala de jantar. Corremos até lá e Bernard prontamente se pôs a ler em voz alta os dizeres gravados:
Dez negrinhos chegaram animados para a festa,
Um não pode aproveitar porque bateu a testa.
Nove negrinhos tentam se recuperar do espanto,
Um se separa dos demais e na sua cabeça um lustre cai fazendo dano.
Oito negrinhos tentam se acalmar com bebidas,
Um não olha o que aceita e inchada fica a sua língua.
Sete negrinhos começam a ficar verdadeiramente assustados,
Um tenta ir embora mas não contava com uma aranha em seu casaco.
Seis negrinhos temem sentar a mesa para jantar,
Um não acredita quando lhe dizem que o melhor é a comida evitar.
Cinco negrinhos não sabem o que fazer contra a ameaça desconhecida,
Um não precisa mais se preocupar depois que encontra uma fera temida.
Quatro negrinhos querem encontrar um jeito de ir embora,
Um toma a iniciativa, mas o bote explode quando ele chega lá fora.
Três negrinhos começam a olhar uns para os outros com desconfiança,
Um deles se esconde na garagem, mas tropeça e cai em uma lança.
Dois negrinhos tentam se refugiar pelos cantos,
Então a luz se apaga e ali está só um em prantos.
Um negrinho está a sós no escuro sem sossego algum,
Ele então se atirou e não sobrou nenhum.
A tensão no ambiente ficou ainda mais palpável. Entre exclamações do quão perturbador tudo aquilo estava se tornando, Jane percebeu algo ainda pior:
— Esta não é a cantiga do livro.
— O quê?!? — indagamos todos em uníssono.
— Esta não é a cantiga do livro. — repetiu ela com a voz trêmula.
— Tem certeza? — perguntou Stephen King. — Li há tanto tempo que já não me lembro.
— Não é. Tenho certeza que não é. — insistiu ela.
— E vejam as três primeiras mortes. — observou Liane.
— A mocinha tem razão. — disse Harper Lee.
Ficamos em silêncio, sentindo o medo começar a tomar conta.
— Essa cantiga foi escrita para essa noite. — sentenciou King. — Para nós.
— E eu não quis dizer nada antes — acrescentou Liane — mas vejam quantos negrinhos estão em cima da mesa.
Eram apenas sete, mas ninguém teve coragem de verbalizar.
Ainda estávamos atordoados, tentando entender o que estava acontecendo, quando Jane indagou:
— E eu não quis dizer nada antes — acrescentou Liane — mas vejam quantos negrinhos estão em cima da mesa.
Eram apenas sete, mas ninguém teve coragem de verbalizar.
— Onde está Bernard?
Cada um correu em uma direção, mas quem encontrou o corpo foi Liane, do lado de fora da casa.
Cada um correu em uma direção, mas quem encontrou o corpo foi Liane, do lado de fora da casa.
— Do que ele morreu? — questionou King.
— Não sei. Não há sangue, nem hematomas.
— O que é isso no braço dele? — perguntou Jane.
— Parece uma picada de inseto.
— Aranha. — disse Jane. — A cantiga diz aranha.
— Aranha. — disse Jane. — A cantiga diz aranha.
Após alguns segundos, foi King quem disse o óbvio:
— Não podemos nos separar.
Todos anuíram com a cabeça, mas Harper Lee já não estava entre nós. Rapidamente voltamos para dentro da casa, e encontramos o corpo dela na cozinha. Na sua mão havia um doce.
Novamente ouvimos gritos, dessa vez acompanhados por latidos. Corremos para os fundos da casa apenas para testemunhar Jane sendo atacada por cachorros monstruosos no canil.
Novamente ouvimos gritos, dessa vez acompanhados por latidos. Corremos para os fundos da casa apenas para testemunhar Jane sendo atacada por cachorros monstruosos no canil.
Voltamos para a sala de jantar, e percebemos que a noite já tinha chegado. Aguardamos juntos, na esperança que nada de mal nos acontecesse se não nos separássemos. Cerca de uma hora depois, Liane pulou da cadeira, dizendo:
— Vi um bote na casa dos barcos — e então saiu correndo.
Fomos atrás dela, mas vimos a cena de longe. Assim que ela ligou o motor, aconteceu a explosão. Nos olhamos apavorados. Restavam apenas três de nós. Será quê? Será quê? Mas não ousamos dizer em voz alta.
Voltamos para dentro de casa. O corpo de Orwell estava no canto da sala de estar, coberto com um lençol branco, nos lembrando dos horrores do dia. Nem vinte minutos passaram e desta vez foi King quem se levantou.
— Precisamos de armas. Será que não tem alguma espingarda na garagem?
Levantamos, animados com a ideia de uma proteção que prometia ser eficaz, mas assim que entramos na garagem, King tropeçou em uma caixa e caiu em cima de uma lança.
Levantamos, animados com a ideia de uma proteção que prometia ser eficaz, mas assim que entramos na garagem, King tropeçou em uma caixa e caiu em cima de uma lança.
Então era isso. Só restávamos nós. Seria fácil deixar o pânico dominar naquele momento, tentar sair correndo a esmo e cair em uma armadilha. Ao invés disso, nos escondemos. Tudo que precisávamos era de um minuto.
— Nós já conhecemos essa história. Sabemos como ela termina.
E então os pontos começaram a se unir.
— Será que alguém não está nos pregando uma peça?
E logo entendemos tudo.
— Acho que sabemos quem. Quem mais teria capacidade para criar tudo isso? De enganar e manipular todos nós durante a noite toda?
— E será que ela não estava de conluio com os nossos outros convidados?
