Muito se fala sobre Haruki Murakami e seu universo fantástico e peculiar. Até então, eu só havia tido a chance de ler um único livro do autor que me surpreendeu (justamente por não abordar nada de fantasioso) e me agradou muito. Depois de anos, decidi embarcar em uma coletânea de contos, o que, a meu ver, é sempre uma espécie de portfolio de um autor.
Em “O Elefante Desaparece” temos 17 contos com as mais variadas temáticas, mas sempre com a narrativa simples, cativante e, por vezes até, engraçada de Murakami. Além disso, as frases de abertura de cada conto são sempre intrigantes e nos lançam facilmente para dentro da história.
Sempre narrados por seus protagonistas, que falam como se realmente contassem uma história diretamente para o leitor, os contos abordam temas que surgem do cotidiano para logo depois se encaminharem para o inusitado, mas que nos fazem refletir sobre coisas que nós mesmos vivemos. É o caso, por exemplo, de “O segundo assalto à padaria”, quando um casal recém-casado sofre de uma fome avassaladora no meio da noite, que leva a uma história do passado e um inusitado desfecho para o que deveria ser uma noite comum.
Um aspecto que me chamou a atenção é a melancolia sutil que Murakami emprega em todos os contos. Há sempre um quê de questionamento, de saudade, de dúvidas. Anos se passaram entre o presente e um momento que foi importante e que nunca deixou o protagonista. Os personagens se perguntam se fizeram a coisa certa ou o quanto suas vidas poderiam ter sido diferentes caso tivessem agido de outra maneira. “Janela” e “Sobre a garota cem por cento perfeita que encontrei em uma manhã ensolarada de abril” (aliás, que título fenomenal!) são ótimos exemplos disso.
“No sonho só existe o silêncio. E pessoas sem rosto. O silêncio entra em todos os lugares como água fria. Tudo derrete na plenitude do silêncio. Quando eu também começo a me desintegrar, grito com todas as minhas forcas, mas ninguém me ouve.” (MURAKAMI, 2018, p. 282)
Temos também o ótimo “Silêncio”, o conto que traz a mais interessante relação entre personagens de toda a coletânea. Nele, o protagonista relembra sobre seus anos de escola, sobre quando começou a lutar boxe, e o detestável colega Aoki com quem conviveu durante alguns anos. A meu ver, Aoki é o melhor dos personagens apresentados. Um tipo vazio, falso, mas que sabe cativar e enganar a todos muito bem. Alguém que todos nós conhecemos um exemplar parecido, de alguma forma.
Também merece destaque o conto “O Anão Dançarino” (minha cabeça viajou até o mundo de Twin Peaks com essa), fantasioso desde o trabalho do protagonista em uma fábrica de elefantes (que contam sempre com uma parte real do animal enquanto as outras são criadas em um processo industrial) até o personagem do anão e a reflexão sobre o preço que estamos dispostos a pagar para conquistar as coisas que queremos.
Por fim menciono “Sono”, o conto mais longo da coletânea que já foi, inclusive, publicado isoladamente (e resenhado aqui no blog pelo Alê) e que acabou sendo um dos meus favoritos. A história da mãe de família que, entediada com sua rotina, não consegue mais dormir, mas acaba se tornando ainda mais disposta e ativa devido à insônia.
Dizem que contos são a pérola da ficção. É uma pena que muitos os confundam com histórias curtas. Ledo engano. Contos têm uma linguagem própria, uma brincadeira de revelar e esconder, a história oculta e a história aparente. Contos são o corte de uma história. Eles começam no meio e acabam no meio. Sem início e sem final. Mas tudo o que precisamos está ali, em suas poucas páginas. Justamente por isso não são todos os bons autores de romances que se revelam bons autores de contos (alguns nem mesmo arriscam, outros apenas escrevem algumas histórias curtas, mas elas nada mais são do que romances mais breves). Contos são pérolas e Murakami domina arte de escrevê-los.
Título: O Elefante Desaparece
N° de páginas: 301
Editora: Alfaguara
Exemplar cedido pela editora
7 comentários:
Sou apaixonada por contos e já estava de olho neste livro tinha um tempinho bom!!!Me recordo muito bem do conto resenhado aqui no blog e do quanto já senti vontade ler.
Contos realmente são pérolas ou como eu prefiro pensar, gotinhas de chuva..que devagarinho, formam um temporal de sentimentos dentro da gente!!!
Espero de coração, poder conferir este livro o quanto antes!
Beijo
Angela Cunha Gabriel/Rubro Rosa/O Vazio na flor
Ainda não tive a oportunidade de ler nada do Murakami, Mari. E das resenhas que vocês fizeram dele essa foi a que mais me atraiu. E não só porque o título O Anão Dançarino me remeteu a Twin Peaks. [rs] Mas porque parece mesmo uma coletânea de contos incríveis. Ótima resenha.
Beijos!
Mari!
Não tive oportunidade de ler nenhum livro do autor ainda, mas gosto de contos e achei interessante a dinâmica da escrita dele.
Acredito que texto que falam sobre o passado de alguma forma, tem tendência de ser um pouco melancólico mesmo.
cheirinhos
rudy
Não sou de ler cotos, para falar a verdade não curto muito. Mas gostei dessa proposta do autor de inserir uma problemática cotidiana com uma pegada ao mesmo tempo inusitada.
Olá! Também gosto muito de contos, super concordo com a sua definição sobre essas histórias mais curtas, mas nem por isso menos expressivos, mas claro que o autor precisa saber como conduzir esses enredos, achei bacana que as histórias sejam bem diferentes, e que tratem de temas do nosso dia-a-dia, ainda não tive a oportunidade de ler nenhum livro do autor, mas com certeza se tivesse que escolher, optaria em começar por esse livro.
Oi, Mari
Apesar de gostar de contos ultimamente não estou lendo. Não conheço a escrita do autor e assim que tiver chance lerei algo dele.
Gostei de sua definição para descrever o que são contos, eles tem muita essência nem todo autor consegue escrever um conto.
Os temas abordados são do nosso dia a dia que parece ser um atrativo a mais me convidando para ler.
Beijos
Olá!
Que vontade me deu de ler contos! Não conheço o autor, mas fiquei super interessada em suas histórias, que tratam tanto sobre a questão do tempo. Isso mexe bastante comigo.
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