quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

RESENHA: Tony & Susan

“Os que acontece com Laura e com Helen depende do tipo de história que está sendo contada. Assim, enquanto Tony luta para manter a esperança, a leitura de Susan imagina Edward, que prepara algo insuportável. Todavia, mesmo enquanto tem medo, Susan o incentiva, dizendo: bom trabalho, Edward, você está indo bem. Susan está tensa não só por causa de Tony, mas por causa de Edward, imaginando como ele poderá evitar o anticlímax sem uma catástrofe.” (WRIGHT, 2016, p. 64)

Há alguns anos, “Tony e Susan” havia me chamado a atenção dentro do catálogo da Intrínseca, mas não a ponto de me convencer a fazer a leitura. Foi apenas com o lançamento da sua adaptação cinematográfica - “Animais Noturnos” - e do relançamento do livro que decidi conferir o romance de Austin Wright.

Susan não tem notícias de Edward, seu primeiro marido, há 25 anos. Por isso, é com surpresa que ela recebe um pacote contendo o manuscrito do primeiro romance finalizado por ele pedindo que ela o leia, afinal, ela sempre fora sua melhor crítica. Aproveitando que Andrew, seu atual marido, estará fora da cidade por três dias, Susan mergulha na leitura da história de Tony, um homem que ao viajar com a esposa e a filha vive o maior pesadelo de sua vida.

É estranho falar de um livro como “Tony & Susan” que, a princípio, parece ser de uma simplicidade óbvia, mas que esconde tanto nas suas entrelinhas. Nele temos uma história dentro de outra história, ou seja, a história de Susan e também a da trama do manuscrito de “Animais Noturnos”. O período temporal coincide com o período de leitura de Susan, desde que recebe o manuscrito até que termina de lê-lo. O que acompanhamos são ambas as histórias: os dias de Susan durante a leitura e também a trama de “Animais Noturnos”, ou seja, a jornada de Tony. Esse artifício faz com que tenhamos uma estranha sensação de que uma parte é fictícia e a outra é verdadeira. De que Tony é apenas um personagem de uma história inventada, enquanto Susan vive a vida real.

As duas narrativas funcionam muito bem. A trama do manuscrito (que começa leve e aos poucos se torna angustiante e sombria) cativa imediatamente e de tal forma que por vezes esquecemos que não é a história principal do romance de Wright. Isso inclusive é engraçado, porque a história de Tony se estende por mais páginas do que a de Susan. Ainda assim ele não é o nosso protagonista. Susan sim. Ao fim de cada capítulo de “Animais Noturnos”, descobrimos o que ela pensa a respeito do que leu e, por ser o mesmo que nós lemos, é como se Susan fosse uma amiga com quem trocamos ideias por estarmos lendo o mesmo livro. Por isso, “Tony & Susan” é também um livro sobre a experiência de leitura, sobre como o ato de mergulhar em um bom livro nos permite (e nos força) a deixar a nossa própria realidade de lado para vivenciarmos outra, mas também como as nossas vivências reais influenciam a maneira como encaramos o que lemos nas páginas.

Embora estejamos lendo o mesmo manuscrito, a experiência de Susan é diferente da nossa, pois ela busca na trama vestígios do homem que ela conheceu. Seus olhos não são inocentes como os nossos já que para ela cada detalhe da história de Tony está contaminado pelo que ela sabe sobre o homem que inventou Tony e pelo tanto que desconhece sobre ele dos últimos 25 anos. Isso a leva a refletir sobre sua própria vida. Sobre as escolhas que fez, sobre o início do seu relacionamento com Edward e, posteriormente, com Andrew, além de se questionar sobre aspectos incômodos da sua vida de casada e também sobre a fragilidade de certas coisas que, de uma hora para outra, podem mudar drasticamente. E é nesses momentos, nas reflexões de Susan, que a verdadeira história de “Tony & Susan” se revela. De um lado temos um manuscrito, com início, meio e fim. Do outro, temos uma mulher lendo esse manuscrito, fazendo muito pouco no seu dia a dia além de ler. No meio, quase escondido, temos todo o resto.

Escondidos também ficam alguns personagens. Em nenhum momento convivemos com Edward ou com Andrew, mas eles são partes tão vivas da trama como Susan. Eles estão ali, na maneira como ela lê “Animais Noturnos” e como processa os acontecimentos da trama, e é através dessas observações que nos é permitido conhecê-los também. Assim, é impressionante como Wright consegue dar vida a esses personagens com tão poucas informações. Essa vivacidade também se estende aos personagens do manuscrito.

