sexta-feira, 26 de agosto de 2016

RESENHA: O incolor Tsukuru Tazaki e seus anos de peregrinação

“Durante os cinco meses seguintes, Tsukuru viveu à beira da morte. Construiu um pequeno lugar para ficar na ponta do abismo escuro e sem fundo, e viveu completamente sozinho ali. Era um lugar perigoso, já na borda, e, se virasse o corpo uma vez enquanto dormia, corria risco de cair nas profundezas do vazio. Mas ele não sentia medo. Como é fácil cair, foi a única coisa que pensou.” (MURAKAMI, 2014, p. 40)

Há tempos tenho curiosidade de ler Haruki Murakami, mas nunca me senti atraída por algum livro em específico. Tanto que foi aleatoriamente que tirei “O incolor Tsukuru Tazaki e seus anos de peregrinação” da prateleira da livraria e li suas primeiras páginas. O problema foi que depois delas eu já não queria largá-lo.

Tsukuru Tazaki é hoje um homem de 36 anos, mas nunca se livrou de um trauma da juventude. Aos 20 anos, seus quatro melhores amigos o cortaram de suas vidas sem a menor explicação, dando início ao que se tornou uma existência solitária. Agora, por incentivo da mulher com quem está iniciando um relacionamento, Tsukuru irá procurar esses amigos para encontrar respostas.

Um dos aspectos que mais vejo serem ressaltados a respeito de Murakami é o caráter fantástico (e por vezes até bizarro) de suas histórias, mas isso não acontece em “Tsukuru Tazaki”. Talvez justamente por isso haja a menção deste livro ser recomendado tanto para os leitores novos quanto para os fiéis, pois mostra uma nova faceta do autor.

A história é simples em essência, mas se revela complexa nos detalhes. Para mim, havia inclusive uma curiosa sensação de instabilidade temporal porque, mesmo que a história se dê no presente, o presente do protagonista pouco importa, de forma que eu sentia estar o tempo todo no passado. Para Tsukuru, é como se os melhores anos da sua vida, a época em que ele pertencia a algo, estivessem no passado. Já agora, mesmo que não haja motivos sérios para infelicidade, ele não parece feliz. Para ele, e para o leitor, consequentemente, o mais importante é entender o passado, mas fazemos isso através das suas reflexões e comentários no presente (embora a narrativa seja em terceira pessoa, Murakami é hábil em nos fazer ver o mundo pelos olhos de seu protagonista). Assim, mesmo que a trama aconteça no presente, ela é sobre o passado, para que ele possa finalmente ficar no passado e deixar de afetar o presente. Outra coisa interessante é o vácuo que se cria nesses 16 anos. Conhecemos o Tsukuru de hoje e o que tinha 20 anos, mas sabemos muito pouco sobre sua vida nesse intervalo de tempo.

São muitas as coisas que movem o leitor. A primeira, e mais óbvia, é o mistério do porquê os amigos o excluíram. As respostas não são simples e quanto mais sabemos sobre elas, mais detalhes queremos. O autor também é hábil em substituir um mistério por outro, já que a partir do momento em que entendemos as ações do grupo, outro mistério surge.

Existe também o amadurecimento pelo qual o protagonista precisa passar e que se revela o cerne da trama. Embora a intenção dele seja encontrar respostas, “O incolor Tsukuru Tazaki e seus anos de peregrinação” se revela um livro não sobre isso e sim sobre abrir os olhos. Sobre cicatrizar feridas ainda abertas para poder começar a trilhar um novo caminho. Além disso é sobre entender quem somos e como as pessoas nos enxergam. Aliás, até certo ponto da narrativa, tudo o que temos é a visão do próprio Tsukuru sobre si mesmo. Depois passamos a ter a visão dos amigos, que é bastante diferente.

E existem ainda relacionamentos cujo papel na vida do protagonista queremos desvendar, como o início do namoro com Sara e a amizade com Haida, um amigo que faz parte da vida de Tsukuru durante um breve período nesses 16 anos. Sua importância na vida do protagonista é um tanto misteriosa e, justamente por isso, interessante.

Interessante também é simbolismo. No grupo de amigos, todos tinham nomes que remetiam a cores e, devido a isso, cada um ganhou um apelido: o vermelho, o azul, a branca e a preta. Tsukuru era o único incolor (e aqui vale destacar a simplicidade e a beleza da capa desta edição). Por um lado talvez ele seja o vazio, aquele que precisa ser preenchido. Por outro, talvez seja o único que esteja completo, não precisa de definição. Ele é ele. Apenas Tsukuru Tazaki.

O texto de Murakami é delicioso. Além de fluido, é belo e por vezes até poético, mas ao mesmo tempo também apresenta uma simplicidade cativante. É graças a ele que a carga dramática do livro parece leve, sem por isso perder sua intensidade ou os muitos momentos de reflexão que proporciona.  

