terça-feira, 6 de dezembro de 2016

RESENHA: Em um bosque muito escuro

“As pessoas não mudam – disse Nina com amargura. – Elas só ficam mais habilidosas para esconder o que realmente são.” (WARE, 2016, p. 137)

Há muito tempo não levo a sério quando um livro de suspense é comparado aos de Gillian Flynn ou de qualquer outro autor que eu goste. Inclusive, escrevi uma “Conversa de Contracapa” que falava justamente sobre como essa prática pode intensificar a decepção do leitor com um livro que, se não fosse a expectativa elevada suscitada pela comparação, poderia ser um bom entretenimento. Dito isso, minha decepção com “Um bosque muito escuro” nada tem a ver com uma possível expectativa de encontrar uma nova autora favorita.

Nora é uma escritora de livros de suspense que leva uma vida solitária e há muito se afastou das pessoas com quem conviveu antes da idade adulta. Por isso é com surpresa que ela recebe o convite para a despedida de solteira da sua melhor amiga de infância e adolescência, uma pessoa que ela deixou para trás assim como tudo que a lembra daquela época. Incerta, Nora aceita o convite, mas acorda dois dias depois no hospital com a certeza de que algo terrível aconteceu e que alguém morreu. Mas ela não lembra de nada.

Narrado em primeira pessoa por Nora, “Um bosque muito escuro” inicia com uma cena fora de contexto que mostra a protagonista desesperada em uma situação extrema. Na cena seguinte, ela desperta no hospital sem lembranças do que aconteceu. É só então que a narrativa retrocede e nos leva para quando tudo começou: o momento em que Nora recebeu o convite. A partir de então, acompanhamos o desenrolar dos acontecimentos que levam ao final de semana e, de vez em quando, somos trazidos de volta ao presente para testemunharmos a angústia da protagonista no hospital.

Os coadjuvantes são poucos. Além de Clare (a noiva) e de Florence (a madrinha) temos apenas dois ou três convidados. É nessas relações que reside o potencial do livro, a começar pela intrigante Florence. Sua obsessão em dar o final de semana perfeito para Clare, a maneira como idealiza a amiga, chegando a usar o mesmo corte de cabelo e o mesmo estilo de roupas, a tornam a personagem mais interessante do grupo pois fazem emanar dela uma áurea de perigo. Clare também intriga, afinal, depois de tantos anos e com uma lista de convidados tão seleta, por que querer a presença de Nora? Quanto à protagonista, ela frequentemente menciona algo terrível do seu passado, que fez com que ela se afastasse daquela vida (tanto que quando Clare a chama de Lee, seu apelido da época, diminutivo de Leonora, ela insiste que agora ela é Nora). O que seria esse fantasma? São três pontos de suspense que poderiam render um livro imprevisível, no qual qualquer personagem poderia se revelar vilão. O problema é que isso não contamina a narrativa, pois Ware não consegue mexer com as emoções do leitor.

Há também o mistério do assassinato e aqui Ware deixa de lado aquele tão importante “show, don’t tell”, acreditando que simplesmente por sua protagonista dizer repetidas vezes que precisa saber quem morreu, o leitor se sentirá angustiado. A narrativa força no leitor um desespero ao relatar uma Nora desesperada, mas se os acontecimentos do final de semana não transmitem esse clima intenso de suspense, como o leitor poderia se sentir assim?

Outro problema é que não há uma escalada de eventos. Muitas vezes sentimos que um autor está apenas preparando o território para, aos poucos, desenvolver a história e então chegar ao ápice. Em “Um bosque muito escuro” vamos desta sensação de “é promissor, mas ainda não aconteceu muita coisa” para, de uma hora para outra, já descobrirmos quem morreu e como se deu a morte. Depois disso, a autora segura as respostas finais, como para prender o suspense, mas tudo o que consegue é fazer o leitor se sentir enrolado.

E é a partir deste momento que qualquer esperança se perde. Até então a minha sensação era de que Ware tinha bons elementos, mas não iria extrair deles tudo o que poderiam oferecer. Depois disso me pareceu que a autora pretendia escrever um suspense, mas se perdeu no caminho e acabou indo beber da fonte das novelas mexicanas. Quando as respostas aparecem, nenhum dos motivos convence e quase tudo é simplesmente muito forçado. Há três obsessões em jogo (mas nenhuma delas se justifica), pensamentos totalmente contraditórios, além de atitudes e outros detalhes nada plausíveis que só estão ali para cumprir uma função na trama (o que nunca foi uma boa justificativa).

Thriller psicológico é um gênero totalmente emocional, que funciona quando enlouquece o leitor na expectativa de respostas e pelo choque das surpresas. “Um bosque muito escuro” é um livro racional, escrito por uma autora que se preocupou em usar os bons ingredientes do gênero, mas não conseguiu deixar que eles trilhassem seu próprio caminho. Sem ganhar vida, eles não despertaram emoção. Sem emoção, foram desperdiçados. Um livro cheio de boas intenções, todas em vão.

Título: Em um bosque muito escuro (exemplar cedido pela editora)
Autora: Ruth Ware
N° de páginas: 286
Editora: Rocco

15 comentários:

Luiza Helena Vieira disse...