Porém, para mim, pairava uma tensão durante toda a narrativa que, conforme os capítulos finais se aproximavam, comecei a perceber que não me seria entregue. Eu me perguntava se algum grande segredo seria revelado ou se Edward tinha algum motivo obscuro para fazer Susan ler “Animais Noturnos”. Assim, eu confesso que esperava mais intensidade, no sentido de tensão e suspense, e precisei de um tempo para entender que não era isso que o livro queria me entregar e reajustar as minhas expectativas. Na verdade, alguns leitores podem se decepcionar com o final aberto proposto por Wright, mas refletindo um pouco, acredito que ele seja perfeito para reforçar que a história de Susan é real e em histórias reais não temos desfechos definitivos. Temos apenas interrupções. Em “Tony & Susan” acompanhamos essa mulher durante uma leitura e o que essa experiência a leva a refletir sobre a própria vida. É isso que temos no final: uma Susan pensativa que precisará voltar para a sua rotina, deixando os dramas de Tony para trás. Não é o que acontece com todos nós leitores? Falando assim, parece que “Tony & Susan” é um livro pobre, mas está longe disso. Há profundidade e há drama. O que não há são ápices e reviravoltas. Quanto à história do manuscrito, essa sim tem um desfecho claro (e muitos momentos de tensão), de novo reforçando a sensação de que aquela é uma história fictícia para a qual seu autor precisava definir qual seria o ponto final.

“Tony & Susan” é uma leitura envolvente que deixa o leitor com uma sensação incômoda ao final, pois o faz sentir o mesmo descontentamento que Susan sente com a própria vida. Algo que só obras que nos remetem a algo verdadeiro são capazes de fazer.

Título: Tony & Susan (exemplar cedido pela editora)
Autor: Austin Wright
N° de páginas: 336
Editora: Intrínseca

22 comentários:

Caverna Literária disse...

Mari, que resenha espetacular!! Eu não fazia a menor ideia que a proposta de Tony & Susan envolvia uma personagem "real" lendo sobre personagens fictícios. O choque em pensar que é exatamente o mesmo que fazemos é grande, né? Vivemos a história dos outros, pra depois das últimas páginas, voltarmos para a nossa realidade. Achei sensacional a premissa. Tomara que o filme tenha ficado fiel!

xx Carol
http://caverna-literaria.blogspot.com.br/

Rena Késsia disse...

Oi!
Nunca tinha ouvido falar desse livro, mas gostei muito da proposta. Só não sei se vou chegar a lê-lo, pois esse final que você comentou me decepcionou. A história é bem bolada e tudo mais, mas eu não sei se leria porque sou fã de livro pipoquinha sabe? Gosto de puro entretenimento e só pela sinopse dá pra sentir que este livro não é deste tipo.

Beijos!

RUDYNALVA disse...

Mari!
O livro me parece extraordinariamente bem escrito, nos proporcionando duas histórias em uma só. Uma onde podemos refletir e acompanhar a leitura de Susan e outra mais definida coma história de "Animais noturnos".
Acredito que seja mesmo um livro para reflexão, já que o final de Susan é aberto.
“O saber se aprende com os mestres. A sabedoria, só com o corriqueiro da vida.” (Cora Coralina)
cheirinhos
Rudy
http://rudynalva-alegriadevivereamaroquebom.blogspot.com.br/
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Marta Izabel disse...

Oi, Mari!
Nunca ouvi falar desse livro. Achei a história do livro bem diferente de tudo que já li. Com certeza é uma obra bem interessante! A resenha ficou espetacular deu para nós entendermos perfeitamente a proposta do livro Tony e Susan.
Beijos

Nessa disse...

Oi Mari
Uma vez li uma resenha muito negativa e perdi o interesse pelo livro, mas sua resenha fez eu me interessar novamente e fiquei curiosa, fiquei com vontade de ler e conhecer mais da trama. Não curto muito finais em aberto, mas quero ler.

Beijinhos
http://diariodeincentivoaleitura.blogspot.com.br/

Luiza Helena Vieira disse...

Oi, Mari!
Sua resenha foi a primeira resenha positiva que li sobre o livro. Não sei se irei ler, mas com certeza vou conferir a adaptação.
Beijos
Balaio de Babados

Unknown disse...

Gostei do fato de que lemos o mesmo que Susan, mas no total o livro não me interessou. Apesar do suspense em torno do manuscrito, me pareceu meio parado. Talvez após assistir o filme me anime um pouco

Ju disse...

Oi Mari, gostei muito da sua reflexão sobre a forma como o livro foi construído, quanto ao manuscrito dentro de outro romance. No entanto, diferente de você, achei a narrativa morna desde o início, e a tensão que se tentou criar não conseguia me fisgar para a história. Quase desisti diversas vezes da leitura e depois de muitos dias consegui finalizá-la, mas foi desgastante e o final, que eu realmente esperava que salvasse a trama com alguma grande revelação, soterrou o resto de ânimo que eu tinha com a história. Frustrante, no meu caso, é muito pouco para descrever como foi essa leitura. Tive a impressão de que perdi algum detalhe e não entendi a história.
Por outro lado, acho que a versão cinematográfica pode me tirar essa sensação, gostei do trailer e tenho curiosidade de assistir. Quem sabe?