Outra coisa que Murakami faz bem é criar personagens muito humanos. Ao acompanharmos Tsukuru, ficamos ao seu lado e esperamos que haja uma excelente justificativa para o que o grupo fez com ele, mas ainda assim não os vemos como vilões. O mesmo se aplica ao próprio protagonista que, apesar da aparente injustiça que sofreu, também está longe de ser um personagem cujas atitudes são todas aceitáveis (a começar por seu conformismo e apatia). Não é um livro de vilões ou de mocinhos. É um livro sobre erros. Sobre aceitá-los, corrigi-los e aprender a viver com eles.

“O incolor Tsukuru Tazaki e seus anos de peregrinação” deixa muitas perguntas sem respostas e tem um final em aberto que pode não agradar a todos. Para mim, deixou um gostinho de que essa é apenas uma etapa na vida deste personagem. O que acontece com ele depois? Não se sabe. O mais estranho é que nem mesmo fiquei curiosa para descobrir. A questão é que a história não é sobre o que vai acontecer, da mesma forma que não é sobre o que aconteceu há 16 anos. É sobre deixar o passado para trás e abrir as portas para o futuro. Então talvez essa seja uma história de transição. Talvez não seja nem mesmo uma história. Talvez seja só uma ponte entre duas histórias. Convenhamos que só um autor brilhante para fazer um ótimo livro disso. Murakami conseguiu realizar o feito.

Título: O incolor Tsukuru Tazaki e seus anos de peregrinação (exemplar cedido pela editora)
Autor: Haruki Murakami
N° de páginas: 328
Editora: Alfaguara

20 comentários:

Vanessa Meiser disse...

O que não falta é elogios ao autor né, eu sou da turma que nunca leu nada dele, na verdade só o conheci a pouco tempo nos canais que acompanho. Coisa boa quando a gente se prende em uma leitura como aconteceu com você...

Bj, Van - Retrô Books
http://balaiodelivros.blogspot.com.br/

Caverna Literária disse...

Agora os pontinhos coloridos na capa fazem sentido, mas ainda a achei um pouco fraca :( não instiga nem um pouco a curiosidade. Já a premissa, por outro lado, é completamente o contrário. Entendo o protagonista se prender ao passado e permanecer infeliz em sua realidade atual. Todo mundo tem aquela fase que marcou mais na vida, né? Alguns se apegam à essa fase mais do que outros, e superar, encontrar felicidade no presente é essencial pra conseguir seguir em frente e se desprender das lembranças. Fiquei super curiosa pra saber porque os amigos se afastaram dele, e mais ainda por não serem motivos simples. Quero saber o que que hoouve!


xx Carol
http://caverna-literaria.blogspot.com.br/

Adriana Holanda Tavares disse...

De início achei a capa sem graça e pensei que o livro também seria, mas daí começo a ler sua resenha e me faço um grande questionamento: será que todos não somos meio que esses Tsurukus da vida, com tantas e tantas pessoas que passam por nós e de repente não as temos mais aqui. E fiquei com a certeza de que a capa é exatamente o que deveria ser, assim como nós. Somos seres em busca de nos preenchermos de cores e nem percebemos o espectro de multitonalidades que temos e que misturamos no ir e vir da vida. Já quero ler, achei de uma beleza linda!

Ingrid Moitinho disse...

Não gostei muito da capa, mas depois da resenha fiquei um pouco curiosa com a historia, não sei se leria, ainda mais pelo final em aberto, mas quem sabe um dia né.

Luiza Helena Vieira disse...

Oi, Mari!
Acho que nunca ouvi falar do autor e pela capa não leria. Porém sua resenha foi tão boa que me convenceu a dar uma chance a esse livro que se classifica como fora da minha zona de conforto das leituras.
Tem promoção rolando lá no blog.
Beijos
Balaio de Babados
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Gabriela CZ disse...

Tenho visto muitos elogios ao Murakami ultimamente, inclusive nas resenhas que o Alê fez, mas ainda li nada dele, Mari. Mas não tinha visto nada sobre esse livro, achei a premissa bem interessante e seus comentários aumentaram minha curiosidade. Quero ler. Ótima resenha.

Beijos!

Alessandra Salvia disse...

Oi Mari,
Essa capa parece de livros de física que usava no ensino médio, rs. Sinceramente? Não pegaria para ler se encontrasse em uma livraria, porém sua resenha soube me deixar curiosa.
Premissa bem interessante.
Beijos
https://estante-da-ale.blogspot.com.br/

Cristiane Dornelas disse...

Acho que seria interessante ler e iria gostar, ainda por por ter sempre essa "substituição" de mistérios. Fica interessante e prende o leitor porque a gente fica ali tentando descobrir as coisas pelo livro todo. A trama já me pareceu boa de sinopse e pelo jeito agrada. Boa dica.

Márcia Saltão disse...

Olá.
Gostei muito da sua resenha. Você transmitiu muito bem em palavras, tudo que sentiu com essa leitura. Que bom que gostou! Parece uma obra muito reflexiva. Talvez um dia venha a ler. Obrigada pela dica. Beijos.

Na Nossa Estante disse...

Oi Mari!