Oi, Mari!
Eu estava super empolgada para ler esse livro, mas com os pontos que você comentou na sua resenha, acho que vou passar essa leitura pra não passar raiva.
Beijos
Balaio de Babados
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Gabriela CZ disse...

É realmente frustrante quando um livro que parecia ser promissor se mostra uma decepção, Mari. Como você começou dizendo ter se decepcionado fiquei lendo o resumo tentando imaginar o que tinha de errado. Mas quando um autor não sabe explorar as emoções que a trama deveria provocar no leitor é o pior dos erros. Uma pena. Ótima resenha.

Beijos!
Portal Andar de Cima

Priscila Tavares disse...

Oi Mari, poxa, eu estava tão empolgada com esse livro. A primeira resenha que eu li sobre ele falava muito bem da obra, mas não tinha levantado pontos como você fez. Me dá nos nervos quando começo um livro e estou empolgada e de repente, toda aquela magia que causa esse sentimento no leitor, desaparece. Muito frustante.
Beijos
Quanto Mais Livros Melhor

Loysla Lara disse...

Olá Mari.
Nossa, ainda bem que você destacou esses pontos, já sei que não quero ler esse livro.
Beijos,
http://teattimee.blogspot.com/

Eduarda Rozemberg disse...

Eu vou ser sincera: acho muito interessante essa coisa de misturar a ordem dos fatos, mas tem que ser bem usado. Uma pena que foi só uma preparação de terreno para nada demais. Bem frustrante, hein?
Um abraço!

http://paragrafosetravessoes.blogspot.com.br/
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Unknown disse...

Adorei a resenha.
Mesmo sabendo dos pontos fracos do livro ainda fiquei curiosa para ler, o enredo me chamou bastante atenção e quero ler para ver se eu gosto.

Tô Pensando em Ler disse...

Não conhecia e já considero pacas, rsrs.

Tá indo agoooora pra lista de desejados com estrela do lado.

ADOREI! AMEI! QUERO! DESEJO! THRILLER É VIDA ♥

Bjkssss

RUDYNALVA disse...

Pois é Mari!
fiquei foi triste agora, porque esse livro estava entre os meus desejados e achei que seria um grande thriller psicológico e pelo jeito o escritor não soube aproveitar de uma trama tão boa e escrever um livro digno de boa leitura...
Que pena!
“Desejo a você e a sua família um Natal de Luz! Abençoado e repleto de alegrias. Boas Festas!”
(Priscilla Rodighiero)
cheirinhos
Rudy
http://rudynalva-alegriadevivereamaroquebom.blogspot.com.br/
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Esther de Sá disse...

Olá Mari, tudo bem?
Queria muito ler esse livro mas depois dessa sua resenha, irei pensar duas vezes antes.
Beijos!

http://excentricagarota.blogspot.com.br

Sil disse...

Olá, Mari.
Eu não tinha visto esse livro ainda. O enredo é muito interessante, pena que a autora não soube desenvolver a contento. Eu também já nem ligo para essas comparações ou para frases de algum outro autor famoso na capa elogiando. Se for ligar para isso estamos perdidos hehe.

Blog Prefácio

Carolina Garcia disse...

Olá, Mari!!
Tudo bem?

A sinopse já não tinha me chamado muito a atenção do livro, agora é uma pena quando fica faltando aquele algo a mais que deixa o leitor enlouquecido para descobrir as respostas.

Mas concordo com você de nunca confiar nas comparações. Elas normalmente deixam as expectativas altas demais. Eu já sofri disso várias vezes. =/

Bjs!!!

http://livrosontemhojeesempre.blogspot.com.br

Luciana Campos disse...

Oi, Mari!
Eu também não levo mais a sério essas comparações com livros e autores/autoras consagrados, muitas vezes é só publicidade mal feita e presunçosa. Apesar da sua opinião sobre o livro, eu ainda acho que possa ser uma boa leitura, mesmo que não consiga prender tanto assim e que o principal, que é descobrir quem morreu e como isso aconteceu, não tenha sido bem explorado, ainda assim o percurso valeu a pena.
Ainda pretendo ler, mais pelo amor pelo gênero do que por outra coisa.

Unknown disse...

Oi mari! Li e amei esse livro, porém é apenas meu segundo livro desse gênero(Dias Perfeitos) e ns direito desse assunto kkk. Realmente n me "emocionou", mas de algum jeito me prendeu na leitura.
Bjs

DESBRAVADORES DE LIVROS disse...

Olá, Mari.
Uma pena que o livro, apesar de uma boa premissa e boas intenções, não conseguiu alcançar o seu potencial.
Realmente o suspense precisa ser emocional, para envolver o leitor e o cegar, enquanto busca por respostas. Quando isso não acontece, a leitura torna-se chata.
Estava curioso pela obra, mas as expectativas diminuíram.
Acredito que não daria uma chance.

Desbravador de Mundos - Participe do top comentarista de dezembro. Serão dois vencedores, dividindo 3 livros.

Ana I. J. Mercury disse...

Eita, parece ser um livro enlouquecedor mesmo, cheio de reviravoltas, muito mistério, meio alucinante até!
Fiquei curioosa e com muita vontade de lê-lo, mas confesso que eu nem sei se conseguiria entender bem, levando-se em conta que não leio muito do gênero.
bjss

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