Adriana Holanda Tavares disse...

Adorei sua resenha, pra falar a verdade foi bem mais empolgante ler a resenha do que imaginar que eu poderia ler esse livro, visto que você falou que o final não traz a intensidade que você imaginou (eu mesma fiquei aqui pensando em milhares de reviravoltas) e olhe que sou uma pessoa que adora livros com finais abertos, mas esse parece que ficou meio sem sentido!

Gabriela CZ disse...

Admito só ter tomado conhecimento do livro há pouco tempo e até agora não fazia ideia do que se tratava, Mari. Achei a premissa bem interessante, e pelos seus comentários também é bastante perspicaz. Além de tudo, parece uma boa homenagem à relação leitor-livro. Quero ler. Ótima resenha.

Beijos!
Portal Andar de Cima

Carolina Garcia disse...

Oi, Mari!!!

Achei interessante a premissa do livro, mas não criei muita vontade de ler.
Sua resenha está ótima.
Vou manter o título em mente para quem sabe no futuro, né?

Bjs!!

http://livrosontemhojeesempre.blogspot.com.br

Rossana Batista disse...

Estou abismada aqui porque eu já tinha ouvido falar nesse livro mas eu não sabia que "Animais Noturnos" era adaptação de um livro.
Eu fiquei agora bem curiosa pra ler porque já estava ansiosa pelo filmes. Adoro histórias que sempre tem algo a dizer nas entrelinhas. Quero conhecer a história desses dois.

Na Nossa Estante disse...

Oi Mari, tudo bem?

Eu estou com livro aqui em casa, mas ainda não li, só vi o filme e tive uma sensação bem semelhante sobre Susan e os questionamentos dela. Queria saber se o livro me dava algumas respostas, mas já estou achando que não rsrsrs Mesmo assim quero ler!

Bjs, Mi

O que tem na nossa estante

Roberta Moraes disse...

Ainda não tive a oportunidade de ler o livro ou ao menos ver o filme.
Eu pensava que o livro era cheio de reviravoltas, é uma pena que não é que o final foi como você esperou.
Eu gosto de ler dramas porque são sempre tocantes mas este não me deu muita vontade de ler não.

Denise Simino disse...

Oi Mariana,

Sempre via esse livro de promoção e ficava com vontade de ler. Isso nunca aconteceu e agora que vai sair o filme fiquei interessada. Na verdade, eu pretendo ver o filme primeiro e depois ler o livro. Parece ser bastante intenso e dúbio, não sei se vou gostar.

Bjs, @dnisin
www.sejacult.com.br

Esther de Sá disse...

Olá Mari, tudo bem?
Já ouvi falar do filme, mas não tinha ideia que tinha um livro. É a primeira resenha que leio e achei a história muito interessante. Pretendo lê-lo em breve.
Beijos!

Http://excentricagarota.blogspot.com.br

Gêmea Má disse...

Oi!

Eu não sabia q era esse o livro em que Animais Noturnos tinha sido baseado!! Eu estou com vontade de ver o filme, mas agora acho que eu vou ler primeiro o livro para ver depois.
Mas eu confesso que finais em aberto me deixam muito frustrada hahahahahaha

bjbj

Ana I. J. Mercury disse...

Eitaaaa!
Que história diferente e complexa essa da Susan!
Eu não conhecia o livro, mas depois dessa resenha eu simplesmente adorei, principalmente por trazer tantos questionamentos e reflexões e ter uma história dentro da outra, adoro quando isso acontece!
bjoss!

Unknown disse...

achei a resenha boa, mas não me convenceu a ler mesmo assim :/
achei interessante a narrativa dentro de outra narrativa, lembra um pouco aquele livro "S." né?

Anônimo disse...

linkei seu post no meu blog porque achei ótimo! =)

Unknown disse...

Estou lendo o livro, mas confesso que estava bem arrastado... Só não vou desistir agora, porque já cheguei na metade.

Bárbara Lima disse...

Em sua resenha você diz que o livro parece simples mas é muito profundo e isso está escrito nas entrelinhas, estava esperando que no resto da resenha você nos contasse o que era essa profundidade toda porque não consegui captar... Essa ideia toda de que a leitura provocava reflexões na Susan sobre a própria vida eu entendi mas é meio obvio e não tem nada de elaborado. Esperava um grande link entre Tony e Susan no final, mas não veio. O livro é bem sem graça, sinceramente.

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