Eu tb tenho vontade de ler Haruki Murakami, mas não sei por onde começar! Deve ser uma narrativa incrível mesmo, já suspeitava que teria uma boa construção de personagens. Bom saber que o final é aberto, assim me preparo melhor rsrsrs

Bjs, Mi

O que tem na nossa estante

Unknown disse...

Eu gostei da resenha, porém não sei se eu leria o livro, já que não faz muito o meu estilo literário favorito.

Sil disse...

Olá, Mari.
Não conhecia nem o livro nem o autor ainda. Achei a capa feia, mas depois que você explicou ela, ficou mais bonita hehe. Fiquei aqui interessada em saber o porque dos amigos term excluído ele e se depois ainda surge um outro mistério, é claro que vou querer ler. Anotei aqui.

Blog Prefácio

Vanessa Vieira disse...

Gostei da resenha Mari. Só ouço ótimos comentários a respeito deste autor e inclusive tive a oportunidade de assistir o filme de uma de suas obras. Este livro tem um mote bem interessante. Beijo!

www.newsnessa.com

Maria Fernanda Pinheiro disse...

Não sabia do livro nem do autor, mas a resenha já me fez colocar como desejado, ao saber que logo no inicio o livro já deixa o leitor curioso para as próximas páginas. Pelo enredo percebo que o foco é no passado, procurando a explicação dos amigos. O fato é que mesmo sem ter lido o livro acho que o final aberto me agradaria, pois alem da curiosidade sabemos que o protagonista encarou o passado

Tony Lucas disse...

Oi, Mari! Tudo bem? Eu já tinha lido uma resenha bem positiva para esse livro no "Leitor Antissocial" e ficado bem interessado em lê-lo. Com a sua, eu só confirmei a ideia de que preciso lê-lo o mais rápido possível. Ah, isso do final me lembrou bastante "Perdão, Leonard Peacock" (único livro com final em aberto que gosto)... Adorei a resenha! :)

Abraço

https://tonylucasblog.blogspot.com.br/

DESBRAVADORES DE LIVROS disse...

Olá, Mari.
Tenho curiosidade sobre a escrita do autor. Então, acho que esse é uma boa opção para começar.
Essa sucessão de mistérios me agrada, pois deixa a obra mais atraente. O passado estar presente também é um bom elemento, chamativo, que prende. Eu gosto, ao menos.
Só por esses dois, já leria a obra.
Excelente dica.

Desbravador de Mundos - Participe do top comentarista de agosto. Serão dois vencedores e um deles levará um vale compras!

Anônimo disse...

Oi, Mari!

Eu também sempre ouvi falar bem do autor, mas não tinha muita curiosidade em ler seus romances. Gostei bastante da resenha e confesso que despertou um interesse em ler algum livro dele. O que mais chamou minha atenção foi o fato de um mistério ser substituído por outro, além de todo o simbolismo presente na obra... Enfim, parece ser uma ótima leitura.

Beijocas.
http://artesaliteraria.blogspot.com.br

Andrea Barbosa disse...

Oi tudo bem..
Nunca tinha lido nada sobre o autor e realmente parece que esse livro é um bom começo para conhece-lo,adorei a proposta do livro de nao ter nem mocinhos e nem viloes,todos temos um pouco de cada um em nós,e o fato de fazer com o personagem nao viva no passado mas no que o futuro lhe reserva.. muito boa a resenha e adorei a capa que faz jus ao conteudo do livro..
Um abraço e muito sucesso :)

Ana I. J. Mercury disse...

Que lindo!!
Nunca tinha ouvido falar do autor nem de suas obras, mas adorei a resenha, deu pra perceber que é um livro bem escrito, cativante e reflexivo.
Com um toque dramático profundo, se ser chato ou denso de ler.
Fiquei curiosa, e já está anotado aqui!
bjss

Anônimo disse...

[spoiler alert]
Esse é o segundo livro do Murakami que eu leio, depois de 1Q84 (ainda não li o 2 e o 3). Mesmo assim, acho que já compreendi a "sacada" dele, e o admiro muito, bem como ocorreu nessa resenha.
Eu gostei muito do livro, mas sinceramente não me contentei com o final. Eu sei que é meio absurdo, mas eu realmente esperava que alguma revelação bombástica acontecesse em relação ao assassinato da Branca, como (sim, eu estava concretizando MUITO essa ideia) a hipótese de que foi Haida quem a matou. Não achei muito conveniente ele não ter sido citado mais nenhuma vez durante o presente de todo o livro, como se Haida realmente tivesse pertencido somente aquela parte da história e não tivesse deixado nada demais na memória ou emoção de Tsukuru (sendo que, naquele momento em que eles estavam juntos, ele muito o marcou emocionalmente!). Por causa dos sonhos eu atribuí a ele um significado grande e misterioso, esperando que a revelação aparecesse em algum momento, e, como não aconteceu, isso deixou a desejar para mim.
Bem, talvez eu "superestimei" a história nesse quesito; talvez Murakami quisesse que nós pensemos, mesmo, sobre isso, ou simplesmente nos conformemos com os ocorridos na vida do protagonista, assim como ele se conformou com a perda do grupo por 16 anos.

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