Só então percebemos que não nos certificamos de nenhuma morte. Foram King, Liane ou Orwell que verificaram se as vítimas ainda tinham pulsação.
Percebemos então que, como sempre, ela já havia nos dado todas as pistas para resolver o mistério. Corremos para a sala de jantar, onde estava a cantiga, e lá entendemos tudo. “Dois negrinhos tentam se refugiar pelos cantos”. Sabíamos exatamente onde ir.
E lá estava ela, Agatha Christie, em toda a sua glória, em silêncio esperando o momento de colocar seus próximos movimentos em prática.
— Vocês desvendaram tudo? — indagou ela.
— Claro que sim.
— Aprendemos com a mestre. Mas o que você está fazendo aqui? — perguntamos já a abraçando.
— Vocês não acharam que eu ficaria de fora das comemorações de 4 anos, acharam? Eu fiz parte de tudo que vocês fizeram aqui desde o começo. De quantos mais vocês podem dizer isso?
Sorrimos. Só podíamos dizer dela e ela sabia. Então Agatha nos conduziu para o porão onde o resto dos nossos convidados nos esperava com um sorriso no rosto.
— Vocês caíram direitinho. — riu King.
Em seguida Jane veio até nós tentando disfarçar a cara de culpa:
— Desculpa, crianças, mas não resisti a participar da brincadeira.
— Mais calmos agora? – perguntou Liane
— Calmos e querendo festejar. — respondemos aliviados.
15 comentários:
Caramba que fantástico!
Adorei a escrita e a história em si.
Tem outras partes? Acho que perdi o início hahah
www.booksever.com.br
Oi Alê, oi Mari!
Eu não sabia que vocês escreviam coisas além das resenhas, juro! Quer dizer, além de algumas outras colunas e tal, mas contos eu não sabia. Amei demais! Não tenho muita criatividade para essas coisas. Adorei a forma como vocês escrevem, ficou genial. Nem imaginei que fosse uma peça pregada pela Agatha!
Beijo!
http://www.roendolivros.com
Noosssa!! Que máximo!! So senti falta da Gillian Flynn ai *-*-
Gostei muito! Vo ver os outros!
www.cidadedosleitores.blogspot.com
Oi, Mari e Alê! Tudo bem? Nossa, que genial! Adorei a história, vocês arrasaram! Eu nunca li o livro citado (O Caso dos Dez Negrinhos ou E Não Sobrou Nenhum), mas percebo que ele também é genial. Espero lê-lo em breve! :) E ahhhh adorei os convidados (King! <3 Moriarty! <3)! :3 E o que foi a Agatha Christie aparecendo maravilhosamente no final? Hahaha! AMEI! <3
Abraço
http://tonylucasblog.blogspot.com.br/
Texto incrível, de novo! Adorei, de verdade. Acho que a comemoração não poderia ser mais perfeita do que essa, parabéns pela criatividade!
Beijos
Olá, Alê e Mari. Que texto fantástico foi esse?! Meus parabéns pela ótima escrita e facilidade de prender o leitor que vocês possuem. Quem diria que isso tudo seria uma grande peça da nossa querida Agatha Christie? Haha! Foram enganados como nos livros policiais. Parabéns, novamente!
Oi ...
Adoro essa coluna do blog !
Sempre com textos maravilhosos ...
Beijos e parabéns .
http://coisasdediane.blogspot.com.br/
Ahhh adorooo!!!
Aliás, boa ambientação, é meu livro preferido da Agatha Christie.
Esse é um dos poucos blogs que tem tanto a ver comigo. Parabéns!
Beijos
Meu Meio Devaneio
Alê e Mari!
Já ía dizer que faltou meu convite, porém quando as mortes começaram, me senti agradecida por não ter sido convidada...
E depois, ficou apenas a sensação que gostaria de ter participado de toda essa emoção e ter conhecido a Ilha do Negro e todos nossos escritores favoritos, principalmente a nossa Rainha do Crime...
Parabéns meninos pela comemoração dos 4 anos do blog.
“A vida só pode ser compreendida, olhando-se para trás; mas só pode ser vivida, olhando-se para frente.”(Soren Kierkegaard)
cheirinhos
Rudy
http://rudynalva-alegriadevivereamaroquebom.blogspot.com.br/
Participem do nosso Top Comentarista, serão 3 ganhadores!
Amei o post Alexandre! Vocês são demais! Conseguiram fazer a releitura de uma das histórias mais célebres de Agatha Christie, além de incorporar personagens simplesmente fenomenais na trama. Meus parabéns! Abraço!
www.newsnessa.com
Que texto incrível!!! Eu fiquei fascinada com tamanha interatividade!!! Fantástico! Parabéns!
Luci
Ponto de Exclamação
Olá, Alê e Mari.
Gente vocês são geniais. Tiro o meu chapéu aqui. Ficou mais do perfeito. Eu amo o caso dos dez negrinhos e esse poema só abrilhantou a festa de vocês hehe. Agatha diva como sempre.
Blog Prefácio
Que demais! Vocês sempre se superam nesses textos, Mari e Alê. E acabaram de me deixar com mais vontade de ler O Caso dos Dez Negrinhos. [rs] Parabéns!
Abraços!
http://constantesevariaveis.blogspot.com.br/
Oie
MANNNNNNNNNNNNNNNNN que legall
Fique tipo: Carambaa
Grudei a cara no pc e fiquei ansiosaaa
Adorei, sério, ficou muito bomm
Beijinhos Screepeer
Screepeer
Perfeito! Criativo e uma ótima homenagem ao meu livro favorito de Agatha.
Muito bem feito! :)
Beijos!
SUA ESTANTE
Gatita&Cia.
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